domingo, 2 de julho de 2023

Bolsonarismo mergulha em apatia após inelegibilidade

A reação da militância de Jair Bolsonaro nas redes sociais após sua condenação à inelegibilidade pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesta sexta-feira (30) reforça o clima de favas contadas entre seus seguidores quanto ao resultado do julgamento.

Apesar de algumas manifestações de apoio ao ex-presidente e de outras de revolta contra a decisão da corte eleitoral, os grupos de WhatsApp e Telegram demonstraram pouca atividade no dia decisivo para o futuro político de Bolsonaro.

Em que pese a narrativa de um “golpe contra a democracia” e da repetição de ataques à Justiça Eleitoral, a dinâmica dos grupos se revelou apática. Nem mesmo as primeiras declarações de Bolsonaro no sentido de recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) ressoaram entre os apoiadores. Muitos, inclusive, pareceram jogar a toalha.

“Ninguém apareceu na frente do TSE para mostrar apoio. Depois da inelegibilidade, [aí] é que não vão pra rua mesmo. A direita não sabe ser oposição e se acomodou a protestar só no Zap e no Telegram”, desabafou um apoiador de Bolsonaro diante de apelos para que “algo” fosse feito diante da decisão do TSE.

O comportamento contrasta diretamente com outros episódios-chave, como a confirmação da vitória de Lula no segundo turno em 2022 ou a prisão do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Além disso, vai na direção contrária ao discurso das lideranças do partido de Bolsonaro, o PL, que sempre afirmaram que uma eventual condenação levaria a manifestações populares a favor do ex-presidente.

Um monitoramento interno do TSE, que acompanha eventuais ameaças à integridade dos ministros do tribunal, também constatou um ambiente de calmaria nas redes bolsonaristas. Fora as postagens rotineiras com críticas e ataques ao tribunal, não surgiu nada que alarmasse o setor de segurança.

Nos grupos do WhatsApp e do Telegram, o tom das postagens era mais próximo da resignação, com menções a um suposto viés antibolsonarista na Justiça Eleitoral e a defesa do legado do ex-presidente.

Impulsionados por figuras como a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, o ex-ministro Ciro Nogueira, muitos optaram por demonstrar solidariedade ao capitão da reserva e defender seu papel de liderança na extrema-direita.

“Estou contigo, Bolsonaro!”, dizia uma imagem replicada em diversos grupos. “Eu era 100% Bolsonaro. Hoje decidi ser 200%”, afirmava outra montagem com uma foto do ex-presidente sorridente.

Curiosamente, alguns grupos foram invadidos por apoiadores do presidente Lula zombando da condenação – fenômeno que já havia acontecido no fim do ano passado, às vésperas da posse do petista.

Os “infiltrados” despejaram memes sobre a decisão do TSE. Um deles mostrava Bolsonaro com os dizeres “imbrochável e inelegível”, uma paródia do infame lema repetido à exaustão pelo ex-presidente.

“Com a graça de Deus Bolsonaro está inelegível! Grande razão para louvar e agradecer ao nosso Senhor Jesus Cristo”, escreveu um lulista em um grupo evangélico pró-Bolsonaro no Telegram.

Ainda é cedo para especular se a militância de Bolsonaro manterá o desânimo diante do placar de cinco a dois no TSE – especialmente porque o ex-presidente ainda detém influência sobre uma expressiva bancada no Congresso e uma parcela considerável dos 58 milhões de votos que recebeu no segundo turno.

Mas a resposta imediata de sua base raiz nas redes sociais, trincheira dominada a ferro e fogo pelo bolsonarismo nos últimos quatro anos, ajuda a explicar o tamanho de sua derrocada neste 30 de junho.

•        Bolsonaro agora se diz “cabo eleitoral”

O ex-presidente Jair Bolsonaro disse ter levado uma “facada nas costas” do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que o condenou, nesta sexta-feira, à inelegibilidade por oito anos. Ele estava em um restaurante de Belo Horizonte quando a maioria foi formada a favor da punição. O ex-chefe do Executivo deixou claro, porém, que não está morto e que pretende atuar como cabo eleitoral do PL nas eleições municipais de 2024.

“Há pouco tempo, tentaram me matar em Juiz de Fora (MG). Levei uma facada na barriga. Hoje (sexta), levei uma facada nas costas com a inelegibilidade”, afirmou Bolsonaro, que foi à capital mineira para participar do velório do ex-ministro da Agricultura Alysson Paolinelli. Para o ex-presidente, a Corte o condenou por um “crime sem corrupção”.

“Foi um massacre em cima de mim por alguns setores da sociedade. O TSE trabalhou contra as minhas propostas. Fui proibido de mostrar imagens do Lula com o gorro do CPX, no Complexo do Alemão; proibido de fazer live em minha casa; de mostrar imagens do 7 de setembro. Isso é crime? Abuso de poder político? Por defender algo que eu sempre defendi quando parlamentar?”, questionou.

Na campanha de 2022, Bolsonaro propagou informações falsas de que o boné com as letras “CPX”, usado pelo então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), estava ligado a facções criminosas. Na realidade, a sigla significa “complexo” e é utilizada pelos moradores da comunidade. O ex-chefe do Executivo também é acusado de ter aproveitado as celebrações de 7 de Setembro, feriado nacional, para fazer campanha política. A decisão que o tornou inelegível, nesta sexta-feira , porém, foi tomada por causa da reunião que convocou com embaixadores, no Palácio da Alvorada, para criticar o sistema eleitoral brasileiro, sem apresentar provas.

Bolsonaro ressaltou que foi condenado pelos ataques às sedes dos Três Poderes. “Dia 30 (de dezembro), eu saí do Brasil, e, infelizmente, ocorreu o 8 de janeiro. Quem fala em golpe, não sabe o que é golpe. Com todo o respeito, é um analfabeto político. Ninguém vai dar golpe com senhorzinhos e senhorinhas com bandeira do Brasil”, argumentou. “Lamentamos a depredação do patrimônio público ocorrido. E as pessoas que fizeram isso têm que arcar com suas responsabilidades.”

Em relação ao futuro político, Bolsonaro comentou o plano de ser cabo eleitoral para o PL nas eleições municipais de 2024 — ele chegou a anunciar que se candidataria a vereador pelo Rio de Janeiro. O ex-presidente está fazendo uma série de viagens pelo país para fortalecer os postulantes locais do partido.

“A gente vai continuar trabalhando. Não estou morto. Devemos fazer alguns prefeitos. Não é o fim da direita no Brasil. Antes de mim, ela existia, mas não tinha forma. Agora, começou a ganhar materialidade”, avaliou.

Antes do fim do julgamento, em entrevista à Rádio Itatiaia, o ex-presidente ressaltou que pretende recorrer da decisão ao Supremo Tribunal Federal (STF). Um dos advogados dele, Tarcísio Vieira de Carvalho, informou que recebeu com “profundo respeito” a decisão do TSE e que ainda avalia como agir. “(A defesa) aguarda a publicação oficial dos votos para verificar qual a estratégia, inclusive recorrer ao STF”, acrescentou o advogado.

 

       Na última hora, Bolsonaro pediu arrego a Moraes

 

Com a ajuda de Valdemar Costa Neto, presidente de seu partido, o PL, Jair Bolsonaro recorreu a um interlocutor com acesso ao ministro Alexandre de Moraes para mandar uma espécie de “pedido de clemência” dias antes do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral que selou sua inelegibilidade.

A tentativa de fazer o apelo chegar a Moraes foi feita por intermédio do deputado federal paulista Antonio Carlos Rodrigues. Também filiado ao PL, Rodrigues é muito próximo de Valdemar Costa Neto e, dentro do partido, é tido como um canal entre ele e Moraes. O deputado e o ministro se conhecem há tempos e cultivam boa relação.

Bolsonaro sabia, no fundo, que eram praticamente nulas as chances de não ser declarado inelegível pelo TSE. Também tinha consciência de que o apelo a Moraes não funcionaria, até porque o veredicto dependia também dos votos dos outros ministros da Corte. Mas quis fazer o gesto mesmo assim para, ao menos, frear o ímpeto do ministro no julgamento.

O pedido ao deputado Antonio Carlos Rodrigues para que levasse o recado foi feito recentemente, em um encontro em São Paulo com Valdemar. Antes, Bolsonaro autorizou que a súplica fosse feita em nome dele. Basicamente, queria que Alexandre de Moraes “pegasse leve”, segundo o relato de uma fonte a par da conversa. Mandou dizer, ainda, que não leva para o lado pessoal as diferenças com o ministro e que, assim como Moraes, ele sofre com ataques e ameaças.

Aparentemente, a tentativa de fazer a mensagem chegar não funcionou: até a última quinta-feira (29/6), o deputado Rodrigues sequer havia dado retorno dizendo se havia conseguido entregar o recado.

•        Bolsonaro surta após condenação

Tudo, menos cadeia. A defesa de Bolsonaro acredita que a inelegibilidade decretada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) será a pena mais amarga que o ex-presidente irá arcar de agora em diante.

A avaliação foi levada a Bolsonaro por seus defensores, com o intuito de “tranquilizar” o ex-chefe do Executivo, em meio à insatisfação que mostrava sobre sua inelegibilidade.

Para os advogados, apesar das diversas investigações que miram o ex-presidente na Polícia Federal — de joias da Arábia Saudita aos atos golpistas de 8 de janeiro —, não haveria elementos com força suficiente para colocar o ex-presidente atrás das grades.

Em paralelo, os advogados têm dito para o ex-presidente que o Supremo Tribunal Federal (STF) vive um momento mais “garantista”, ou seja, com alinhamento a magistrados que tendem a analisar os processos pela perspectiva dos direitos individuais do acusado.

A defesa tem traçado mais um panorama: o de que a maioria dos integrantes da corte avalia que, como ex-presidente, Bolsonaro deve ter “todas as garantias do processo legal observadas”, ou seja, responder ao processo e ter o direito de se defender. Com isso, seriam pequenas as chances de um mandado de prisão ser expedido contra ele sem condenação.

 

       Lula ignora cassação de Bolsonaro

 

Na contramão da ampla repercussão sobre a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro à inelegibilidade, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se absteve de comentar o assunto. No entanto, ao participar da cerimônia de entrega de residências do programa Minha Casa, Minha Vida, em Viamão (RS), o petista afirmou que o antecessor não entregou obras e se empenhou em mentiras durante o mandato.

“A gente pode mudar este país. A primeira coisa é tentar tirar o ódio de dentro das pessoas. Viajo muito, em todo estado que eu chego, faço a pergunta: alguém me diga uma obra pública feita pelo governo anterior. Na verdade, não existe. Não tem uma obra”, criticou. “Por Deus do céu, eu não sei o que foi feito por quatro anos, a não ser mentira, destilação de ódio, provocação de mentira, ofensas a todo o mundo. Este país não é assim. O povo brasileiro não é assim, é um povo muito fraterno, carinhoso, um povo bondoso. A gente não quer brigar.”

Momentos antes, parte da plateia composta por petistas comemorou a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e entoou gritos de “inelegível”.

Após o evento, Lula participou de um almoço oferecido pelo governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. À tarde, o presidente participou da solenidade de inauguração formal dos novos blocos do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), onde também optou em não falar sobre o caso Bolsonaro. Porém, voltou a criticar o ex-chefe do Executivo, chamado por ele de negacionista.

“Precisou acontecer uma desgraça no mundo, uma pandemia, e ter um governo negacionista para que o SUS (Sistema Único de Saúde) pudesse — com todo o sacrifício de falta de recurso, mas com a dedicação de homens e mulheres que, de forma extraordinária, colocaram sua própria vida em risco para salvar a de outras pessoas — ser respeitado como jamais foi”, frisou. “Morreram mais de 700 mil pessoas. Poderia ter morrido mais de 1 milhão, se não houvesse a dedicação dos profissionais do SUS”, emendou.

Lula também falou sobre desmontes em universidades e nas áreas de pesquisa. Disse se reunir com reitores para ouvi-los e “devolver à universidade brasileira o dinheiro que ela precisava para investir em pesquisa, para melhorar sua qualidade, para devolver as bolsas de estudo a mestres e doutores que tinham parado de ser distribuídas”. “Não precisa ter diploma para entender que não existe na história da humanidade nenhum país que se desenvolveu sem que antes não tivesse investido na educação. É a educação que pode fazer a revolução social que um país precisa”, defendeu.

 

Fonte: O Globo/Metrópoles/Correio Braziliense

 

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