quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Luiz Nassif: Um quadro econômico complexo pela frente

Em qualquer circunstância, política econômica é meio para se atingir os verdadeiros objetivos de qualquer estado nacional.

Peça 1 – economia estagnada

Divulgada na quarta-feria, a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), do IBGE, registrou alta de apenas 0,7% no mês de novembro e de 1,95% em 12 meses. No acumulado de 12 meses, é um indice 1,6% abaixo de novembro de 2020.

Já a Pesquisa Mensal da Indústria (PMI), referente a novembro, mostrou queda mensal das Indústrias de Transformação (-0,23%). O índice geral mostrou alta de 0,52% mas devido exclusivamente às exportações de commodities agrícolas e minerais.

A indústria de transformação é a que mede, efetivamente, a temperatura da economia interna, o potencial de geração de empregos e de arrecadação fiscal.

Em 12 meses, a indústria cresceu 1,16%, mas puxada pelas indústrrias extrativas (+14,01%) compensando a queda de 0,76% na indústria de transformação. Nem se ouse comparar com 120 meses atrás.

Quando se analisam as grandes categorias econômicas, Bens de Capital (o setor que produz máquinas que irão registrar nova produção à economia) teve queda de 15,32% em 12 meses. Mostrei aqui a diferença de preços entre uma máquina chinesa, importada, e uma máquina produzida pela Romi, a maior indústria brasileira de máquinas. E essa invasão chinesa está afetando setores consolidados, como o siderúrgico.

•        Peça 2 – o equilíbrio fiscal

Na quarta-feira, o Tribunal de Contas da União divulgou suas estimativas sobre a questão fiscal.

•        O trabalho constatou que a Receita Primária Federal Líquida, em 19,2% do PIB, é muito acima do que foi observado nos anos recentes, indicando estar superestimada. Além disso, a sustentabilidade da Dívida Líquida do Setor Público parece não ser alcançável nos próximos 10 anos. O valor estimado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (R$ 12,5 bilhões) em economia de despesas também não é factível.

Ou seja, para não haver cortes orçamentários, teria que haver um crescimento das receitas – que depende do comportamento da economia – e de algumas medidas fiscais, que o TCU julgou insuficientes. Sua estimativa é de um déficit primário de até R$ 55,3 bilhões, e o descumprimento da meta de resultado fiscal proposta na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

•        Peça 3 – a taxa de juros

Mantidas as atuais regras do jogo, o Copom (Comitê de Política Monetária) terá muitos argumentos para reduzir o ritmo de queda dos juros. Ontem, o FMI (Fundo Monetário Internacional) apitou a flauta de Hamlin para os bancos centrais encerrarem o ciclo de queda dos juros.

Segundo o Financial Times, a bíblia do mercado, um alto funcionário do FMI alertou que os bancos centrais precisam agir com cautela no corte das taxas de juros este ano, já que as expectativas do mercado de uma política monetária mais frouxa podem alimentar outro surto de inflação.

No mesmo tom, Karen Ward, estrategista-chefe de mercado para Europa, Oriente Médio e África na JPMorgan Asset Management, reforçou que, passado o entusiasmo com a decisão do FED, de não aumentar os juros, o mercado deveria cair na real e começar a se preocupar com a volta da inflação.

É um jogo modorrento, de tão previsível. Se a inflação aumenta, há que se aumentar os juros. Se a inflação cai, há que se aumentar os juros para a inflação não subir de novo.

Aliás, sugiro a leitura do livro “História da Diplomacia Monetária”, de Maurício Metri. Aí se entenderá melhor o uso que a Inglaterra fez da política monetária, quando a libra dominava e o Banco da Inglaterra dava as ordens, sucedido pela era do dólar e do FED (o Banco Central americano). E como os países periféricos iam bovinamente para o matadouro, até que fossem salvos pelo Senhor Crise.

Enquanto isto, o Conselho de Estado da China alterou as regras do Comitê de Política Monetária do PBOC (o banco central chinês). Pelas novas regras, quem passa a definir a política monetária é o Partido Comunista chinês.

Segundo a nota oficial,

A alteração também estimula o fortalecimento da orientação das expectativas e da comunicação com o mercado, acrescentou.

Antes disso, em setembro do ano passado, Liu Shijin, membro do comitê de política monetária do Banco Popular da China (PBOC), alertava para as restrições da política monetária, devido à ampliação dos diferenciais de juros em relação aos Estados Unidos.

“Se a China continuar a se concentrar em políticas macro em seus esforços para estabilizar o crescimento, haverá cada vez mais efeitos colaterais. Mais importante ainda, perderemos novamente a oportunidade de fazer reformas estruturais.”

As reformas estruturais anunciadas passam pela demanda – com a proposta de oferecer aos trabalhadores imigrantes acessos aos serviços públicos -, e do lado da oferta, com o estímulo ao empreendedorismo em setores emergentes.

•        Peça 4 – a economia como meio

A diferença fundamental entre o modo de pensar Ocidental – profundamente amarrado à coordenação do FMI, como representante do grande capital financeiro – e a China está na maneira como analisam a política econômica.

Em qualquer circunstância, política econômica é meio para se atingir os verdadeiros objetivos de qualquer estado nacional: a promoção do desenvolvimento como maneira de alcançar o bem estar social da população. E o bem-estar, na forma de atendimento em educação, saúde e outros direitos, é o motor que impulsiona o desenvolvimento, pela oferta de mão de obra especializada e pelo fortalecimento do mercado interno.

Só que se tem um país que foi institucionalmente destruído pela irresponsabilidade golpista do período mensalão-Bolsonaro, um governo politicamente enfraquecido pelo controle do Centrão sobre o Congresso, do mercado sobre os gastos públicos e uma mídia que, ao mesmo tempo, defende o controle de gastos e critica a retirada de isenções espúrias a setores empresariais e religiosos.

Em algum momento, o governo Lula terá que pagar para ver. Se permitir a manutenção dos juros atuais, se continuar com as mãos amarradas para investimentos públicos e políticas de defesa da produção nacional – especialmente contra a invasão chinesa – apenas adiará a ida para o matadouro.

É mais do que hora de encabeçar um movimento em defesa da produção nacional.

 

       Como as privatizações contribuem para o aumento da desigualdade no Brasil e no mundo

 

A privatização de empresas públicas está entre as principais causas do aumento da desigualdade social no mundo, de acordo com um estudo realizado pela organização internacional Oxfam. O trabalho foi divulgado na segunda-feira (15) e indica que a venda de companhias estatais faz com que empresários fiquem cada vez mais ricos enquanto lucram prestando serviços cada vez mais caros à população cada vez mais pobre.

A Oxfam dedica-se há anos a levantar dados sobre o aumento da discrepância social entre ricos e pobres no mundo. A entidade divulga anualmente um relatório sobre o assunto junto com o início do Fórum Mundial Econômico de Davos, na Suíça, onde lideranças políticas e empresariais de todo mundo reúnem-se para tratar desse e de outros assuntos.

Neste ano, o relatório da Oxfam foi intitulado de “Desigualdade S.A.”. Está focado em explicar como grandes empresas estão entre as grandes responsáveis pelo crescimento forte e constante da desigualdade mundial.

Segundo a Oxfam, a riqueza dos cinco mais ricos do mundo dobrou desde 2020. Ao mesmo tempo, 60% da população global – cerca de 5 bilhões de pessoas – ficou mais pobre. Ainda de acordo com a entidade, isso aconteceu, em parte, por conta das privatizações.

No Brasil, há políticos, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que ainda defendem esse tipo de venda do patrimônio público, aliando-se ao interesse de grandes companhias interessadas em expandir seus negócios. Para a Oxfam, o resultado dessas operações é uma maior concentração de renda.

“Uma forma importante – embora subestimada – pela qual o poder das grandes empresas fomenta a desigualdade é a privatização dos serviços públicos. Em todo o mundo, esse poder está pressionando incessantemente o setor público, mercantilizando e, muitas vezes, segregando o acesso a serviços vitais como educação, água e saúde, enquanto obtém enormes lucros bancados pelos contribuintes e destrói a capacidade dos governos de fornecer o tipo de serviços públicos universais e de alta qualidade que poderiam transformar vidas e reduzir a desigualdade”, diz o relatório.

“A privatização pode funcionar bem para os ricos, incluindo as elites econômicas e políticas, que podem se beneficiar financeiramente, bem como quem tem recursos suficientes para pagar por serviços privados caros. No entanto, um robusto conjunto de evidências demonstra que, em muitos casos, a privatização provoca exclusão, empobrecimento e outras consequências prejudiciais”, acrescenta.

•        ‘Privatização moderna’

A Oxfam ressalta que o interesse em privatizações é enorme já que “elas movimentam trilhões de dólares e representam imensas oportunidades de geração de lucros”. Instituições como o Banco Mundial, que em tese atua para reduzir a pobreza e desigualdade, seguem apoiando esse tipo de negócio, que hoje acontece de diversas formas: “integração deliberada do setor empresarial em políticas e programas públicos, terceirizações e parcerias público-privadas (PPPs)”, enumera.

“Muitos sistemas contemporâneos [de privatização], como as PPP e a terceirização, podem ser altamente dispendiosos para o Estado e exigir que os contribuintes garantam os lucros do setor privado. Os riscos fiscais das PPPs são particularmente elevados, o que lhes valeu o apelido de ‘bombas-relógio orçamentárias’. O fato desses sistemas representarem frequentemente um fardo pesado para os cofres públicos e geralmente custarem mais do que os serviços públicos coloca em questão os argumentos de que a privatização é necessária porque o setor público carece de recursos suficientes”, escreve a Oxfam, sobre as novas formas de privatização.

Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), acrescenta que a situação financeira dos estados segue como o maior argumento em favor das privatizações. Segundo ele, inclusive no Brasil, o setor empresarial pressiona os governos por corte de gastos e controle do orçamento público. Isso, na verdade, inviabiliza o funcionamento de estatais e a prestação de um serviço de qualidade. Resta ao Estado, portanto, privatizar.

“O que o mercado financeiro fala? Que o Estado tem que cortar os gastos. Se há corte de gastos, o governo reduz o investimento, inclusive nas estatais. Elas param de ter eficiência. Vira um argumento para privatizar”, descreve Weiss. “O privado faz a demonização das estatais porque eles querem privatização a preço baixo no mercado.”

Segundo Weiss, esse discurso de austeridade pautou privatizações de Bolsonaro. Empresas como a Eletrobras tiveram seu controle vendido por valores questionáveis. Empresários ganharam espaço em setores essenciais e com pouca concorrência – no caso, energia elétrica –, demitiram trabalhadores e aumentaram os ganhos da diretoria.

A Eletrobras, por exemplo, lançou um plano de demissão voluntária (PDV) após a privatização para desligar mais de 2 mil trabalhadores. Ao mesmo tempo, a empresa aumentou em 3.500% no salário de seus administradores.

•        Desigualdade tributária

Jefferson Nascimento, coordenador de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil, diz que o fortalecimento do orçamento público é fundamental para evitar as privatizações e reduzir a desigualdade. Isso ocorre basicamente cobrando mais impostos dos ricos para oferecer melhores serviços aos pobres.

“Existe um amplo apoio ao fornecimento de serviços públicos universais, e esses serviços têm custo. Os custos são pagos por impostos”, lembrou. “Os impostos precisam ser mais justos para financiar esses serviços.”

No Brasil, no entanto, o sistema tributário contribui com as injustiças, segundo Nascimento. O governo concede descontos em tributos para empresas e sobre determinadas despesas que só beneficiam a população mais rica.

Ele lembra por exemplo que todas as custas médicas podem ser descontadas sobre o Imposto de Renda. Contudo, só ricos têm esse tipo de gasto, já que grande parte da população usa o Sistema Único de Saúde (SUS). “Cerca de 400 mil pessoas deduziram do seu imposto de renda R$ 26 bilhões só em 2022. Isso é 23% de tudo o que foi deduzido em despesas médicas no ano, de acordo com dados da Receita.”

Nascimento diz que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem sinalizado um esforço para a mudança na tributação sobre renda no país. Para ele, contudo, não é tão claro quanto foi o empenho feito para a reforma dos impostos sobre o consumo, aprovada no ano passado sem um efeito significativo contra a desigualdade.

Ao mesmo tempo, o governo estabeleceu o déficit zero das contas públicas já a partir de 2024 e colocou em vigor o Novo Arcabouço Fiscal (Naf). A nova regra limita o gasto público com base no crescimento da receita. Isso pode enfraquecer ainda mais o estado caso a arrecadação não cresça e acabar, ao fim, fomentando novas privatizações.

 

Fonte: Jornal GGN/Brasil de Fato

 

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