Sociedade civil protesta contra enterro do
PL das Fake News por Arthur Lira
Elon Musk deve estar
mesmo muito contente. Na mesma semana em que sua equipe começou a fazer uma
“limpa” em contas robotizadas no ex-Twitter, extinguindo um número não
divulgado de contas (pela costumeira falta de transparência), ele conseguiu
apontar o dedo para a lua – no caso o Brasil – e esconder o fato da direita,
enquanto desafiava a nossa Justiça e mexia nos embates políticos de um país
inteiro.
Conseguiu mais: com
uma série de tuítes revoltantes, acusou Alexandre de Moraes de ter agido a
favor de Lula para elegê-lo, ressoando teorias da conspiração aventadas por
Steve Bannon e os seus. Conseguiu, como resultado, acelerar duas movimentações
essenciais para a regulação das Big Techs por aqui. Primeiro, o próprio Moraes
decidiu liberar seu voto a respeito da constitucionalidade de um artigo do
Marco Civil da Internet, em especial pela não responsabilização das plataformas
pelos conteúdos publicados pelos seus usuários.
Inserida no Marco
Civil como uma versão brasileira da Section 230, norma americana da qual já
falei aqui, o artigo 19 foi construído para garantir a liberdade de expressão,
mas, ao mesmo tempo, isentou as plataformas de qualquer obrigação proativa de
mediação de conteúdo. Essas corporações – Google, Facebook, WhatsApp, Instagram
–, como sabemos, deitaram e rolaram, lucrando largamente com desinformação sem
nenhuma consequência legal.
A liberação do voto
por Moraes – todos sabemos como ele vota – significa um alerta: se o Congresso
não agir para regular as Big Techs, o Supremo vai agir, provavelmente
estabelecendo algumas responsabilidades legais. A votação deve ocorrer até
junho.
O outro movimento foi
no sentido contrário. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira
(PP-AL), anunciou a criação de um grupo de trabalho para discutir uma lei que
regule o setor, em substituição ao PL 2.630, que estava tramitando desde 2020,
tendo passado por dezenas de audiências públicas.
Lira enterrou o PL das
Fake News, assim como o trabalho duro do seu relator, o deputado Orlando Silva
(PCdoB-SP), alegando que o texto em tramitação “está fadado a ir a lugar nenhum
e não tivemos tranquilidade do apoio parlamentar para votar com a maioria”.
Vale lembrar que o PL
das Fake News estava pronto para ser votado há exatamente um ano, quando foi
alvo de um ataque sem precedentes das Big Techs, em especial do Google, que
usou seu site de busca para dizer aos brasileiros que a lei “podia piorar a internet”.
Segundo levantamento do NetLab, centro de pesquisa da UFRJ, o Google também
alterou seus algoritmos de busca para amplificar mentiras sobre a lei, em
especial as propagadas pelos bolsões bolsonaristas que afirmavam que sua
aprovação significaria “censura”.
Orlando Silva, que
diligentemente, nos últimos quatro anos, reuniu-se com representantes de todos
os setores, seja a sociedade civil, sejam especialistas, evangélicos,
jornalistas, representantes do grupo Globo, do Google, do Facebook, foi pego de
surpresa. “Fui surpreendido com a informação”, escreveu no ex-Twitter. “Saibam
que sigo na mesma trincheira e que cada ataque dos bolsonaristas eu recebo como
uma condecoração pela minha luta por liberdade e democracia.”
A “demissão” de
Orlando surpreendeu e revoltou a sociedade civil e os especialistas em direitos
digitais. A Coalizão Direitos na Rede, união de 40 organizações que trabalham
com direitos, internet e democracia, expressou “preocupação” pela criação do
grupo de trabalho e pediu a aprovação do PL 2.630. “Consideramos que o texto
representa anos de debates e acordos possíveis entre diferentes setores.” A
nota ressalta que a postura de Musk “não apenas compromete a integridade do
sistema democrático brasileiro, mas também evidencia uma preocupante
interferência estrangeira nos assuntos internos do país, minando sua
soberania”.
Rafael Zanatta,
diretor da organização Data Privacy, também lamenta a exclusão de Orlando
Silva. “O Orlando tem uma posição muito privilegiada na discussão de direitos
digitais porque ele construiu a LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados], domina o
tema de dados e regulação, ou seja, tem o domínio técnico e uma abordagem de
diálogo, ouve democraticamente todos os setores”, explica. Em especial,
ressalta, graças ao relator, o texto tinha atingido “maturidade”, conseguindo
estar de acordo com recomendações internacionais sobre regulação de plataformas
feitas, por exemplo, pela Unesco.
Bia Barbosa,
integrante do Direito à Comunicação e Democracia (DiraCom) e representante do
terceiro setor no Comitê Gestor da Internet no Brasil, afirma que a decisão de
Lira pegou todos de surpresa. “Não há muita clareza sobre o que esse grupo de
trabalho vai fazer. Ele vai trabalhar a partir do PL 2.630? Vai considerar
todas as discussões que aconteceram em audiências públicas, ouvindo mais de 150
pessoas na Câmara? Ou ele vai começar do zero?”
Ela acredita que a
jogada tem a ver com a corrida de Lira para eleger um aliado seu como
presidente da Câmara. “Isso reflete o desejo do presidente Arthur Lira de ter
controle total sobre essa agenda. Está muito claro que a criação desse grupo de
trabalho é fruto de um acordo que o presidente Lira fez com os setores
conservadores e do bolsonarismo na casa, visando à sua sucessão na presidência,
cujo mandato termina agora em maio e junho.”
Bia lembra que o tema,
entretanto, é “muito maior que a Câmara dos Deputados”. Nos últimos meses, o
governo Lula vinha se empenhando em construir, em reuniões com as plataformas,
uma nova versão do texto, com bons avanços. Mas, apesar desse engajamento, Bia
avalia que levar o projeto à “estaca zero” é uma vitória dessas corporações.
“Sem dúvida nenhuma é
uma vitória das plataformas, porque foram elas que se aliaram à extrema direita
no Brasil para, desde o início, impedir a votação de qualquer texto
regulatório”, diz. “O discurso público das plataformas é que elas não são
contra a regulação, que elas são contra alguns problemas que elas vinham no
texto, mas é muito claro o quanto elas operaram fortemente, politicamente e
economicamente para barrar qualquer avanço. E conseguiram criar um ambiente de
muita instabilidade para a votação do projeto.”
Zanatta teme que, caso
se proponha um novo texto, ele isente as plataformas de custos que terão que
ocorrer para criar um ambiente mais saudável de discussão online. “A proposta
que estava sendo feita pela Câmara implicaria gastos de profissionalização, equipes,
metodologias de avaliação de riscos e treinamento”, diz. “É evidente que isso
mexe com interesses corporativos. Para as grandes corporações, a modelagem de
uma legislação afeita aos interesses delas é superestratégico. Por isso, o jogo
do Legislativo se torna muito chave”.
Além disso, a
legislação brasileira é ainda mais estratégica no debate mundial de regulação
das plataformas porque o Brasil assumiu este ano presidência do G20 e propôs
como pauta prioritária a “integridade informacional” como um eixo a ser
considerado por governos e empresas.
É também no plano
internacional que essa guerra tem sido jogada, segundo Bia Barbosa: os ataques
demonstram que a extrema direita segue articulada globalmente.
“O episódio deixou
muito clara a necessidade de avançarmos na regulação das plataformas digitais”,
diz. De agora em diante, toda a sociedade civil deve se mobilizar para adotar
essa bandeira como uma prioridade. “É preciso que os pesquisadores e as organizações
da sociedade civil de diferentes setores defendam como uma agenda democrática
urgente para o Brasil.”
Governo Lula exonera primo de Lira de
cargo no Incra após cobrança de MST por troca de comando
O governo Lula (PT)
exonerou Wilson César de Lira Santos, primo do presidente da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL), do cargo de superintendente regional em Alagoas do Incra
(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). A decisão foi publicada
no Diário Oficial da União desta terça-feira (16).
César Lira foi nomeado
em 2017, ainda na gestão Michel Temer (MDB) por indicação do deputado federal
Marx Beltrão (PP-AL). Permaneceu no cargo durante o governo Jair Bolsonaro (PL)
com o apadrinhamento de Lira e seguiu no posto no do primeiro ano de Lula.
O Diário Oficial traz
ainda a troca no substituto de Lira Santos. Andressa Torres perdeu a
atribuição, que passou para o engenheiro agrônomo José Ubiratan Rezende
Santana, servidor do órgão.
O MST (Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra) e outros seis movimentos sociais campesinos
pediram a troca do primo de Lira por Santana em abril do ano passado, quando
invadiram a sede do Incra em Maceió.
"É inaceitável a
continuidade de uma gestão bolsonarista. Por que o governo Lula mantém por
tanto tempo (mais de cem dias de governo) um superintendente inimigo da Reforma
Agrária e com um histórico de violência junto a lideranças e comunidades?",
questionou, em nota, a entidade na ocasião.
A troca acontece em
paralelo à briga entre o presidente da Câmara e o ministro das Relações
Institucionais, Alexandre Padilha (PT-SP).
Lira atacou Padilha na
quinta-feira (11) ao chamá-lo de incompetente e dizer que o petista é seu
desafeto pessoal em entrevista para veículos locais no Paraná
O ministro respondeu
no dia seguinte antes de evento no Rio de Janeiro. Padilha disse que não
desceria ao nível do opositor e repetiu algumas vezes versos do rapper Emicida:
"rancor é tumor, envenena a raiz, e a plateia quer ser feliz". Ele
disse ainda que sua mãe lhe ensinou que "quando um não quer, dois não
brigam".
Fonte: Por Natalia
Viana, da Agência Pública/FolhaPress
Nenhum comentário:
Postar um comentário