domingo, 2 de julho de 2023

Direita bate cabeça após inelegibilidade de Bolsonaro

Com o ex-presidente Jair Bolsonaro fora do páreo, caciques do Centrão e da direita têm debatido nomes para ocupar a lacuna deixada por ele nas próximas eleições. As discussões são sobre quem poderia formar uma aliança capaz de carregar o legado, ao lado do governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), colocado atualmente como o preferido para ser cabeça de chapa, em uma “frente ampla” da direita menos radical, mas ainda embalada pelo legado do bolsonarismo.

Embora avaliem ainda ser cedo para definir cenários para 2026, dirigentes partidários e figuras influentes desses espectros político ouvidas pelo GLOBO colocam o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), a ex-primeira-dama Michelle e os senadores Ciro Nogueira (PP-PI) e Tereza Cristina (PP-MS) como opções de candidatos a vice, não necessariamente nessa ordem, com ressalvas sobre o desempenho de cada um nos próximos três anos.

A união vista em torno do nome de Tarcísio não se repete quando o assunto é a candidatura a vice. Presidentes de partido têm avaliações distintas sobre como completar a chapa. Uma ala, composta pelo PP e por parte do União Brasil, avalia que é essencial ter um vice do Nordeste para diminuir a vantagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na região. Um nome citado é o do presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), inclusive por ele mesmo. Outro grupo prega que a chapa faça um aceno para o eleitorado feminino, campo onde o bolsonarismo também tem dificuldades, e cita Michelle e Tereza como alternativas.

– Política é fila e ele [Tarcísio] é o primeiro– afirmou Ciro Nogueira ao GLOBO, que cita o próprio nome, de Zema e de Tereza como opções de candidatos a vice.

Ainda que não cite ninguém específico para compor a chapa, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho do ex-presidente, disse ao GLOBO que a preferência é que o PL esteja dentro dela. Há a intenção do presidente do partido, Valdemar Costa Neto, de filiar Tarcísio. Porém, pelo menos por enquanto, o governador tem dito que continua no Republicanos.

– Seria o ideal (o PL estar na chapa), mas muito cedo pra falar disso ainda – declarou Flávio.

Na avaliação do senador, a decisão do TSE fortalecerá Bolsonaro e a direita na próxima disputa presidencial.

– Bolsonaro é uma pessoa querida demais por milhões de brasileiros. A avaliação unânime de quem eu converso, de pessoas do poder até as mais humildes, é que a covardia é tão grande que ele se tornará ainda mais forte.

Uma ala de dirigentes partidários ligados ao Centrão avalia que a direita tem tradição de não dar atenção para o Nordeste e que isso precisa mudar caso o grupo queira vencer Lula em 2026. O entendimento é que o PT sempre “deu aula” na forma como fidelizar o eleitor da região e que a direita precisa ter estratégias para ampliar a entrada nessa parcela dos votos. Na visão desse grupo, o candidato a vice também teria que ser alguém sem vínculos diretos com Bolsonaro para agregar eleitores arrependidos do PT.

No Piauí, estado de Ciro Nogueira, Lula teve a maior porcentagem de votos do país, com 76,86% dos votos, 1.551.383 totais. Bolsonaro recebeu 23,14%, 467.065 totais.

A vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão (PP), avalia que Nogueira terá um papel de protagonista na construção de uma candidatura de oposição a Lula.

– Ciro tem todas as condições para isso, mas ainda está muito longe do processo eleitoral. Ele estará à frente desse projeto com certeza . Independente de ser vice ou não.

Um cacique do centrão afirma que Ciro tem vontade e experiência política para assumir esse papel e angariar votos do Nordeste para a direita, mas avalia que nesse momento ele não tem a força necessária, algo que poderia ser construído nos próximos três anos. Um integrante do União Brasil, porém, avalia que Ciro está muito vinculado a Bolsonaro, já que foi seu ministro da Casa Civil, e que o ideal seria ter alguém de centro-direita ou direita na região, mas sem ligação com o bolsonarismo.

Já o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que foi vice-presidente na gestão de Bolsonaro, evita falar em nomes, mas avalia que hoje o campo que representa a oposição entrará com força na eleição. De acordo com ele, o “PT tem só o nome do atual presidente, que não “emplaca em 2026”, na visão do senador.

Aliados mais próximos da família Bolsonaro não descartam a participação da ex-primeira-dama Michelle como vice ou candidata à Presidência da República, embora ela venha dizendo não ter vocação para concorrer a um cargo nacionalmente. Aliados acreditam que isso pode mudar, ainda mais se a sua candidatura lhe for entregue como uma espécie de “missão” pelo partido ou mesmo pelo ex-presidente.

O PL tem investido fortemente na imagem de Michelle nos últimos tempos e acredita no carisma dela para ampliar o eleitorado e o número de filiados da sigla. Além de atrair o voto feminino, Michelle tem forte apelo entre o público evangélico.

Michelle tem atuado recentemente como a “estrela do PL”. Dirigida por Duda Lima, ela tem participado das inserções de propaganda de rádio e TV a que o partido tem direito. Além disso, ela tem viajado e feito campanha para aumentar o número de filiados da sigla pela ala feminina do partido, já como uma espécie de pré-campanha e aquecimento.

A própria Michelle sinalizou uma mudança. Pelas redes sociais, mencionou a frase do marido “nosso sonho segue mais vivo do que nunca” e afirmou: “Estou às suas ordens, meu capitão”.

Romeu Zema é outro nome forte. Interlocutores da direita, no entanto, avaliam que ainda é preciso avaliar o desempenho do mineiro nos próximos anos e seu potencial de ganhar aderência nacional. Um dos pontos contrários é que ele, por exemplo, não atrairia votos do Nordeste, região em que a esquerda é mais forte, tampouco entre as mulheres, grupo que manifestou resistência a Bolsonaro durante a campanha do ano passado.

Segundo fontes, Zema tem trabalhado para colocar seu nome na disputa com presidentes dos partidos da centro-direita.

—Tarcísio acaba despontando como principal porque está no principal estado, mas temos também Michelle que está surpreendendo a todos com sua desenvoltura. Zema representa muito bem os conservadores, assim como Ratinho Jr. Nomes não faltam— disse o vice-presidente do PL, Capitão Augusto (SP),

O presidente da bancada ruralista, Pedro Lupion (PP-PR), menciona os nomes de Tarcísio e Tereza Cristina como fortes eleitoralmente.

–O governador de SP hoje tem uma vantagem. Mas eu não arriscaria perder uma reeleição certeira lá. A Tereza Cristina também é um bom nome. Tem a questão de se trabalhar melhor o nome dela em outros estados fora de Mato Grosso do Sul– disse.

Ela tem o amplo apoio do agronegócio, uma das principais forças do Congresso e de campanhas eleitorais.

O governador paulista é o mais mencionado por membros do PL, do PP e do Republicanos para assumir a campanha nas próximas eleições. A avaliação é que ele atrairia os eleitores mais fervorosos de Bolsonaro e, ao mesmo tempo, conquistaria votos da ala menos radical da direita, como órfãos do PSDB dos velhos tempos, e defensores da economia liberal.

A escolha por Tarcísio poderia inclusive atrair outros partidos do centro, como o União Brasil, hoje com ministérios no governo Lula. Um grupo da legenda é mais distante da base governista e tem acenado com a possibilidade de apoiar um projeto presidencial liderado pelo governador.

De acordo com o deputado José Rocha (União-BA), o secretário-geral do partido, ACM Neto, apoiaria o governador caso ele fosse lançado candidato a presidente. Rocha disse que Neto ficou neutro na eleição de 2022 porque tinha “votos em ambos lados”, tanto de Bolsonaro, quanto de Lula.

A avaliação da ala do União Brasil da qual ACM Neto faz parte é que a inelegibilidade de Bolsonaro seria a “melhor coisa” para quem faz oposição a Lula. O nome de Tarcísio, apontado como uma novidade da política, também não traria o desgaste que carregava o PSDB quando era o principal partido de oposição ao PT.

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), disse que “Tarcísio é um excelente nome”, ao mesmo tempo que declarou que ele próprio está à disposição para representar a direita em 2026.

Diferente do PL, Republicanos e PP, no entanto, o União não tem um comando nacional unificado. O presidente do partido, Luciano Bivar, evita falar em aliança com essas legendas e elogia o atual governo.

– O governo Lula tem seis meses. Está fazendo um governo bom. Não tem por que estar especulando uma coisa que falta quatro anos praticamente – apontou.

A legenda, porém, é unânime na avaliação de que a saída de Bolsonaro irá fortalecer a oposição a Lula.

– Ele (Bolsonaro) perdeu o governo com toda a máquina, cometendo toda série de infringência da legislação eleitoral e não conseguiu se eleger, como que vai se eleger depois sem a caneta? Se ele permanecesse não ia fazer diferença nenhuma. Ele jamais teria sucesso em uma eleição aberta. Todos são suscetíveis de serem eleitos, menos o Bolsonaro. Ele menos que os outros, porque ele é uma bolha de 25% e para ali – declarou Bivar.

<<<< No páreo:

# Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP)

- prós: teve bom desempenho para conquistar o governo de São Paulo

- contras: pode arriscar uma reeleição certeira como governador

# Michelle Bolsonaro (PL-DF)

- prós: atrairia o público feminino

- contras: nome muito ligado ao ex-presidente; sem experiência política.

# Romeu Zema (Novo-MG)

- prós: governa o segundo estado mais populoso do Brasil;

- contras: não agregaria em novos apoios em relação ao que Tarcísio já representa.

# Ciro Nogueira (PP-PI)

- prós: político com experiência e ampla interlocução no Congresso; poderia trazer votos do eleitor nordestino, onde a direita costuma enfrentar dificuldades.

- contras: ficou muito vinculado ao bolsonarismo; é menos popular nacionalmente que figuras como Romeu Zema

# Tereza Cristina (PP-MS)

- Pros: Mulher com aceitação de boa parte do PIB brasileiro

- Contras: pouco conhecida fora do Centro-Oeste

 

       Aliados de Bolsonaro acham que tomarão seu lugar

 

Longe das urnas até 2030, após condenação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) vê aliados e correligionários começarem a se movimentar mirando seu espólio político. À frente dos dois maiores colégios eleitorais do país, os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e de Minas, Romeu Zema (Novo) encabeçam a lista. Ambos evitam se expor, mas têm feito movimentos para angariar apoio da base bolsonarista em seus estados. Nomes como o da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e o da ex-ministra Tereza Cristina também aparecem no páreo.

Tarcísio, que já acompanhou três visitas do ex-presidente a São Paulo neste ano, é apontado por integrantes do PL como o herdeiro mais forte do eleitorado de direita. O governador reiterou seu alinhamento a Bolsonaro ontem, depois do julgamento, ao dizer que seguirá “junto” do ex-presidente e classificá-lo como liderança “inquestionável”. Ex-ministro da Infraestrutura, Tarcísio também se aproximou nos últimos meses do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, com quem já teve atritos por indicações a cargos em sua antiga pasta.

Zema, por sua vez, tem reforçado uma postura de oposição ao governo Lula. Após ter apoiado Bolsonaro apenas no segundo turno de 2022, quando já estava reeleito, o governador mineiro acena ao PL com alianças nas eleições municipais do ano que vem.

— Zema tem sido menos ambíguo, enquanto Tarcísio procura customizar, de acordo com o público, uma imagem ora mais gestora, ora mais bolsonarista — avalia o cientista político Josué Medeiros, coordenador do Observatório Político e Eleitoral (OPEL) na UFRJ. — Uma eventual reeleição de Ricardo Nunes (MDB) à prefeitura de São Paulo com seu apoio (de Tarcísio), no que deve ser a disputa mais nacionalizada de 2024, pode deixá-lo fortalecido nesta posição.

Interlocutores de Bolsonaro avaliam que o ex-presidente confia em Tarcísio, mas vislumbram pressões para que o governador concorra à reeleição em 2026. Um dos defensores desta opção é o secretário estadual de Governo, Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD e um dos principais articuladores políticos de Tarcísio.

De olho em outro espólio, o de prefeituras ligadas à antiga gestão do PSDB em São Paulo, Kassab defende que Tarcísio se consolide como liderança estadual de centro-direita antes de buscar um voo nacional.

Já Zema, que não pode concorrer a novo mandato de governador, pressionou o Novo para ampliar sua política de alianças de olho em 2026. Além de ter se aproximado de partidos como PP e Republicanos, que apoiaram Bolsonaro no ano passado, o governador de Minas costura o apoio a pré-candidatos bolsonaristas em municípios como Contagem e Uberlândia. Nesse cenário, o Novo indicaria vices em chapas do PL, buscando reciprocidade futura. Um dos nós da equação é a capital, Belo Horizonte, onde o partido de Zema avalia lançar candidato.

O caminho de Zema para 2026, contudo, tem ressalvas do próprio Bolsonaro. Ontem, ao jornal “O Tempo”, ele disse que o mineiro seria uma boa opção para a Presidência, mas a partir de 2030.

Embora Zema, segundo interlocutores, venha trabalhando para colocar seu nome na disputa, sua resistência em deixar o Novo, um partido com pouca estrutura, é vista como empecilho. O PL já sondou tanto o governador mineiro quanto Tarcísio para filiação. Ainda que não cite nomes, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) diz que a preferência é que seu partido esteja na chapa em 2026:

— Seria o ideal (ter o PL na chapa), mas ainda é cedo para falar disso.

Caciques do Centrão avaliam Tarcísio como o “primeiro da fila” para suceder Bolsonaro, expressão usada pelo senador e ex-ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI). Aliados próximos a Bolsonaro, por sua vez, não descartam uma participação de Michelle numa chapa presidencial, embora ele venha descartando essa hipótese.

O PL tem investido na imagem de Michelle como uma espécie de “estrela” do partido, com participação em inserções de rádio e TV dirigidas pelo marqueteiro Duda Lima, que atuou na última campanha de Bolsonaro.

Enquanto a falta de experiência política e administrativa de Michelle é vista como empecilho para tentar a Presidência, nomes como a ex-ministra e senadora Tereza Cristina (PP-MS) e o governador do Paraná, Ratinho Jr. (PSD), correm por fora tendo suas próprias bagagens como trunfo.

Próxima a entidades do agronegócio, Tereza cresceu no setor, uma das principais bases eleitorais de Bolsonaro, após sua passagem pelo Ministério da Agricultura. Já Ratinho se reelegeu com folga em um dos estados que mais deu votos a Bolsonaro em 2022. Pesa contra eles o baixo conhecimento fora de seus estados.

Para aliados de Bolsonaro, a tendência é que os cotados façam uma dosagem de seus movimentos para evitar exposição. Na analogia de um interlocutor de Tarcísio, “não é inteligente ficar pronto de manhã cedo para um casamento à noite”. O próprio Bolsonaro tem sinalizado, na avaliação de especialistas, preocupação em expor aliados em candidaturas ao Executivo.

— Não necessariamente Bolsonaro terá um candidato forte à Presidência em 2026, o que não inviabiliza que o bolsonarismo volte a eleger a maior bancada no Congresso — analisa o cientista político Emerson Cervi, da UFPR.

Fonte: O Globo

 

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