Por que africanos queimam bandeira francesa e gritam "Putin"
Logo após o golpe de Estado no Níger, manifestantes a favor dos militares golpistas foram vistos queimando
bandeiras da França e gritando "Rússia, Rússia" ou "Viva
Putin" em frente à embaixada francesa em Niamey.
As imagens chamaram a atenção para um
desenvolvimento que não tem recebido a atenção que merece na imprensa
ocidental: a crescente presença e influência da Rússia em vários países
africanos.
Nos últimos anos, alguns países africanos
renunciaram à cooperação com a França, a quem acusam de interferir em assuntos
internos, em favor da Rússia, que lhes fornece armas ou até mesmo grãos.
O Níger, se os golpistas se impuserem, seria apenas
o exemplo mais recente, depois do Mali e do Burkina Faso, de um país
na região do Sahel que passou por um golpe de Estado depois de 2020 e em
seguida se voltou para a Rússia.
O Sahel é uma extensa faixa de território que
atravessa horizontalmente o continente africano, de ponta a ponta, e passa
por países como Burkina Faso, Chade, Mauritânia, Mali, Níger e Nigéria, sendo
uma das regiões mais pobres do continente, assolada por conflitos e com uma
grande presença de grupos terroristas.
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Sentimentos antifranceses
O Níger foi uma colônia francesa desde o início do
século 20 até 1960, quando se tornou um país independente. Hoje é um dos principais
fornecedores de urânio para as usinas nucleares francesas, com cerca de um
terço do total num país onde 70% da eletricidade é gerada por reatores
atômicos.
Para muitos africanos, o passado colonial pesa
contra a França. E a isso se une, no período pós-colonial, o frequente apoio do
Eliseu a autocratas africanos.
Além disso, muitas pessoas na África percebem o
presidente Emmanuel Macron como
arrogante, o que certamente não melhora a imagem da França.
Apesar da percepção de arrogância que o acompanha,
deve ser dito que poucos líderes franceses empreenderam tantos esforços para
melhorar a imagem da França na África como Macron.
Num gesto pouco comum para líderes franceses, ele
viajou até Ruanda para reconhecer que a França teve grande responsabilidade no
genocídio de 1994, que deixou cerca de 800 mil mortos.
Macron elevou a ajuda financeira ao continente,
começou a devolver obras de arte roubada na época colonial e deu apoio militar para combater militantes jihadistas que já
mataram inúmeros civis na África.
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Combate ao terrorismo
Desde 2013, quase 5 mil militares franceses foram
enviados para combater grupos jihadistas no Mali, em Burkina Faso, no Chade, no
Níger e na Mauritânia.
Em agosto de 2022, mais de nove anos depois de
serem recebidos no Mali como "salvadores", os 2.400 soldados
franceses concluíram sua retirada do país, ordenada por Macron devido à
deterioração das relações com a junta militar no poder em Bamako e perante a
crescente hostilidade da opinião pública local em relação à França.
Dois meses depois, foi a vez de os cerca de 400
militares franceses no Burkina Faso deixarem o país.
Do contingente inicial, a França mantém 2.500
soldados na região, divididos entre o Chade e o Níger, para combater os grupos
armados terroristas no Sahel.
A saída dos soldados franceses costuma ser seguida
de uma aproximação com o Grupo
Wagner, como no caso do Mali, onde a junta militar no
poder em Bamaco fez um acordo com os mercenários para apoiar o seu exército.
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Operação em redes sociais
A Rússia sabe fazer uso dos sentimentos anti-franceses
na África. Uma recente investigação da empresa britânica Logically mostrou
que uma ampla atividade de desinformação em redes sociais tem ajudado a
promover posições anti-ocidentais e pró-russas no continente.
Postagens típicas acusam a França de neocolonialismo,
elogiam o presidente Vladimir Putin e os
mercenários do Grupo Wagner e promovem a já conhecida desinformação sobre o
governo da Ucrânia, chamado de "nazista".
A rede, que opera no Facebook, YouTube e Telegram e
é chamada de Russosphère, está ligada a um ativista político belga de extrema
direita, Luc Michel, segundo os pesquisadores da Logically, uma
start-up especializada em analisar e combater desinformação.
A Russosphère, que se define como "uma rede em
defesa da Rússia", ganhou força no início de 2022, pouco depois da invasão
da Ucrânia pela Rússia.
"A maioria das operações de Michel na África
promove o pan-africanismo e sentimentos anti-colonialistas como um ponto de
convergência para apoiar a tese central de Michel: de que países africanos
sairiam ganhando se se distanciassem de seus colonizadores europeus e
desenvolvessem fortes relações com a Rússia", escrevem os pesquisadores
da Logically.
A argumentação é bem-sucedida em vários países
africanos porque se apoia em sentimentos reais e disseminados entre a
população.
"Creio ser absolutamente razoável assumir que
a maioria das pessoas [no Níger] são pró-Rússia no atual momento",
comentou a especialista em Sahel Abiol Lual Deng, em entrevista à DW.
Ela observa ainda que Putin defende valores sociais
conservadores que têm grande apelo entre muitos africanos.
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Cúpula em São Petersburgo
Além das bandeiras francesas queimadas e dos gritos
a favor da Rússia, o resultado dos esforços da Rússia por maior influência
puderam ser vistos também na recente Cúpula Rússia-África 2023, realizada em
São Petersburgo.
Lá o líder golpista do Burkina Faso e
proclamado "presidente de transição", Ibrahim Traoré, descreveu a
Rússia como uma "família" em virtude "da história compartilhada
na luta contra o nazismo" e diante dos resquícios de colonialismo que
ainda restam no continente.
Burkina Faso, país governado por uma junta militar
desde o golpe de janeiro de 2022 contra o então presidente Roch Marc Christian
Kaboré, tem registrado insegurança crescente desde 2015.
A junta militar agora chefiada por Traoré
protagonizou um motim em setembro, na prática um golpe palaciano contra o até
então líder, Paul-Henri Sandaogo Damiba.
Já o presidente interino do Mali, coronel Assimi
Goita, agradeceu a Putin pela ajuda militar.
"O Mali tem uma aliança militar com a Rússia.
Agradecemos seu apoio e amizade. Graças à Rússia, pudemos fortalecer nossas
Forças Armadas e nossos serviços de segurança", declarou Goita durante seu
discurso na cúpula.
Goita salientou que a Rússia tem demonstrado ser
"uma parceira de confiança" que sempre "respeitou a soberania do
Mali".
Ele frisou que o Mali é agora um país
"absolutamente independente e autossuficiente", cujo Exército pode
defender sua "integridade territorial".
As mortes de civis aumentaram 278% desde que os
mercenários do Grupo Wagner chegaram ao Mali, em dezembro de 2021, afirmou
recentemente o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken.
O Mali vive uma profunda crise política e de
segurança desde 2012, quando grupos rebeldes e jihadistas assumiram o controle
do norte do país, que se degradou após os dois golpes de Estado ocorridos em
agosto de 2020 e maio de 2021.
Na cúpula em São Petersburgo, Putin anunciou que
seu país assinou contratos de armas com mais de 40 nações africanas. Ele
ressaltou que parte do fornecimento de armas a esses países é feito
gratuitamente, já que o objetivo final é "garantir a segurança e soberania
deles".
Fonte: Deutsche Welle
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