El Niño pode potencializar fogo na Amazônia, alertam cientistas
O cenário de queimadas e devastação na Amazônia
pode ser mais crítico este ano devido à potência do fenômeno climático El Niño,
que provoca alterações na temperatura do Oceano Pacífico e compromete o regime
de chuvas na região, dizem cientistas consultados pela Amazônia Real. O momento
é preocupante porque os focos de calor de 2023, que somam 12.124 registros até
o momento, já superam os de 2022, com uma diferença de 772. Uma das ações de
prevenção para grandes desastres naturais é o relançamento do Plano de Ação
para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) pelo
governo Lula.
Em julho, começa a estiagem em grande parte da
região Norte (com exceção de Roraima), estação conhecida como “verão amazônico”.
Até outubro, o volume de chuvas cai drasticamente, resultando em tempo seco,
que pode ser agravado com o aquecimento do Pacífico.
O Mato Grosso, um dos Estados mais devastados pelas
queimadas desde 2019, continua liderando o primeiro lugar no ranking do
Satélite de Referência do BDQueimadas do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe) desde o início do ano até o mês de julho. A região concentra
quase metade de todos os focos de calor do ano na Amazônia Legal, com 43,8% de
todas as queimadas e um aumento de 20% com relação ao ano passado.
Em segundo lugar no ranking está o Pará, com 25,3%
dos focos e, em terceiro, Roraima, um Estado que ganhou destaque nos últimos
anos pela grilagem e garimpo e compõe 10,5% de toda a destruição, tomando a posição
de anos anteriores do Amazonas, com uma diferença de 0,5%.
“Os Estados
da Amazônia onde o número de focos de calor aumentou foram o Pará e o Mato
Grosso. No Mato Grosso pode ser que haja uma relação mais próxima entre o
desmatamento recente e as queimadas, visto que o estado foi o único onde o
desmatamento aumentou comparado com o período anterior. Já no Pará houve uma
redução do desmatamento e a área que tem apresentado focos de calor é uma área
que aparentemente está queimando mais cedo do que o normal, o que pode indicar um efeito ainda
precoce do El Niño”, afirma Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de
Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e coordenadora da rede colaborativa
Mapbiomas Fogo.
O mês de junho registrou 3.075 focos, o que não se
via havia 16 anos, desde 2007, no satélite do Inpe. O número representa 20% a
mais do que o ano passado e também acende o alerta para estratégias que podem
estar sendo desenvolvidas para driblar o governo Lula nas ações de
fiscalização.
Conforme os especialistas entrevistados pela
Amazônia Real, ainda não há uma explicação exata para que as queimadas estejam
maiores do que em 2022 em determinados meses considerados fora do período do
fogo, como abril e junho.
“As
queimadas voltaram a preocupar na Amazônia. As causas desse aumento ainda são
um pouco inconclusivas, pois um dos principais tipos de queimadas são aquelas
utilizadas para finalizar o processo de desmatamento, entretanto, o
desmatamento sofreu uma redução importante no primeiro semestre deste ano”,
ressalta Ane Alencar.
A redução citada pela pesquisadora, em número,
chega a 33,6% nos seis primeiros meses de 2023 em comparação com o mesmo
período de 2022, um resultado significativo.
“Pode ser que uma parte dessas queimadas estejam
relacionadas com o desmatamento que ocorreu no ano anterior, ou seja, pode ser
ainda um legado do governo anterior. Por outro lado, o clima é um fator
importante para o alastramento dessas queimadas, gerando incêndios. E no mês de
junho foi confirmada a instalação do fenômeno El Niño, que causa seca na
Amazônia, principalmente na Amazônia oriental”, afirma a pesquisadora.
Os Estados que Ane Alencar cita como os mais
afetados pelo El Niño da Amazônia oriental são Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins
e Mato Grosso. Sem muita surpresa, todos eles estão no ranking com os maiores
focos de calor neste mês de julho. Liderando, o Pará encontra-se com 42,1 % dos
3.780 focos da Amazônia Legal somente do mês de julho; em segundo lugar está o
Amazonas, com 21,8%; em terceiro, Mato Grosso (19,7%). Nos demais lugares do ranking encontram-se
Rondônia (8%), Acre (4%), Maranhão (3,1%), Tocantins (0,8%), Roraima (0,3%) e
Amapá (0,1%).
Alberto Setzer, pesquisador titular do Inpe, que
atua na Coordenação-geral de Ciências da Terra (CGCT) e já coordenou diversos
projetos de monitoramento de queimadas, analisa o aumento.
“Desde o início do ano a Amazônia Legal apresentou
1% a mais de focos do que no ano passado. Para o bioma Amazônia o aumento foi
de 10%, já significativo mas não exagerado. Mato Grosso foi o Estado com mais
focos em junho, talvez reflexo do período proibitivo de queima, cujo início foi
marcado para 1º de julho de 2023, ou seja, uma antecipação das queimas para
ficar menos exposto”, ressalta.
Há uma intensa preocupação com os possíveis
impactos que o El Niño pode promover. “Anos de El Niño costumam apresentar
períodos mais longos sem precipitação e com temperaturas mais altas no sul da
Amazônia brasileira, o que facilita o uso e a propagação do fogo na região. A
expectativa da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), dos
Estados Unidos, é de 56% de probabilidade de um El Niño forte neste semestre”,
explica Setzer.
• O
grande El Niño
O cenário para 2023 na Amazônia não é um dos mais
favoráveis. A região encontra-se sobre um fenômeno que prolonga o verão e
aumenta a temperatura, favorecendo os crimes ambientais e as queimadas. Em
2016, quando o El Niño Godzilla pairou sobre a Amazônia, as taxas de
desmatamento e queimadas cresceram em 125% comparadas a anos anteriores, conforme
publicado na época pela Amazônia Real. Agora, uma nova onda de calor promovida
pelo El Niño, principalmente na região Norte, pode trazer seca e um verão
prolongado.
Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e o segundo cientista mais citado na área de
aquecimento global, fez uma avaliação à reportagem da intensidade do fenômeno
este ano.
“O
aquecimento no Oceano Pacífico é forte e também está ocorrendo cedo no ano,
indicando um grande impacto. A temperatura da superfície do mar está bem acima
do normal em uma faixa que se estende praticamente de um lado ao outro do
Pacífico na região equatorial. As grandes ondas de calor ocorrendo neste
momento na Europa e na América do Norte são consistentes com um El Niño forte”,
afirmou.
Conforme o
cientista, apesar do El Niño ser um fenômeno natural, que ocorre há milhares de
anos e resulta no aquecimento da superfície da água do Oceano Pacífico perto da
linha do Equador, ele está aumentando em frequência devido às emissões de gases
acima da média emitida pelos humanos.
Na Europa, as ondas de calor estão se espalhando,
fazendo as temperaturas chegarem a 40 graus. Um gráfico da Noaa publicado nos
últimos dias revela que a mais alta temperatura já registrada no Atlântico
Norte em 41 anos, entre 1982 a 2023, é a deste mês de julho de 2023.
Ao ouvir especialistas, o jornal The Guardian
noticiou que “mais de 90% do calor extra
causado pela adição de gases de efeito estufa à atmosfera pela queima de
combustíveis fósseis e desmatamento foi absorvido pelo oceano”, o que tem
ocasionado altas temperaturas.
Referente aos impactos no Brasil, Fearnside prevê
que o fenômeno deve impactar toda a Amazônia. “A Amazônia fica mais quente e
mais seca. Isto leva a morte de árvores em pé pela combinação seca e calor,
sendo que qualquer planta precisa de mais água se a temperatura aumenta. Também
leva a incêndios florestais, que matam mais árvores. As secas de El Niño
normalmente afetam mais a parte norte da Amazônia, Roraima sendo o lugar mais
famoso para incêndios florestais. No entanto, às vezes as secas se estendem até
a parte sudoeste da região, como ocorreu em 2015, quando houve grandes
incêndios no Acre”.
• Cadastro
rural e o fogo
O equivalente a 60% do desmatamento de junho de
2023 ocorreu nas áreas inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), o que
aponta para uma temporada de fogo conduzida não por grileiros, mas por
fazendeiros. Os dados são do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na
Amazônia Legal por Satélite (Prodes).
Para Márcio Astrini, secretário executivo do
Observatório do Clima, o governo federal está debruçado na análise do aumento
de queimadas e ainda não conseguiu achar uma resposta. Ele ressalta, porém, o
papel da matéria orgânica das áreas desmatadas anteriormente por fazendeiros.
Além disso, Astrini afirma que existem situações
facilitadoras para que as queimadas estejam crescendo, principalmente o curto
tempo que o governo Lula tem para que haja implementação das ações de combate e
governança na região da Amazônia.
“Até agora eles [órgãos federais] têm tentado
restabelecer essa governança, estão com problemas porque as agências de
fiscalização sofreram sabotagem nos últimos anos, mas estão sendo recuperadas,
estão atuando. Portanto, o que a gente pode esperar é que o governo, com as
forças que tem, com as possibilidades que tem hoje, faça uma atuação para
diminuir as queimadas e o desmatamento”, acrescenta.
Ele demonstra preocupação com as ações dos governos
estaduais da Amazônia, que ao longo dos últimos anos adotaram agendas
antiambientais. Astrini cita como exemplo o governador de Roraima, Antônio
Denarium, que contribuiu com a situação do garimpo no estado ao autorizar o uso
do mercúrio e as situações políticas vividas no estado de Rondônia, onde houve
tentativa de acabar com as unidades de conservação.
“Os governadores precisam agora mostrar na prática
que desejam mudar e realmente atuar contra as queimadas e a favor da floresta,
mas infelizmente a gente não vê isso de forma clara, ostensiva ou tendo esperanças
aí de que esses governadores vão se mobilizar, o que é torna ainda mais difícil
qualquer batalha para proteção da Amazônia, porque o aparato dos Estados,
principalmente a força policial, é fundamental para complementar a força do
governo federal no combate ao crime”, complementa.
• Fumaça
das queimadas
Anualmente, os incêndios e impacto das fumaças
chegam até as cidades. A temporada do fogo é um cenário que se repete, aumenta
o número de doenças respiratórias, mas ainda não tem ação concreta de mitigação
por parte dos estados da Amazônia. Como exemplo, no último ano a fumaça chegou
nas áreas urbanas de Novo Progresso e Altamira, no Pará, e Manaus, no
Amazonas.
Ane Alencar acredita que com o relançamento do
PPCDam, os governos têm incentivos para trabalharem seus planos de controle do
desmatamento e queimadas, ou, no mínimo, para reativar os planos nesta
temporada.
Criado em 2004, o PPCDAm foi o principal
responsável pela queda de 83% do desmatamento até 2012, segundo dados do Inpe.
Com a revogação do PPCDAm em 2019 e o desmonte dos órgãos ambientais no governo
Bolsonaro, o desmatamento atingiu a marca de 13 mil km² em 2021, o que não
ocorria desde 2006. Isso afastou o país das metas estabelecidas em acordos
internacionais.
A quinta fase do plano estabelece a meta de
desmatamento zero até 2030, a partir de quatro eixos temáticos: atividades
produtivas sustentáveis; monitoramento e controle ambiental; ordenamento
fundiário e territorial; e instrumentos normativos e econômicos voltados à
redução do desmatamento e à efetivação das ações abrangidas pelos demais eixos.
“Entretanto, a temporada do fogo está aí, no mínimo
tanto o governo federal quanto os governos estaduais já deveriam estar com
campanhas prontas para a redução do uso do fogo e para prevenção, porque eu
acho que isso ajuda bastante, principalmente num contexto onde o clima está
bastante favorável para ocorrência de incêndios”, ressalta a pesquisadora, que
também frisa o papel do engajamento da sociedade no tema.
A respeito da governança e fogo nos estados, A
Amazônia Real procurou todas as secretarias de meio ambiente dos nove estados
da Amazônia Legal para coletar informações sobre preparo para a temporada de
fogo e monitoramento, mas obteve baixo retorno, indicando uma possível falta de
organização e preparo nos estados.
Apenas quatro estados retornaram até a publicação
desta reportagem. No Mato Grosso (MT), a secretaria respondeu que o
investimento para combater e prevenir queimadas chegou a R$ 38 milhões e que o
Plano de Operações da Temporada de Incêndios Florestais (POTIF) prevê a
implantação de 81 instrumentos de resposta, composto por 25 unidades do Corpo
de Bombeiros, 29 Brigadas Estaduais Mistas, 17 Brigadas Municipais Mistas, sete
bases descentralizadas de Bombeiro Militar e quatro equipes de intervenção e
apoio operacional.
A respeito do monitoramento, a Secretaria de Meio
Ambiente informou que possui quatro equipamentos para monitorar a qualidade do
ar na capital Cuiabá. Elas são responsáveis por avaliar a concentração de gases
poluentes e material particulado na atmosfera.
No Amazonas, a secretaria informou apenas que a
primeira fase da Operação Aceiro 2023 começou para combater incêndios
florestais no sul do Amazonas. É composta por 74 bombeiros militares e 10
viaturas com destino aos municípios de Humaitá, Apuí, Boca do Acre, Lábrea e
Manicoré. Não houve respostas às demais perguntas sobre monitoramento da
qualidade do ar, que até 2022 não possuía equipamentos.
Já no Maranhão, a Secretaria de Estado de Meio
Ambiente e Recursos Naturais informou que 25 municípios estão dentro do plano
de combate às queimadas com foco nos municípios mais atingidos e tem feito
monitoramento de queimadas e emissão de boletins de monitoramento de focos de
calor.
Com relação ao monitoramento da qualidade do ar,
afirmou que possui seis estações de monitoramento em São Luís e nos demais
municípios o controle da qualidade do ar é realizado através de relatórios de
automonitoramento enviados por empreendimentos licenciados pelas secretarias
locais.
À Amazônia Real, a Secretaria do Meio Ambiente de
Rondônia, um estado devastado pelo agronegócio, não respondeu aos
questionamentos sobre monitoramento, mas informou que “vem desenvolvendo
atividades como campanhas de educação ambiental nas escolas, pit stop de educação
e conscientização ambiental, intensificação na fiscalização, divulgação nas
redes sociais, palestras com o tema risco de queimadas, além do WhatsApp de
denúncias”.
As secretarias dos Estados do Pará, Tocantins,
Acre, Amapá e Roraima não responderam às perguntas enviadas pela Amazônia Real.
Fonte: Amazonas Real
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