terça-feira, 16 de abril de 2024

'O objetivo do Irã com o ataque foi fazer um espetáculo para o mundo testemunhar', diz pesquisadora

Irã lançou um ataque sem precedentes contra Israel no sábado (13/4), em uma escalada da situação turbulenta no Oriente Médio.

A ofensiva do Irã é uma retaliação ao ataque ao seu consulado em Damasco, na Síria, que matou comandantes militares iranianos no início deste mês. O ataque foi atribuído a Israel, embora o país não tenha assumido a autoria.

Após o ataque do Irã, Israel disse que, com a ajuda dos Estados Unidos, interceptou quase todos os mais de 300 drones e mísseis lançados pelo país.

O ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, afirmou que o confronto com o Irã “ainda não acabou”.

Mas o Irã disse que o ataque “alcançou seus objetivos” e acrescentou que usará uma força maior força se Israel realiar.

Para entender o que pode acontecer agora em uma região que já é palco da guerra na Faixa de Gaza, a BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) conversou com Lina Khatib, pesquisadora especialista em Oriente Médio ligada à Chatham House, uma consultoria e centro de pesquisas em Londres.

LEIA A ENTREVISTA:

·        Porque é que o Irã fez este ataque agora?

Lina Khatib - Acredita-se que o objetivo do Irã com este ataque foi proporcionar uma espécie de espectáculo para o mundo testemunhar.

(A ofensiva) foi amplamente coreografada e bastante limitada. E até o próprio Irã emitiu uma declaração após o ataque em que dizia: “consideramos o assunto encerrado”, referindo-se à possibilidade de retaliação.

Isto mostra que o Irã queria enviar uma mensagem muito clara e firme para impor respeito e ser visto como capaz de responder diretamente a Israel (após o ataque em Damasco).

Mas é claro que o Irã não quer que a coisa se torne uma escalada de tensões.

·        Israel disse que “o confronto com o Irã não acabou”. Existe o perigo de qualquer um dos lados lançar outro ataque e escalar a disputa?

Khatib - Estamos em um momento muito perigoso porque mostra a 'audácia do Irã', como descrito pelos políticos ocidentais.

Penso que o Irã é um país que se sente muito vulnerável militarmente diante de Israel e dos Estados Unidos, e essa vulnerabilidade traduz-se muitas vezes em 'audácia'.

Portanto, não creio que este seja o fim das tensões entre o Irã e Israel e isto mostra a importância de os aliados ocidentais apresentarem uma estratégia abrangente contra o Irã.

·        A resposta ao ataque foi uma demonstração da capacidade do sistema de defesa aérea de Israel, que conseguiu interceptar a maioria dos mísseis e drones lançados por Teerã?

Khatib - Sim. E Israel mostrou ao Irã que não está sozinho.

A intercepção de mísseis iranianos no sábado dependeu em grande parte dos Estados Unidos e de seus aliados na região, como a Jordânia e o Egito.

Isto foi muito bem demonstrado após o ataque e foi uma mensagem para Teerã.

Da mesma forma, o Irã mostrou que possui um poder militar significativo, mas este poder não será suficiente para derrotar militarmente Israel.

·        Mas os Estados Unidos estariam dispostos a participar de um ataque contra o Irã se Israel decidisse realizá-lo?

Khatib - Não creio que alguém esteja disposto a fazer isso. A resposta israelense já foi bastante firme.

Mas também penso que se alguém foi recompensado pelas ações do Irão no sábado, foi o governo de Benjamin Netanyahu, que alcançou uma vitória importante ao defender com sucesso Israel após o ataque.

·        Alguns analistas afirmaram que foi Israel quem iniciou esta escalada de tensões com o ataque ao consulado iraniano em Damasco no início de abril. Você concorda?

Khatib - Não. Este período específico (de tensões) faz parte do quadro mais amplo que começou em 7 de outubro com o ataque do Hamas a Israel.

Pouco depois desse ataque, o Hezbollah no Líbano, os Houthis no Iêmen e grupos apoiados pelo Irã na Síria e no Iraque também começaram a atacar Israel.

Portanto, trata-se de um contexto mais amplo que vai além deste conflito.

·        Os Estados Unidos falam frequentemente em respeitar as leis e os sistemas jurídicos internacionais e, no entanto, Israel matou pessoas dentro de um consulado, com um ataque direto.

Khatib - Me parece que Israel planejou habilmente um ataque que poderia ser considerado como não tendo violado qualquer lei internacional, porque o edifício que atacaram supostamente não foi designado como território oficial iraniano. Essa foi a justificativa que eles deram.

Infelizmente, neste contexto da guerra no Oriente Médio e em outros conflitos em geral, tem havido interpretações muito criativas do direito internacional e das leis em matéria de direitos humanos, que permitiram que todos os agentes continuassem a fazer tudo o que queriam.

·        O objetivo de alcançar algum tipo de estabilidade no Oriente Médio está mais distante agora do que nunca?

Khatib - Completamente. Tanto a crise israel x palestina, um conflito que está em ebulição há décadas, como as intervenções do Irã que estão desestabilizando o Oriente Médio, mostram que o objetivo está mais distante.

Infelizmente, tanto o Reino Unido quanto os Estados Unidos e a Europa sempre ignoraram o papel desestabilizador do Irã porque se concentraram no programa nuclear iraniano. E agora estamos vendo as consequências de “fechar os olhos”.

E o mesmo aconteceu com o conflito nos territórios palestinos, que foi ignorado durante décadas sem que se tentasse encontrar uma solução.

Portanto, a única forma de estabilizar a região é tentar resolver estas duas questões em conjunto.

 

Ø  Resposta legítima do Irã fortalece a Causa Palestina e lança o sionismo no isolamento

 

No dia 13 de abril, o Irã lançou mais de 300 drones e mísseis contra alvos militares sionistas, iniciando a operação “Verdadeira Promessa”. Ela ocorre em resposta ao assassinato de dois generais das Guardas Revolucionárias Iranianas por ações do Exército Sionista de Israel no dia 01/04. A operação, que deixou 31 feridos e danificou pelo menos uma base aérea sionista, foi encerrada nas horas seguintes com uma declaração oficial do Irã.

Na declaração de encerramento, o Irã destacou que se tratou de uma resposta feita “com base no artigo 51 da Carta da ONU, relativo à defesa legítima”. O comunicado termina prometendo novos ataques caso o “regime israelense cometa outro erro”, destacando que se trata de um conflito entre Irã e o “regime sionista desonesto”, do qual “o Estados Unidos deve ficar longe”. Portanto, a ação do Irã é respaldada na opinião pública internacional.

Forças militares ligadas ao imperialismo ianque, francês e britânico – além do governo lacaio pró-sionista da Jordania – atuaram para derrubar alguns dos mísseis dirigidos contra Israel. Sem apresentar provas, Israel afirmou que “99% dos mísseis” foram interceptados. E Joe Biden, representante da superpotência hegemônica única (Estados Unidos) declarou que “Israel demonstrou capacidade notável para se defender”. Pura propaganda, uma vez que o próprio porta-voz do Exército Sionista, Daniel Higari, admitiu que houveram perdas significativas na base aérea atingida.

·        Desespero e divisão no governo sionista

Os resultados imediatos foram desastrosos para os sionistas: o pânico tomou conta da população israelense, um boato foi propagado de que o primeiro-ministro e outros dirigentes políticos sionistas estariam deixando o país através do “avião de Sion”. Uma ordenam foi lançada aos residentes do Norte de Israel para que se dirigissem para abrigos anti-bomba. Além disso, o derrotado Exército Sionista ordenou o fechamento do espaço aéreo, cancelou as atividades escolares e lançou uma mobilização para todas as forças reservistas.

Também como resultado imediato, os representantes políticos sionista se mostraram divididos. Segundo o monopólio de imprensa sionista “Times Of Israel”, há consenso que Israel deve responder. Mas está dividido em como fazer. O ministro do Gabinete de Guerra, Benny Gantz, defendeu que o Exército Sionista devesse lançar um ataque contra o Irã ainda enquanto a Operação iraniana estava em andamento. Netanyahu e o ministro da Defesa, Yoav Gallant, foram contra. As informações foram desmentidas pelos envolvidos – o que também não deixa de ser um sinal de que o sionismo está dividido.

·        Conselho da ONU termina sem acordos

O ataque também motivou a convocação, por parte do primeiro-ministro sionista, de uma reunião do Conselho de Segurança da ONU no domingo. A reunião terminou sem acordo e com ataques de Israel ao Irã.

O representante do Estados Unidos afirmou que “o objetivo não é a escalada”, mas defendeu que a melhor forma de evitar essa escalada seria o Conselho da ONU condenar o ataque iraniano, apelando para que a diminuição das tensões.

O embaixador de Israel, Guilad Erdan, comparou o governo iraniano ao Terceiro Reich e Ali Khamenei, líder do Irã, à Hitler. Sem citar os ataques rotineiros à soberania iraniana, o sionista afirmou que Israel tem o direito legal de lançar uma ação em retaliação e acusou a própria ONU e toda a “comunidade internacional” a não agir. O jornalista Jamil Chade, do monopólio de imprensa UOL, relatou que os diplomatas chegaram a dar risadas quando o sionista acusou Irã de não cumprir resoluções da ONU.

Em resposta, o embaixador do Irã defendeu que se tratou de uma operação de “autodefesa” e afirmou que Israel deve ter “cuidado”, além de criticar os imperialistas da França, Reino Unido e Estados Unidos. Ele afirmou que: “O Irã não quer um confronto com o USA”, mas também alertou: “Se os [norte-]americanos iniciarem uma operação militar, vamos usar meios proporcionais”.

Aqui fica claro que a ação do Irã ocorreu no limite. Ela não pôde ser condenada diplomaticamente, mas já aprofundou a divisão entre sionistas e ianques (os primeiros estão sedentos por dar uma resposta, enquanto os ianques já afirmaram que não vão apoiar militarmente). A tendência é que a resposta de Israel, assim que for desatada, agrave o cerco regional a que já está sujeito. Por consequência, o Irã poderá contar com maior apoio político e militar de forças anti-imperialistas da região e de governos que são contrários ao sionismo.

·        Resistência Palestina sai fortalecida

O principal aspecto do ataque sem precedentes do Irã contra alvos sionistas – realizada de modo proporcional, colocando uma derrota no colo do sionismo e obrigando-o a responder, com o que piorará ainda mais sua situação de divisão e condenação internacional – é que a Causa Palestina sai mais fortalecida da crise regional.

As condições externas não poderiam ser mais favoráveis para a derrota do Estado Sionista – que, não obstante, será fruto de uma luta prolongada, persistente e dolorosa, para o que, afinal, a Resistência Palestina já demonstrou estar preparada.

Em uma palavra: a Palestina está pronta para persistir na luta em torno dos três alvos fixados pela Operação Dilúvio de Al-Aqsa: Libertar Jerusalém, libertar os presos políticos palestinos e recolocar a Causa Palestina novamente na ordem do dia.

 

Ø  Paciência estratégica ou nova escalada: como Israel pode responder a ataque do Irã

 

Os militares de Israel afirmam que 99% dos mísseis e drones disparados pelo Irã durante a noite de sábado (13/4) foram interceptados sem atingir os seus alvos. O Irã disse que o ataque foi uma resposta a um ataque mortal a um complexo diplomático iraniano na Síria, há duas semanas.

O que vem a seguir dependerá, em grande parte, de como Israel decidir responder ao ataque deste fim de semana.

Os países da região e de outros lugares, incluindo aqueles que são inimigos do regime iraniano, pediram contenção.

A posição do Irã é mais ou menos assim: "Conta acertada, ponto final, não revide ou montaremos um ataque muito mais forte contra vocês, que não serão capazes de repelir."

Mas Israel já prometeu "uma resposta significativa" e o atual governo tem sido frequentemente chamado de um dos mais linha-dura da história israelense.

É o governo que respondeu, em poucas horas, aos ataques mortais liderados pelo Hamas, em 7 de outubro de 2023, no sul de Israel, e depois passou os seis meses seguintes atacando a Faixa de Gaza.

É pouco provável que o gabinete de guerra de Israel deixe sem resposta este ataque direto do Irã, por mais calibrado e limitado que tenha sido o seu efeito no território.

Então, quais são as opções de Israel?

O país poderia ouvir seus vizinhos na região e exercer o que é conhecido como "paciência estratégica", abstendo-se de responder na mesma moeda e, em vez disso, continuar a atacar os aliados por procuração (proxy allies) do Irã na região, como o Hezbollah no Líbano ou os locais de abastecimento militar na Síria, como vem acontecendo há anos.

Israel poderia retaliar com uma série de ataques com mísseis de longo alcance semelhantes, cuidadosamente calibrados, visando apenas as bases de mísseis a partir das quais o Irã lançou o ataque deste fim de semana.

Play video, "View from Israel as Iran launches dozens of missiles", Duration 0,30

Isso ainda seria visto pelo Irã como uma escalada, uma vez que seria a primeira vez que Israel atacaria diretamente o Irã, em vez de atingir as suas milícias por procuração na região.

Ou Israel poderia optar por subir mais um degrau na escalada, alargando a sua possível resposta para incluir bases, campos de treinamento e centros de comando e controle pertencentes ao poderoso Corpo da Guarda Revolucionária do Irã, o IRGC.

Qualquer uma das duas últimas opções corre o risco de provocar novas retaliações por parte do Irã.

A questão chave aqui é se tudo isto arrasta os Estados Unidos, levando a uma guerra de tiros em grande escala entre o Irã e as forças dos EUA na região.

Os EUA têm instalações militares em todos os seis estados árabes do Golfo, bem como na Síria, no Iraque e na Jordânia.

Todos estes poderão tornar-se alvos do enorme arsenal de mísseis balísticos e outros mísseis que o Irã conseguiu acumular ao longo dos anos, apesar das sanções internacionais.

O Irã também poderia fazer algo que há muito tempo ameaça fazer se for atacado: poderia tentar fechar o estrategicamente vital Estreito de Ormuz, usando minas, drones e embarcações de ataque rápido, sufocando quase um quarto do abastecimento mundial de petróleo.

Este é o cenário de pesadelo, arrastando os EUA e os estados do Golfo para uma guerra regional, que muitos governos estão agora trabalhando dia e noite para evitar.

 

Fonte: BBC News Mundo/A Nova Democracia

 

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