Relatório
liga bancos a fazendas com ficha suja na Amazônia
Registros de desmatamento ilegal, áreas embargadas e
sobreposição com áreas de conservação não impediram fazendas de receberem
empréstimos de bancos nacionais e estrangeiros como Rabobank e Santander,
aponta Greenpeace.
Em
julho de 2019, dinheiro de origem internacional caiu na conta de uma fazenda
conhecida dos órgãos de fiscalização ambiental no Brasil. O empréstimo de R$
127,5 mil veio do Banco de Lage Landen Brasil (DLL), uma subsidiária do
holandês Rabobank, para financiar compra de equipamentos, máquinas e outros
itens a uma propriedade no Acre inserida na Floresta Amazônica.
À
época, a fazenda acumulava registros de desmatamento sem autorização e uma área
embargada pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais não Renováveis) desde 2012 por destruição de vegetação nativa. Entre o
início do financiamento a julho de 2022, mais de 130 campos de futebol de
florestas teriam sido cortados na mesma propriedade, suspeita-se que de forma
ilegal.
O
caso no Acre não é isolado. Uma investigação feita pelo Greenpeace revelou
diversos empréstimos e concessão de crédito feitos por bancos e investidores a
fazendas com ocorrência de desmatamento e outros delitos ambientais, segundo o
relatório Bancando a extinção, publicado nesta semana.
“O
problema não é de um banco, ou de outro, mas de um sistema. É importante que os
reguladores atuem para suprir essas lacunas que mostramos no nosso relatório.
Uma vez que elas sejam supridas, todo o setor precisa seguir”, diz à DW
Cristiane Mazzetti, coordenadora da frente de Florestas no Greenpeace Brasil.
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Milhões a desmatadores
Segundo
a política de responsabilidade social, ambiental e climática do Rabobank
Brasil, implementada em julho de 2006, o banco veta crédito a pessoas e
instituições que tenham envolvimento com desmatamento não autorizado após
janeiro de 2005. Mas esse ponto não tem sido observado com afinco, sugere o
relatório do Greenpeace.
Em
setembro de 2021, o Rabobank Internacional Brasil emprestou quase R$ 1 milhão a
um fazendeiro no Pará envolvido em corte ilegal da Floresta Amazônia. Os dados
investigados pela ONG apontaram um desmatamento ilegal de 2008 a 2022 que
corresponde a 79,4% de área total da propriedade.
O
europeu Santander, banco espanhol com ampla oferta de serviços no Brasil,
também financiou proprietários rurais que causam destruição na Amazônia,
segundo o relatório. Mais de R$ 2 milhões foram concedidos a um fazendeiro no
Pará que suprimiu áreas de floresta sem autorização.
Ao
todo, a pesquisa identificou 798 propriedades rurais embargadas pelo Ibama que
receberam financiamento de instituições financeiras de fora e de dentro do
Brasil.
“Desses
quase 800 casos, não avaliamos se os embargos vieram antes ou depois de os
contratos com os bancos terem sido assinados. As instituições financeiras só
observam os critérios quando elaboram o contrato, ainda não há uma exigência de
se monitorar a propriedade até que o pagamento do crédito vença”, destaca
Mazzetti como uma das lacunas.
À
DW, o Rabobank afirmou que opera de acordo com todas as regulamentações na
concessão de crédito rural. Sobre os casos apontados no relatório, a
instituição disse “analisará os dados mencionados no referido estudo e havendo
inconsistências com suas práticas adotará medidas cabíveis”.
O
Santander enviou à DW a mesma nota que encaminhou ao Greenpeace. O banco pediu
mais tempo para analisar o relatório e disse estar “aberto ao diálogo
construtivo e disposto a oferecer mais informações” sobre sua atuação.
·
Bancos brasileiros
Dinheiro
concedido por bancos brasileiros também financia fazendas com histórico de
irregularidades, mostra o relatório. A uma outra fazenda no Acre, o Banco do
Brasil emprestou cerca de R$ 1,4 milhão para custear criação de gado, na qual
parte da área está dentro de uma floresta pública não destinada, com vários
indícios de desmatamento ilegal.
Uma
resolução do Conselho Monetário Nacional (n. 5.081, de junho de 2023) proíbe a
concessão de crédito a empreendimentos sobrepostos a unidades de conservação,
como florestas públicas e terras indígenas.
“Essa
resolução já preencheu diversas lacunas, mas ainda existem vários
financiamentos ativos de antes dessa norma com vencimentos que ainda virão em
alguns anos”, diz Mazzetti, ressaltando que o levantamento do Greenpeace mapeou
10.074 propriedades inseridas em unidades de conservação, parcial ou
totalmente.
Somente
os 12 casos específicos apresentados no relatório receberam mais de R$ 43
milhões. São propriedades com ficha ambiental problemática que incluem
desmatamento ilegal, indícios de grilagem, sobreposição com áreas protegidas e
produção irregular de gado.
Questionado
pela DW, o Banco do Brasil informou que “se abstém de comentar operações e
serviços prestados, em respeito ao sigilo bancário, comercial e empresarial”.
Em nota, a instituição afirmou que “observa critérios socioambientais na
análise e condução de empréstimos e financiamentos” e que as “operações de
crédito contam com cláusulas que permitem a decretação do vencimento antecipado
e a suspensão imediata dos desembolsos em caso de ocorrência de infringências
socioambientais”.
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Falta de transparência
O
relatório foi elaborado após diversas consultas à base de dados do sistema
Sicor, gerido pelo Banco Central, na qual os bancos precisam registrar as
operações de crédito. Mas essa base não é considerada a mais acessível.
“Precisamos
avançar muito nas normas que trazem exigências de ordem socioambiental, seja
para o crédito rural, seja para crédito convencional e investimentos. O crédito
rural tem regulação um pouco mais avançada, mas tem lacunas, como mostram os
estudos de caso que apresentamos”, diz Mazzetti.
O
crédito rural é o principal meio de financiamento do agronegócio brasileiro.
Por meio dele, instituições financeiras emprestam dinheiro diretamente aos
produtores rurais e cooperativas com subsídio de taxas de juros do governo
federal.
No
Brasil, 425 instituições operaram o crédito rural. Desse total, 164 ofereceram
financiamento a produtores da Amazônia Legal, com destaque a três bancos: Banco
do Brasil, responsável por 44,1% dos contratos, Caixa Econômica e Banco da
Amazônia, segundo a análise do Greenpeace.
·
Bagunça territorial
André
Guimarães, diretor executivo do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia), afirma que o caos fundiário na Amazônia e falhas da implementação do
Código Florestal podem dificultar a análise dos bancos na hora da concessão do
crédito. Segundo a lei, as propriedades rurais na Amazônia devem preservar 80%
de sua área.
“Há
estados amazônicos onde 70% de propriedades rurais não têm documentação. Isso é
muito problemático”, comenta Guimarães à DW.
Apesar
dos problemas em torno da regularização fundiária e ambiental que o Estado
deveria resolver, os bancos deveriam fazer mais, defende o pesquisador do Ipam.
“Não
se justifica investir em fazendas que estão sobrepostas a área de conservação.
O Estado tem que cumprir seu papel, mas as instituições financeiras deveriam
criar seus próprios modelos de análise mais rigorosos para evitar esses
problemas”, conclui.
Ø Com Lula, bancos públicos ampliam operações de crédito e superam
os privados
No
contexto da política de fortalecimento de empresas estatais implementada por
Luiz Inácio Lula da Silva, os bancos públicos brasileiros ampliaram brutalmente
suas carteiras de crédito em 2023, em comparação com os bancos privados. As
informações foram divulgadas em reportagem do Poder360.
Entre
os seis principais bancos do país, Caixa Econômica Federal, Banco do
Brasil e BNDES apresentaram os maiores aumentos em seus estoques
de crédito total, com crescimentos de 10,6%, 10,3% e 7,4%,
respectivamente, em relação ao ano anterior.
Em
contraste, entre os bancos privados, Santander liderou com um aumento
de 5,6%, seguido por Itaú com 3,1%, enquanto Bradesco registrou uma
retração de 1,6%.
No
que diz respeito ao volume total de dinheiro disponível para empréstimos, Itaú
manteve a liderança com R$ 1,2 trilhão. Caixa e Banco do Brasil seguiram
de perto, cada um com estoques de R$ 1,1 trilhão.
Somando
os saldos, os bancos estatais emprestaram um total de R$ 2,7
trilhões ao longo do ano, um aumento de 9,9% em relação ao ano
anterior.
Os
bancos privados, enfrentando um ambiente de juros mais altos, mostraram uma
expansão mais modesta de 2,9%, totalizando R$ 2,6 trilhões.
A
taxa Selic permaneceu alta, atingindo 13,75% ao ano de janeiro a
agosto de 2023, antes de sofrer cortes graduais que a levaram a 10,75%.
Quanto
ao lucro, apenas Itaú entre os bancos privados viu um aumento significativo no
lucro líquido recorrente, de R$ 30,8 bilhões em 2022 para R$ 35,6
bilhões em 2023. Bradesco e Santander, por outro lado, enfrentaram reduções de
21,2% e 27,3%, respectivamente.
Os
bancos públicos, exceto o BNDES que viu uma diminuição de 4,8%, geralmente
registraram aumentos no lucro, totalizando R$ 58,1 bilhões, um aumento
de 8,4% em relação ao ano anterior.
Em
termos de inadimplência, a taxa de pagamentos atrasados acima de 90 dias teve
comportamento semelhante entre os bancos públicos e privados, com variações
mínimas exceto no caso de Bradesco, que experimentou o maior aumento, chegando
a 5,1%.
Fonte:
Deutsche Welle
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