Maria Carolina, a
princesa brasileira morta pelos nazistas em câmara de gás
O
historiador Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança tinha sete anos quando as
tropas de Hitler invadiram a Áustria, em 12 de março de 1938. Aos 91, ele não
se esquece do semblante de preocupação de sua tia, a princesa Maria Carolina de
Saxe-Coburgo e Bragança (1899-1941).
Ela
e a mãe de Carlos, Teresa Cristina (1902-1990), são bisnetas do imperador Pedro
2º (1825-1891).
Elas
são filhas do príncipe Augusto Leopoldo (1867-1922), filho da princesa
Leopoldina (1847-1871). Leopoldina é, por sua vez, a segunda filha de Pedro 2º
e Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias (1822-1889).
Ao
todo, o príncipe Augusto e a mulher, a arquiduquesa Carolina da Áustria-Toscana
(1869-1945), tiveram oito filhos: Augusto (1895-1909), Clementina (1897-1975),
Maria Carolina, Rainer (1900-1945), Filipe (1901-1985), Teresa Cristina,
Leopoldina (1905-1978) e Ernesto (1907-1978).
Desses,
pelo menos três nasceram com problemas mentais, provavelmente de origem
genética: Augusto, Maria Carolina e Leopoldina.
No
caso da terceira filha do casal, acredita-se que, além da deficiência mental,
ela teria contraído poliomielite. Quem afirma isso é sua sobrinha, Maria
Amélia, filha da princesa Clementina, em seu livro de memórias.
Naquele
12 de março de 1938, Maria Carolina não poderia imaginar que apenas três anos
depois, no dia 6 de junho de 1941, ela seria morta pelas mãos dos nazistas numa
câmara de gás do Castelo de Hartheim, na Áustria.
Tinha
42 anos.
"Minha
tia foi barbaramente eliminada por duas razões: era declaradamente antinazista
e tinha uma doença incurável", recorda o sobrinho da princesa, autor de
livros como Dom Pedro 2º na Alemanha (Editora Senac, 2014).
"O regime eliminou uma inimiga com a desculpa de que ela era inútil e
demente".
·
Condenados ao esquecimento
A
princesa Maria Carolina nasceu no dia 10 de janeiro de 1899, na cidade de Pula,
antigo Império Austro-Húngaro, atual Croácia. Seu nome completo é Maria
Carolina Filomena Ignácia Paulina Josefa Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Saxe-Coburgo
e Bragança.
Por
parte de pai, Maria Carolina era bisneta de Dom Pedro 2º, o último imperador do
Brasil, e trineta de Dom Pedro 1º, o primeiro imperador brasileiro.
Seu
pai, Augusto, nasceu em Petrópolis (RJ), no dia 6 de dezembro de 1867, mas, com
a morte do avô, Dom Pedro 2º, no dia 5 de dezembro de 1891, passou a morar em
Viena.
Foi
lá que se casou, no dia 30 de maio de 1894, com a arquiduquesa Carolina, no
Palácio Imperial de Hofburg. O casal teve oito filhos.
A
família de Augusto e Carolina morou, entre outros endereços, nos castelos
Gerasdorf e Schladming, distantes 16 e 345 quilômetros de Viena, a capital da
Áustria.
Dom
Augusto morreu em 11 de outubro de 1922, aos 54 anos, sem realizar o sonho de,
um dia, regressar ao Brasil.
A
Lei do Banimento, que impedia a família imperial de colocar os pés no país,
vigorou de 21 de dezembro de 1889, por ocasião da Proclamação da República, a 3
de setembro de 1920, já no governo do presidente Epitácio Pessoa.
"Os
brasileiros conhecem muito pouco a história da princesa Maria Carolina porque
ela nasceu no exílio", explica a historiadora Astrid Beatriz Bodstein,
idealizadora do perfil Royalty and Protocol no Instagram. "Não bastasse, a
grande imprensa boicotava toda e qualquer notícia sobre a família imperial. Ela
praticamente viveu nas sombras".
Segundo
Bodstein, o príncipe Augusto Leopoldo até pensou em visitar o Brasil por
ocasião das comemorações do centenário da Independência, em 1922, mas, adoeceu
e morreu logo depois. A primeira integrante do ramo da família Saxe-Coburgo e
Bragança a conhecer o país foi a princesa Teresa Cristina já na década de 1930.
·
O Castelo da Morte
Em
1938, por recomendação de Filipe, o quinto filho da família Saxe-Coburgo e
Bragança, sua mãe, Carolina, mudou-se para Budapeste, na Hungria, com a filha,
Leopoldina.
Em
setembro daquele mesmo ano, seis meses depois da anexação da Áustria pela
Alemanha, Maria Carolina foi transferida para um hospital psiquiátrico em
Schladming, onde a família residia desde 1918.
A
princesa já tinha sido internada, entre outras instituições, em uma casa de
repouso em Salzburgo e em um sanatório público em Niedernhart.
"Muitos
pais, sob a ameaça de perder a custódia de seus filhos, foram pressionados a
mandá-los para supostos asilos e hospitais psiquiátricos", afirma a
historiadora Sabrina Ribeiro, criadora do canal Apaixonados por História no
YouTube. "Segundo as leis do regime nazista, pessoas 'suspeitas' de
doenças hereditárias, ou ‘vidas indignas de serem vividas’, como diziam na
época, deveriam ser exterminadas".
Médicos
nazistas, em vez de tratar os pacientes, entregavam os considerados incuráveis,
seja por terem deficiências físicas, seja por apresentarem transtornos
psiquiátricos, à morte.
No
dia 6 de junho de 1941, o hospital de Schladming foi invadido por soldados
alemães. Os pacientes — entre eles, Maria Carolina — foram transportados, em
veículos apelidados de "ônibus da morte", para o Castelo de Hartheim.
Assim
que chegaram ao centro de extermínio, os pacientes que tinham dentes ou
obturações de ouro eram marcados pelos guardas. Depois de sua morte, tais
objetos de valor seriam extraídos.
Hartheim
era um dos seis centros de extermínio existentes na época. Os outros cinco eram
Bernburg, Brandenburg, Grafeneck, Hadamar e Sonnenstein. Neles, os pacientes
eram mortos por envenenamento a gás — monóxido de carbono ou cianeto de
hidrogênio — ou com injeção letal.
"Na
hierarquia da memória, os deficientes físicos e mentais ocupam o último
lugar", afirma a pesquisadora Esther Mucznik, presidente da Associação
Memória e Ensino do Holocausto (Memoshoá), em Lisboa. "E ocupam o último
lugar, não só pelo apagamento de vestígios, mas, porque, ao contrário de outras
vítimas do Shoah, como judeus, ciganos e homossexuais, não tinham
representantes ou porta-vozes".
No
mesmo dia em que chegou a Hartheim, 6 de junho de 1941, a princesa Maria
Carolina de Saxe-Coburgo e Bragança foi executada, completamente nua, numa
câmara de gás disfarçada de banheiro. Dos chuveiros, não saía água, mas gás
letal. Da inalação ao óbito, a vítima, calculam os historiadores, não durava
mais do que 20 minutos…
Horário
de sua morte: 3h40.
Estima-se
que, entre maio de 1940 e agosto de 1941, 18,2 mil pacientes tenham sido
executados em Hartheim — média de 40 por dia. Não por acaso, o centro de extermínio
ganhou o macabro apelido de “Castelo da Morte”.
O
corpo de Maria Carolina foi incinerado em um crematório dentro do próprio
castelo e suas cinzas supostamente guardadas na cripta da família na paróquia
de Santo Agostinho, em Coburgo.
No
mesmo dia de sua execução, o príncipe Ernesto recebeu uma carta de
condolências. O documento informava o óbito de Maria Carolina, mas não trazia a
causa de sua morte. Em geral, os médicos alegavam que os pacientes morreram de
pneumonia ou tuberculose.
"O
termo eugenia foi criado pelo cientista britânico Francis Galton (1822-1911)
para designar uma ‘ciência’ de melhoria da espécie humana", explica a
médica Andréa Maciel Guerra, doutora em Genética e Biologia Molecular pela
Unicamp. "Suas ideias de aprimorar a qualidade da população por meio do
encorajamento da união entre pessoas com características desejáveis ficaram
conhecidas como eugenia positiva".
Se
a "eugenia positiva" estimulava a união de pessoas com
características desejáveis, a "eugenia negativa" proibia a de
indivíduos com características indesejáveis, como geneticamente incapazes,
racialmente indesejados e economicamente empobrecidos.
"Na
Alemanha, a eugenia inspirou defensores da supremacia racial, como Adolf
Hitler, que tinham receio da degeneração da população pela reprodução de
deficientes e de pessoas de camadas sociais inferiores", prossegue a
geneticista. "Ele aplicou as doutrinas eugenistas de esterilização
compulsória, eutanásia passiva e extermínio em massa dos indesejáveis e
legitimou seu ódio fanático pelos judeus com uma fachada médica e
pseudocientífica".
·
'Eutanásia nazista'
No
dia 12 de novembro de 2021, uma "pedra de tropeço" (“stolpersteine”,
no original em alemão) em homenagem à princesa Maria Carolina de Saxe-Coburgo e
Bragança foi instalada em frente à antiga residência de sua família em
Schladming, na Áustria. Atualmente, o castelo abriga a sede da prefeitura.
O
projeto, lançado em 1992, é uma iniciativa do escultor alemão Gunter Demnig, de
71 anos. O objetivo dele é lembrar algumas das incontáveis vítimas do
Holocausto.
"Uma
pessoa só é esquecida quando seu nome é esquecido", explica o criador do
projeto.
Até
maio de 2023, já foram instaladas mais de 100 mil "pedras de tropeço"
em 26 países, como Áustria, Polônia e Argentina. Só na Alemanha, são mais de
sete mil. Cada placa custa, entre produção e instalação, 132 euros.
As
"pedras de tropeço" são placas de bronze, esculpidas à mão, sobre
cubos de concreto. Em geral, as pedras, de 10 centímetros, são instaladas na
calçada diante do último endereço conhecido da vítima.
Na
"pedra de tropeço" de Maria Carolina está gravada a inscrição
"Aktion T4".
O
T4 faz referência ao endereço da sede da suposta Fundação de Caridade para
Cuidados Institucionais: o nº 4 da rua Tiergartenstrasse, em Berlim, na Alemanha.
Quem trabalhava lá, entre outros, era Karl Brandt (1904-1948), o médico
particular de Adolf Hitler.
"A
Ação T4 é conhecida, eufemisticamente, como eutanásia nazista", revela o
historiador Pedro Muñoz, doutor em História das Ciências pela Fiocruz e professor
de História da PUC-Rio. "Tratava-se, na realidade, de uma política de
extermínio em massa de doentes mentais que antecedeu a chamada solução
final".
"Os
historiadores alemães que estudam a história da eutanásia nazista estimam um
total de 200 mil vítimas da Aktion T4 em diferentes territórios sobre o domínio
do Terceiro Reich", acrescenta Muñoz.
·
Lembrar para não esquecer
No
dia 19 de janeiro de 2023, a princesa Maria Carolina ganhou mais uma homenagem:
a inauguração do Memorial às Vítimas do Holocausto, no Rio de Janeiro.
Lá,
o público pode conhecer as histórias de dezenas de vítimas do Holocausto, como
a escritora alemã Anne Frank (1929-1945), ou sobreviventes, como o psiquiatra
austríaco Viktor Frankl (1905-1997).
"Os
terríveis números de milhões de homens, mulheres e crianças perseguidas e
mortas pelo regime nazista escondem a tragédia vivida por cada indivíduo",
observa Alfredo Tolmasquim, curador da exposição do Memorial às Vítimas do
Holocausto, no Rio de Janeiro.
"Cada
pessoa vítima do nazismo tinha um nome, um rosto e uma história, e nós queremos
dar voz e contar a história de cada um deles".
Logo
na entrada do museu, um monumento de 20 metros de altura, que simboliza os Dez
Mandamentos, destaca o quinto deles: "Não Matarás".
A
exposição é dividida em três salas. Na primeira delas, iluminada e colorida, o
visitante recorda o dia a dia dos judeus antes da ascensão de Hitler ao poder.
Há vídeos e fotos de escolas, casamentos e aniversários.
O
segundo módulo, sombria e silenciosa, retrata a vida durante o Holocausto. Nas
paredes, em vez de fotografias colorizadas, retratos em preto & branco. O
silêncio é quebrado quando o visitante toca um totem e ouve as histórias de
vítimas e sobreviventes. A da princesa Maria Carolina é apenas uma entre tantas.
A
última sala ilustra a vida depois da Segunda Guerra Mundial. No centro do
módulo, uma mesa interativa dos sobreviventes que foram acolhidos no Brasil.
Destaque para Nanette Blitz Konig, de 94 anos.
De
origem holandesa, ela foi colega de Anne Frank tanto no Liceu Judaico, na
Holanda, onde estudaram, quanto no campo de concentração de Bergen-Belsen, na
Alemanha, onde estiveram presas. Hoje, mora em São Paulo.
O
regime nazista perseguiu, torturou e assassinou, além de judeus, negros,
ciganos, homossexuais, testemunhas de Jeová e deficientes físicos e mentais,
entre outros.
"Os
deficientes físicos e mentais eram considerados um peso para a sociedade",
descreve Alfredo Tolmasquim.
"Os
nazistas identificavam os alemães como membros da raça ariana, uma raça superior,
idealizada como pessoas altas, inteligentes, atléticas, louras e de olhos
azuis. Os deficientes 'sujavam' a pureza da raça. Milhares de deficientes foram
assassinados e outros tantos foram esterilizados em nome de uma pretensa
'pureza' da raça".
Fonte:
BBC News Brasil
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