Democracia precisa
de defesa contra "truques furtivos", alerta economista
venezuelano"
O
economista, escritor e ex-ministro do Comércio e Indústria da Venezuela Moisés
Naím destacou a importância de se proteger os pesos e contrapesos que regem as
democracias no mundo. Em sua visão, defendida em seu livro mais recente,
Vingança do Poder, lançado em março no Brasil, o mundo vive uma tendência ao
autoritarismo que requer uma luta diária contra "agentes que tentam
derrubar a democracia com truques furtivos, dissimulados".
Em
entrevista ao Correio, ele diz que a invasão do Capitólio, nos Estados Unidos,
e a das sedes dos Três Poderes, em Brasília, demonstraram que as instituições
democráticas foram capazes de resistir à tentativa autoritária. Porém, alerta,
a ameaça ainda não passou.
Naím
comentou ainda sobre a política externa do governo brasileiro. Ele diz ser
bem-vinda a liderança de de Luiz Inácio Lula da Silva para representar os
interesses na América do Sul no xadrez mundial. Mas as falas do presidente
sobre a ditadura venezuelana, comandada pelo presidente Nicolás Maduro, podem
colocar em xeque sua estratégia.
Sobre
o tratado comercial entre Mercosul e União Europeia (UE), tema da viagem mais
recente de Lula à Europa, Naím defende que é preciso sair do "blá blá
blá" dos últimos 20 anos.
<<<<
Confira os principais trechos da entrevista.
• O senhor defende que há no mundo uma
tendência autoritária, contra a democracia. Como impedir esse avanço?
O
que precisa ser feito passa pelo reconhecimento mais amplo da urgência e da
importância do problema. Procurar por medidas que vão lidar com essa propensão
à autocracia que nós vemos hoje. As pessoas precisam aprender que a democracia
não é algo que acontece somente a cada quatro anos, mas, também, o que acontece
entre os períodos eleitorais. É necessária a proteção dos direitos e dos pesos
e contrapesos que impedem a concentração de poder na Presidência, no Legislativo
ou na Suprema Corte. Para que nenhum desses três pilares da democracia aja por
conta própria. Infelizmente, eles estão agindo por conta própria e existe um
ataque global aos pesos e contrapesos.
• Como isso se relaciona com os atos de 8
de janeiro no Brasil?
Ao
mesmo tempo em que temos que tomar cuidado com isso, precisamos celebrar que,
em casos recentes, as instituições democráticas prevaleceram. Nós vimos a
situação nos Estados Unidos, com o ataque ao Capitólio, e agora estamos vendo
como as pessoas que participaram disso estão sendo presas por um longo tempo. A
mesma coisa no Brasil, onde também houve um ataque que tentou imitar o que
houve nos Estados Unidos e falhou, porque as instituições funcionaram. Nós
estamos vendo um dos grandes debates do nosso tempo, que é sobre liberdade e a
divisão entre liberdade individual e liberdade nacional. É uma batalha que deve
ser enfrentada com o objetivo de proteger a democracia. Não há nada mais
importante que isso.
• As medidas tomadas pelo Brasil contra o
ataque foram bem recebidas pelo mundo?
O
mundo reconhece e aplaude o Brasil, e entende que os diferentes atores que
jogaram o jogo o fizeram de forma que a democracia ganhou. Isso precisa ser
reconhecido. Agora, isso não é um ato único. É uma proteção constante contra
tentativas que vêm de todos os lados contra as instituições, contra a
Constituição, contra os pilares que sustentam a democracia. É uma luta diária
contra os que tentam derrubar a democracia com truques furtivos, dissimulados.
• Como o senhor vê o papel que Lula assume
de ser um porta-voz da América do Sul, como visto na visita ao papa Francisco e
na Cúpula em Paris?
A
América Latina sempre lamentou a falta de ativismo internacional representando
a região — que o Brasil um dia teve, especialmente com Lula. Vemos com bons
olhos que o Brasil atue não somente para si, mas para toda a região. É o maior
país, com a maior economia e merece ser o líder. Infelizmente, ao longo dos
anos, isso não aconteceu. Agora, Lula criou uma estratégia na qual ele é um
protagonista como estadista internacional. No seu último mandato, ele ofereceu
ajuda para mediar o conflito entre Palestina e Israel. Ele também teve uma
grande iniciativa na África e já falou sobre a tragédia na Venezuela.
• As falas sobre a Venezuela podem
atrapalhar esse esforço?
Ele
está tentando ser um porta-voz internacional, um líder, mas essa boa intenção é
anulada, neutralizada, tornada ineficaz quando se ouve o que ele está pensando
sobre esses problemas. No caso da Venezuela, ele basicamente disse que a
situação no país é o resultado de uma "terrível narrativa negativa"
contra o governo do Maduro. Isso o fez se tornar motivo de piada entre todos
que acompanham a situação. Você só precisa de cinco minutos para saber que a
tragédia na Venezuela não é questão de narrativa, mas é uma desgraça, uma
situação horrível que pode ser parada, porque é engendrada pelo governo Maduro.
• O presidente erra ao insistir nessa
"narrativa"?
Em
sua conversa com o papa, espero que ele tenha se lembrado, e que tenha sido
lembrado, que está falando de um país no qual as pessoas estão sendo —
normalmente, como uma política de Estado — detidas e torturadas. E isso está
acontecendo agora, enquanto nós conversamos e enquanto Lula estava conversando
com o papa. Sim, damos boas-vindas à liderança do Brasil, ao papel do Lula.
Mas, para que ele seja efetivo, deve parar de ouvir e repetir a falsa história
sobre quais são as raízes e causas da tragédia venezuelana e sobre quais são as
melhores formas de intervir.
• Temos também a negociação para o tratado
União Europeia-Mercosul, que se estende por décadas. O acordo vai se
concretizar agora?
Essa
é uma situação de ganha-ganha, e seria perfeito que o Mercosul e a UE tivessem
um acordo comercial. Como você disse, isso está sendo negociado há décadas. Já
passou da hora para mais ações e menos discursos. Você pode ler os discursos de
10 anos atrás, e eles vão dizer exatamente a mesma coisa: são duas regiões que
têm muito em comum, há valores e interesses compartilhados, e um acordo de comércio
é natural, indispensável, bom para a Europa e para o Brasil e blá blá blá. Nada
aconteceu. Precisamos saber quais são as mudanças que estão sendo feitas agora
para tornar o acordo viável. Esse vai ser um novo blá blá blá ou haverá ação?
De que forma os dois lados estão mudando as condições e aceitando as
alternativas para tornar isso prático, viável e real? Precisamos saber não o
que eles querem fazer e por que não conseguem, mas, sim, quais mudanças estão
sendo feitas às suas posições.
• O tema ambiental é um dos principais
entraves para o acordo. O Brasil está se adequando ao combate às mudanças
climáticas?
Lula
já tomou medidas. Nós tivemos, durante o governo Bolsonaro, os aspectos
ambientais ignorados. Foi um período triste para qualquer um que tenha alguma
preocupação com as mudanças climáticas. O Lula tem a oportunidade de ser um
líder e entrar na história não como um presidente que foi preso por corrupção,
mas como um presidente que assumiu a liderança trazendo medidas práticas pela
solução das mudanças climáticas.
Conservadores gregos ganham nova eleição
O
partido de direita do ex-primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis estava
confortavelmente à frente nas pesquisas de boca de urna nas eleições
parlamentares gregas deste domingo (25), garantindo possivelmente uma maioria
absoluta para formar um novo "governo estável".
A
Nova Democracia (ND), no poder desde 2019, teria obtido entre 40% e 44% dos
votos, à frente do partido de esquerda Syriza, de Alexis Tsipras, que obteve
entre 16,1% e 19,1% dos votos, um resultado pior do que na eleição anterior, em
21 de maio, de acordo com pesquisas divulgadas na televisão no fechamento das
seções eleitorais.
De
acordo com as pesquisas, entre cinco e nove partidos teriam ultrapassado o
limite de 3% para entrar no parlamento grego que possui 300 assentos. Os
primeiros resultados parciais devem ser publicados a partir da noite de hoje.
Alexis Tsipras, do Syriza, prometeu lutar "até o último segundo",
apesar do resultado ruim na eleição anterior, em 21 de maio, na qual Mitsotakis
ficou a apenas cinco cadeiras da maioria absoluta.
Mitsotakis,
de 55 anos, formado em Harvard e chefe do governo de 2019 ao final de maio
passado, obteve uma vitória arrebatadora há cinco semanas, com 40,8% dos votos,
o dobro do Syriza. No entanto, o tamanho de sua vitória, que surpreendeu os
analistas, não permitiu que ele alcançasse a maioria absoluta.
O
líder conservador, à frente do partido Nova Democracia, descartou a
possibilidade de uma coalizão com outras formações e conduziu à repetição da
eleição deste domingo, onde alcançou entre 37,8% e 45% das intenções de voto,
de acordo com as últimas pesquisas. Depois de votar em um bairro residencial da
capital, Mitsotakis disse que os gregos estão votando "pela segunda vez em
poucas semanas para obter um governo estável e eficaz".
Em
uma escola no subúrbio de Pangrati, em Atenas, Aris Manopoulos, um comerciante
na casa dos 50 anos, disse que havia optado "pela razão". "Votei
na Nova Democracia para que o país possa avançar e continuar a crescer
economicamente", disse.
Tsipras na corda bamba
O
Syriza, legenda de esquerda, que obteve 20,07% dos votos em 21 de maio, pode
cair ainda mais, de acordo com as projeções, que agora lhe dão entre 16,8% e
20%. A eleição decidirá se a Grécia terá um "governo sem controle" ou
"um equilíbrio democrático" na segunda-feira, com "uma oposição
forte, capaz de desempenhar seu papel", disse Tsipras após votar.
Desta
vez, o vencedor da eleição terá um bônus de 50 deputados na casa dos 300, o que
poderia ajudar Mitsotakis de forma decisiva. Ao dar à Nova Democracia a maioria
absoluta nas eleições de julho de 2019, em detrimento do Syriza, os gregos
queriam virar a página de anos de crise financeira e planos de resgate, que
destruíram 25% do PIB nacional e ameaçaram tirar o país da zona do euro.
Kyriakos
Mitsotakis, filho de um ex-primeiro-ministro e tio do atual prefeito de Atenas,
não deixou de se vangloriar de seu balanço econômico, marcado por um
crescimento de 8,3% em 2021 e 5,9% em 2022, com queda no desemprego. No
entanto, Tsipras, que já foi a esperança da esquerda na Europa, advertiu
durante a campanha que seu rival não deveria receber um "cheque em
branco" que lhe permitisse levar adiante uma "agenda oculta" de
políticas antissociais.
O
líder do Syriza está apostando seu futuro político nas eleições deste domingo,
depois de admitir, após 21 de maio, que pensou em renunciar.
Fonte:
Correio Braziliense/RFI
Nenhum comentário:
Postar um comentário