O que é a grande transferência de riqueza,
fenômeno que 'fabrica' jovens bilionários pelo mundo
Na tradicional lista
dos mais ricos do planeta divulgada no início do mês pela revista Forbes, uma
tendência chama a atenção: há muitos rostos jovens e desconhecidos figurando
entre as maiores fortunas.
Muitos deles sequer
começaram a trabalhar ou escolheram suas carreiras, mas tiveram uma grande
ajuda para estar ali: pela primeira vez desde 2009, todos os bilionários com
menos de 30 anos listados no ranking da Forbes são herdeiros.
Dos 25 bilionários com
33 anos de idade ou menos que figuram no ranking, apenas sete construíram seus
próprios impérios.
Para a Forbes, a
presença massiva de jovens herdeiros é sinal de que está em curso um fenômeno
há tempo preconizado no universo das finanças globais: a “grande transferência
de riqueza”, período em que grande parte de todo o patrimônio dos ricos do
mundo mudará de mãos para as próximas gerações.
A estimativa é de que,
somente até o fim de 2029, mais de US$ 8,8 trilhões sejam transferidos dos
bilionários para seus jovens sucessores.
“E não estamos falando
só de dinheiro, mas também das empresas”, explica o advogado Yuri Freitas,
responsável pelo time de planejamento patrimonial para o Brasil do banco suíço
UBS.
Ele comanda um grupo
de especialistas que fica à disposição dos clientes donos de fortunas com uma
função: ajudá-los a planejar o que fazer com seu patrimônio depois que eles
morrerem.
Apesar da formação
financeira e jurídica de Freitas, o trabalho dele e de sua equipe envolve mais
habilidades do que cuidar dos números e conhecer leis.
Vai desde conversar
com a família sobre o uso dos recursos por todos os parentes e agregados (quem
pode usar o jatinho? quem pode emprestar o iate?) a sugerir regras para a
contratação de familiares como funcionários e calcular o risco que novos
casamentos podem representar para o patrimônio dos herdeiros.
A função inclui também
mapear os objetivos de cada cliente para o seu patrimônio após a morte: como
dividir empresas, obras de arte, embarcações, aeronaves e imóveis, entre
outros.
A equipe de
planejamento do patrimônio também ajuda a criar protocolos para questões
delicadas que misturam laços familiares e dinheiro. O planejamento abrange
aspectos íntimos da vida familiar, como o regime de bens se o cliente é casado,
se tem filhos, se os filhos são casados, se moram no Brasil ou fora, por
exemplo.
Para quem não é
herdeiro de nenhuma grande fortuna, uma boa referência a esse universo é a
série Succession, da HBO, que aborda o drama de uma família de bilionários.
“Por mais caricata que
a série seja, as famílias têm conflitos que se desenvolvem numa dinâmica de
comportamento parecida”, conta Freitas.
A BBC News Brasil
reuniu especialistas, artigos e exemplos práticos para explicar o que é a
grande transferência de riqueza e qual o debate em torno dos impactos negativos
que esse nível de concentração de renda pode acarretar.
'Quando super-ricos
não pagam impostos, é o resto da população que paga', diz economista Gabriel
Zucman4 março 2024
• Preparação com comitês e psicólogos
Uma das etapas de um
trabalho como o de Freitas é o de construir com a família dona da fortuna um
protocolo familiar, de preferência antes do doador transmitir a herança aos
filhos.
“É quando o patriarca
está bem e ativo que é importante tomar essas decisões para enfrentar conflitos
lá na frente”, diz o executivo da UBS.
Pesquisa realizada
pela consultoria americana The Williams Group estima que 70% das transferências
de riqueza nos Estados Unidos falham, e que 60% dessas falhas resultam em falta
de confiança e comunicação entre os membros da família rica.
“A família precisa ter
regras de como lidar com o patrimônio muito bem estabelecidas. E não estou
falando só dos instrumentos jurídicos, como testamento, o contrato social da
empresa, o acordo de acionistas”, diz Freitas.
“Estou falando do
aspecto moral, por exemplo: como eu vou contratar um primo ou um sobrinho? Que
requisitos ele ou ela tem que ter, que escolaridade? Quem pode usar o jatinho
da família?”, segue o especialista.
A criação do protocolo
familiar para o planejamento da herança pode envolver a criação de comitês
familiares para apresentar os investimentos e até de psicólogos e outros
profissionais para mediar as conversas.
“É muito comum que a
discussão sobre a qualificação do executivo a ser contratado descambe para:
‘Ah, você contrata o seu filho e agora quer demitir o meu'. A gente ajuda o
cliente a construir esse protocolo”, diz o executivo.
Em 15 anos de
experiência na área, a percepção de Freitas coincide com o diagnóstico da
revista Forbes: a grande transferência de fortuna global já está em curso de
maneira acelerada, e os bilionários do Brasil e do mundo estão começando cada
vez mais cedo a repassar seus patrimônios para a próxima geração.
• Exemplo brasileiro
De tempos em tempos,
cada geração de adultos herda das gerações anteriores o patrimônio acumulado
por determinada família.
Como no exemplo
brasileiro abordado pela Forbes: a Weg, multinacional que exporta para 135
países e é uma das maiores fabricantes de motores elétricos do mundo, foi
cofundada por Werner Ricardo Voigt, bilionário que morreu em 2016.
Hoje, são bilionárias
também as netas de Werner, Lívia Voigt, 19 anos, e sua irmã Dora Voigt, 26, que
não participam ativamente do dia a dia da empresa.
Mas a riqueza fundada
por Werner não enriqueceu apenas as duas netas: além de Lívia e Dora, outros 28
empresários têm a Weg como origem de sua fortuna. De acordo com a Forbes, os
descendentes dos fundadores da Weg têm, juntos, um patrimônio de R$ 85,53 bilhões.
Movimentos como o da
família Voigt estão acontecendo e devem se acelerar, de acordo com as projeções
dos institutos que acompanham as grandes fortunas.
Os números divergem,
mas apontam para o mesmo cenário: nas próximas duas décadas, trilhões de
dólares devem passar das mãos de abastados baby boomers (nascidos em 1964 ou
antes, nas duas décadas após o fim da Segunda Guerra Mundial) para as
afortunadas próximas gerações de herdeiros millennials (nascidos entre 1981 e
1996) e geração Z (entre 1997 e 2013).
A empresa de pesquisa
de mercado Cerulli Associates estima que US$ 84 trilhões mudarão de mãos até
2045 - sendo US$ 72,6 trilhões transferidos para herdeiros e US$ 11,9 trilhões
para filantropia.
Relatório do banco UBS
sobre ambições bilionárias em 2023 aponta que, pela primeira vez na história do
estudo, novos bilionários adquiriram mais riqueza por meio de heranças do que
pelo empreendedorismo. Em um ano, um total de US$ 150 bilhões foram obtidos por
53 herdeiros, enquanto 84 bilionários acumularam US$ 140,7 bilhões por meio do
empreendedorismo.
O UBS também estima
que, nos próximos 20 a 30 anos, mais de mil bilionários de hoje transferirão
mais de US$ 5,2 trilhões a seus herdeiros.
“Como calculamos esta
estimativa? Apenas somando a riqueza dos 1023 bilionários que têm 70 anos ou
mais hoje”, diz o relatório.
Nos Estados Unidos, a
estimativa é que a geração dos baby boomers retenha atualmente US$ 95,9
trilhões dos US$ 147,1 trilhões da riqueza das famílias dos EUA, segundo o
Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos.
E por que essa geração
que está envelhecendo tem tanto dinheiro para dar aos seus sortudos sucessores?
“A riqueza excepcional
resultante do boom da atividade empresarial desde os anos 90 estabeleceu uma
base para gerações futuras de famílias bilionárias”, segue o texto.
• Choque de gerações
“Nunca antes tanto
dinheiro - em imóveis, terra, ações e espécie - mudará tão repentinamente de
uma geração para outra, e nunca antes a próxima geração teve sentimentos tão
diferentes sobre o futuro do planeta e o capitalismo em comparação a seus
precursores”, explica em artigo publicado no ano passado o banqueiro e
filantropo sul-africano Ken Costa, autor do livro The 100 Trillion Dollar
Wealth Transfer e uma das vozes mais contundentes a respeito do fenômeno.
A principal tese de
Costa, ele mesmo um bilionário boomer, é que os jovens, excluídos da riqueza
desfrutada pelas gerações mais velhas durante tanto tempo, são desgostosos em
relação ao capitalismo atual.
Mais do que isso,
culpam com razão os boomers por destruírem o planeta numa corrida precipitada
por riquezas a curto prazo. Os boomers, culpados, pioraram as coisas por serem
arrogantes e resistentes à mudança, na visão de Costa.
“Os Zennials [nome que
ele criou para se referir aos jovens millenials, nascidos entre 1981 e 1996
mais os Gen Z, entre 1997 e 2013] herdarão recursos de capital, poder e
influência, e a tecnologia será a ferramenta que utilizarão para implementar a
sua filosofia", prevê.
“Não há como escapar
deste evento sísmico e, de fato, a transferência já começou e está acelerando
rapidamente. E este evento não acontecerá isoladamente. Também criará um efeito
cascata na economia, na tecnologia e na cultura. O que sairá dessas mudanças
depende da nova geração”.
“O que espero é que
eles alcancem um futuro financeiro estável e próspero, e acredito que é
essencial que nós, boomers, ajudemos a concretizar isso”, afirma Costa.
• Preocupação com impostos
Há diversos motivos
que levam os patriarcas e donos das grandes fortunas a apressarem cada vez mais
a transferência de patrimônio para as novas gerações, e a principal delas é o
medo de pagar mais impostos.
Nos Estados Unidos, a
doação de heranças em vida é isenta de impostos até um limite de US$ 12
milhões; sobre o que extrapolar esse limite, as alíquotas chegam a 40% sobre o
valor doado.
“É quase metade do
patrimônio que acaba sendo pago em impostos. Então, o estudo de estruturas e
estratégias para suavizar essa transmissão sempre foi uma preocupação que
habitou o imaginário desses executivos”, diz Freitas.
No Brasil, a pressão
dos impostos sobre as grandes fortunas e heranças sempre foi mais branda que a
da maioria dos países e exigiu menos planejamento dos bilionários - com muitas
opções para que os muito ricos acumulassem rendimentos ao longo da vida com
pouca tributação.
No ano passado, o
governo agiu para acabar com a vantagem concedida em algumas aplicações onde
era possível adiar o pagamento de impostos que são devidos quando se aplica o
dinheiro.
"Até o final de
2023, era muito comum que o cliente tivesse um fundo multimercado exclusivo
dele e esse fundo só pagava imposto no momento de uma amortização, de um
resgate. Então você tinha ali uma estrutura que ficava 10, 15 anos, só
rentabilizando sem pagar imposto”, diz o executivo do UBS.
A reforma tributária
de 2023 mudou um pouco o cenário na tributação de heranças, principalmente ao
prever potencial aumento da alíquota do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis
e Doação (ITCMD), conhecido como o “imposto das heranças”.
Atualmente, o ITCMD é
estadual e possui alíquotas que variam entre 4% e 8%. A cobrança é diferente em
cada Estado brasileiro. Em São Paulo, a alíquota é de 4%. Em Minas Gerais, de
5%. Já o Rio de Janeiro prevê seis alíquotas progressivas de 4% a 8% à medida
que a herança aumenta.
A reforma estabelece
que o imposto será obrigatoriamente progressivo, - ou seja, quanto maior o
valor da herança ou doação, maior será a alíquota aplicada.
“O Estado de São Paulo
pratica uma alíquota de 4% historicamente, e a expectativa é que em algum
momento a Assembleia Legislativa se mova para aumentar essa alíquota. Então,
muita gente vê muitas transmissões de patrimônio acontecendo ou se acelerando
por conta disso”, explica Freitas.
Em seu segmento de
planejamento patrimonial do UBS, nunca houve tanta demanda de clientes
brasileiros por informações e atendimento a respeito das novas regras de
herança, doações e temas relacionados como no ano passado, por causa da reforma
tributária, diz Freitas.
“Foi o ano mais
desafiador da minha carreira. Quando você tem uma reforma que muda toda a
regra, e realmente mudou, o baby boomer precisa entender as novas regras, que
são complexas, e rever as decisões. Tudo isso vai pressionando ele [a acelerar
os planos]”, diz.
“O assunto do ano
passado foi reforma tributária, e o deste ano são os ajustes que se tem que
fazer para por conta da reforma tributária”, aponta Freitas.
• Bom para quem?
Essa nova leva de
jovens herdeiros bilionários prevista para as próximas décadas ocorre em um
momento da história em que a concentração de renda nas mãos de poucas famílias
piora a vida da maioria das pessoas do mundo.
O relatório
Desigualdade S/A, divulgado no início do ano pela Oxfam, aponta que a riqueza
dos cinco maiores bilionários do mundo dobrou desde 2020, enquanto a de 60% da
população global – cerca de 5 bilhões de pessoas – diminuiu nesse mesmo
período.
Enquanto sete em cada
dez das maiores empresas do mundo têm bilionários como CEOs ou principais
acionistas, apenas 0,4% das mais de 1.600 maiores e mais influentes empresas do
mundo se comprometeram publicamente com o pagamento de salários dignos a seus trabalhadores.
O impacto de tanta
desigualdade de renda é gritante, destaca a publicação.
“A década de 2020, que
começou com a covid-19 e depois assistiu à escalada de conflitos, à aceleração
da crise climática e ao aumento do custo de vida, parece estar se transformando
em uma década de divisão", diz o documento.
"A pobreza nos
países de renda mais baixa é ainda maior do que era em 2019. Em todo o mundo,
os preços estão ultrapassando os salários, e centenas de milhões de pessoas têm
dificuldades”, alerta o texto.
Daniel Duque,
pesquisador da área de economia aplicada do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de
Economia da Fundação Getúlio Vargas), explica que tal esforço dos super-ricos
em repassar seus bens para as próximas gerações pode ser uma reação às recentes
iniciativas de diversos países de debater e implementar modelos mais
progressivos de tributação - após décadas de alíquotas que foram generosas com
os bilionários.
Movimento que cresceu
fomentado principalmente pela visibilidade dada ao trabalho do economista
francês Thomas Piketty, que defende reparos ao sistema capitalista capazes de
interromper esse processo de concentração de riqueza.
“Está havendo um
movimento em diversos países de haver uma tributação maior sobre grandes
fortunas, o que gera uma pressão sobre os super-ricos de passar logo para a
próxima geração”, diz Duque.
Outro debate que pode
pressionar esse público é o que ocorre no G20 em torno da criação de um tributo
global sobre grandes fortunas, proposta apresentada ao grupo em fevereiro pelo
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante encontro em São Paulo.
“Um tributo como esse
tornaria muito mais difícil para os super-ricos gerarem essa herança sem
tributação. Porque até então, quando se cobrava um imposto, eles migravam o
dinheiro para outro lugar", aponta o pesquisador.
Tanta concentração de
renda traz riscos econômicos e políticos para o planeta, diz o Duque, bem como
a assimetria de oportunidades, bastante desfavorável para quem tem menos
dinheiro.
“Um dos principais
riscos é como lidar com o poder tão concentrado nas mãos de tão poucos.
Antigamente, a capacidade de os mais ricos influenciarem a política era mais
limitada, com menos capacidade de ação nos meandros do poder. Com uma
concentração alta, isso começa a mudar e se vê indivíduos que conseguem mudar
rumos”, diz ele.
• O que pensam os jovens herdeiros?
Como em todo debate
geracional, profissionais de todas as áreas têm se debruçado para tentar prever
o comportamento desses jovens herdeiros e as mudanças que eles causarão no
mundo dos negócios.
Principalmente os
bancos, que correm o risco de perder os clientes cujo patrimônio tão vultoso
eles ajudaram a construir e compartilharam por décadas.
O que se sabe é que os
bilionários da nova geração são mais conectados socialmente, mais digitais e,
pelo menos no discurso, se importam mais do que os pais sobre o impacto
positivo que os seus investimentos terão no planeta, tanto no clima quanto
socialmente.
Relatório da
consultoria EY estima que investidores millenials têm o dobro da disposição em
investir em empresas ou fundos que busquem transformações sociais e ambientais.
Além disso, 17% dos
millenials dizem querer investir em companhias que adotam práticas de ESG de
alta qualidade, comparados a 9% entre investidores não-millenials.
No UBS, a equipe de
wealth management realiza há anos uma série de eventos e programas voltada a
atender aos investidores next gen, como são chamados os herdeiros de fortunas.
No Brasil, o banco
criou em 2019 um encontro de troca de experiências exclusivamente voltado para
herdeiros. "Ali a gente trouxe alguns herdeiros falando para outros
herdeiros sobre temas como inovação no negócio familiar, governança familiar,
family office", afirma Freitas.
Nota-se diferenças
comportamentais: se os baby boomers apreciam o sigilo e a privacidade de uma
relação formal e de confiança com o consultor do banco, os jovens gostam de
mais interação com seus pares.
“Ele vê o banco como
um lugar que pode proporcionar para ele contato com outros empreendedores e
pode abrir portas com pessoas com outros clientes”, diz Freitas.
No programa para
sucessores seletos de patrimônio mais elevado, há até uma comunidade global
criada pelo banco especialmente para a convivência entre herdeiros do mundo
todo, onde eles compartilham dicas, eventos e relações para além das mediadas
pelo banco.
Dá para esperar que os
bilionários gerarão mudanças positivas para o mundo - que sofre, entre outras
questões, com a enorme concentração de renda na mão de poucas famílias?
O relatório do UBS
pontua que, embora existam vários casos bem divulgados de empresários
bilionários que prometem doar grande parte de suas fortunas à filantropia, é
menos conhecido o fato de que entre herdeiros essa intenção seja mais
reticente.
“Embora mais do que
dois terços (68%) dos bilionários da primeira geração tenham declarado que
seguir seus objetivos filantrópicos e gerar impacto no mundo tenha sido o
objetivo principal de seu legado, menos de um terço (32%) das gerações
herdeiras expressou a mesma intenção", diz o estudo.
Na experiência do UBS,
as gerações sucessoras são muitas vezes relutantes em doar dinheiro que não
ganharam e, em alguns casos, elas podem simplesmente continuar investindo nas
eventuais fundações existentes na família.
"No entanto, há
uma tendência para investir ou gerenciar negócios de maneira que abordem
questões ambientais e sociais, tanto para fins comerciais como fins
altruístas", aponta o relatório.
A pesquisa do banco
ouviu alguns desses herdeiros.
“Por mais que meu pai
trabalhasse em petróleo, gás e mineração, estou tentando mudar todo o negócio
para assuntos relacionados à tecnologia, áreas que têm menos impacto no meio
ambiente”, explicou um bilionário de segunda geração ao estudo.
"Mas eu não vou
vender todos esses negócios em um dia. É uma jornada que comecei há vários
anos, quando assumi negócios da família."
• Relações familiares e poder
Outro fator que
apressa o planejamento da sucessão entre bilionários, para Freitas, é a pressão
crescente dos mercados nas últimas décadas por mais transparência, regulação e
compliance (conjunto de práticas para garantir o cumprimento de regras legais e
éticas definidas pelos Estados ou pelas próprias empresas).
Segundo o executivo do
UBS, no setor bancário, a regulação de compliance nos últimos 30 anos passou a
cobrar muito mais transparência, com contatos frequentes por e-mail. "O
baby boomer que já construiu a sua fortuna gosta do papel, ele gosta da presença
física”, diz ele.
No caso dos baby
boomers brasileiros, o apego ao controle de todas as decisões financeiras e
operacionais relacionadas ao patrimônio é ainda mais marcante, diz Freitas.
“Mesmo quando faz
sentido do ponto de vista tributário um projeto de passagem de bastão, por
exemplo, o projeto não acontece se você não tiver o patriarca engajado”,
afirma, citando um exemplo fictício.
“Às vezes, ele até diz
que está engajado, mas quando chega na hora de falar ‘você deixa de ser
executivo da empresa e vai passar para o conselho de administração', ele topa,
mas está ali no chão de fábrica todo dia, vendo tudo de perto”.
Como imaginar que, tão
habituados ao controle de todo seu patrimônio, tais bilionários baby boomers
estejam cedendo tão rapidamente o poder às próximas gerações, como sugere a
grande quantidade de jovens listados pela Forbes?
Há muitos recursos
para manter o poder mesmo após a doação dos ativos, explica Freitas. Um deles é
a reserva de usufruto, que prevê que o dono fundador mantenha o poder político
sobre aquele patrimônio.
“No exemplo de uma
empresa: eu doei as ações, já recolhi o imposto sobre herança, mas eu reservei
o usufruto político e econômico: o que significa que eu ainda mando e ainda
posso receber o rendimento”, explica.
Existe também a
cláusula de incomunicabilidade da herança, que é prevista no Código Civil para
possibilitar que bens herdados ou doados não sejam transmitidos ao cônjuge -
“para que o ativo não se contamine com patrimônio do agregado, da nora, do
genro”, diz Freitas.
O que significa que,
embora abastadíssimos, com um futuro promissor e cheio de regalias, estar na
lista da Forbes não significa que a nova geração já esteja integralmente no
comando.
“Muitos dessa nova
geração são muito ricos, mas quando você olha de perto, têm pouco poder de
decisão”, conclui o executivo da UBS.
Fonte: BBC News Brasil
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