'O objetivo do Irã com o ataque foi fazer
um espetáculo para o mundo testemunhar', diz pesquisadora
O Irã lançou
um ataque sem precedentes contra Israel no sábado (13/4), em uma escalada da situação turbulenta
no Oriente Médio.
A ofensiva do Irã é
uma retaliação ao ataque ao seu consulado em Damasco, na Síria, que matou
comandantes militares iranianos no início deste mês. O ataque foi atribuído a
Israel, embora o país não tenha assumido a autoria.
Após o ataque do Irã,
Israel disse que, com a ajuda dos Estados Unidos, interceptou quase todos os mais de 300
drones e mísseis lançados pelo país.
O ministro da Defesa
israelense, Yoav Gallant, afirmou que o confronto com o Irã “ainda não acabou”.
Mas o Irã disse que o
ataque “alcançou seus objetivos” e acrescentou que usará uma força maior força
se Israel realiar.
Para entender o que
pode acontecer agora em uma região que já é palco da guerra na Faixa de Gaza, a
BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) conversou com Lina Khatib,
pesquisadora especialista em Oriente Médio ligada à Chatham House, uma
consultoria e centro de pesquisas em Londres.
LEIA A ENTREVISTA:
·
Porque é que o Irã fez
este ataque agora?
Lina
Khatib - Acredita-se que o objetivo do Irã com este
ataque foi proporcionar uma espécie de espectáculo para o mundo testemunhar.
(A ofensiva) foi
amplamente coreografada e bastante limitada. E até o próprio Irã emitiu uma
declaração após o ataque em que dizia: “consideramos o assunto encerrado”,
referindo-se à possibilidade de retaliação.
Isto mostra que o Irã
queria enviar uma mensagem muito clara e firme para impor respeito e ser visto
como capaz de responder diretamente a Israel (após o ataque em Damasco).
Mas é claro que o Irã
não quer que a coisa se torne uma escalada de tensões.
·
Israel disse que “o
confronto com o Irã não acabou”. Existe o perigo de qualquer um dos lados
lançar outro ataque e escalar a disputa?
Khatib
- Estamos em um momento muito perigoso porque
mostra a 'audácia do Irã', como descrito pelos políticos ocidentais.
Penso que o Irã é um
país que se sente muito vulnerável militarmente diante de Israel e dos Estados
Unidos, e essa vulnerabilidade traduz-se muitas vezes em 'audácia'.
Portanto, não creio
que este seja o fim das tensões entre o Irã e Israel e isto mostra a
importância de os aliados ocidentais apresentarem uma estratégia abrangente
contra o Irã.
·
A resposta ao ataque
foi uma demonstração da capacidade do sistema de defesa aérea de Israel, que
conseguiu interceptar a maioria dos mísseis e drones lançados por Teerã?
Khatib
- Sim. E Israel mostrou ao Irã que não está
sozinho.
A intercepção de
mísseis iranianos no sábado dependeu em grande parte dos Estados Unidos e de
seus aliados na região, como a Jordânia e o Egito.
Isto foi muito bem
demonstrado após o ataque e foi uma mensagem para Teerã.
Da mesma forma, o Irã
mostrou que possui um poder militar significativo, mas este poder não será
suficiente para derrotar militarmente Israel.
·
Mas os Estados Unidos
estariam dispostos a participar de um ataque contra o Irã se Israel decidisse
realizá-lo?
Khatib
- Não creio que alguém esteja disposto a
fazer isso. A resposta israelense já foi bastante firme.
Mas também penso que
se alguém foi recompensado pelas ações do Irão no sábado, foi o governo de
Benjamin Netanyahu, que alcançou uma vitória importante ao defender com sucesso
Israel após o ataque.
·
Alguns analistas
afirmaram que foi Israel quem iniciou esta escalada de tensões com o ataque ao
consulado iraniano em Damasco no início de abril. Você concorda?
Khatib
- Não. Este período específico (de tensões)
faz parte do quadro mais amplo que começou em 7 de outubro com o ataque do
Hamas a Israel.
Pouco depois desse
ataque, o Hezbollah no Líbano, os Houthis no Iêmen e grupos apoiados pelo Irã
na Síria e no Iraque também começaram a atacar Israel.
Portanto, trata-se de
um contexto mais amplo que vai além deste conflito.
·
Os Estados Unidos
falam frequentemente em respeitar as leis e os sistemas jurídicos
internacionais e, no entanto, Israel matou pessoas dentro de um consulado, com
um ataque direto.
Khatib
- Me parece que Israel planejou habilmente um
ataque que poderia ser considerado como não tendo violado qualquer lei
internacional, porque o edifício que atacaram supostamente não foi designado
como território oficial iraniano. Essa foi a justificativa que eles deram.
Infelizmente, neste
contexto da guerra no Oriente Médio e em outros conflitos em geral, tem havido
interpretações muito criativas do direito internacional e das leis em matéria
de direitos humanos, que permitiram que todos os agentes continuassem a fazer
tudo o que queriam.
·
O objetivo de alcançar
algum tipo de estabilidade no Oriente Médio está mais distante agora do que
nunca?
Khatib
- Completamente. Tanto a crise israel x
palestina, um conflito que está em ebulição há décadas, como as intervenções do
Irã que estão desestabilizando o Oriente Médio, mostram que o objetivo está
mais distante.
Infelizmente, tanto o
Reino Unido quanto os Estados Unidos e a Europa sempre ignoraram o papel
desestabilizador do Irã porque se concentraram no programa nuclear iraniano. E
agora estamos vendo as consequências de “fechar os olhos”.
E o mesmo aconteceu
com o conflito nos territórios palestinos, que foi ignorado durante décadas sem
que se tentasse encontrar uma solução.
Portanto, a única
forma de estabilizar a região é tentar resolver estas duas questões em
conjunto.
Ø Resposta legítima do Irã fortalece a Causa Palestina e lança o
sionismo no isolamento
No dia 13 de abril, o
Irã lançou mais de 300 drones e mísseis contra alvos militares sionistas,
iniciando a operação “Verdadeira Promessa”. Ela ocorre em resposta ao
assassinato de dois generais das Guardas Revolucionárias Iranianas por ações do
Exército Sionista de Israel no dia 01/04. A operação, que deixou 31 feridos e
danificou pelo menos uma base aérea sionista, foi encerrada nas horas seguintes
com uma declaração oficial do Irã.
Na declaração de
encerramento, o Irã destacou que se tratou de uma resposta feita “com base no
artigo 51 da Carta da ONU, relativo à defesa legítima”. O comunicado termina
prometendo novos ataques caso o “regime israelense cometa outro erro”,
destacando que se trata de um conflito entre Irã e o “regime sionista
desonesto”, do qual “o Estados Unidos deve ficar longe”. Portanto, a ação do
Irã é respaldada na opinião pública internacional.
Forças militares
ligadas ao imperialismo ianque, francês e britânico – além do governo lacaio
pró-sionista da Jordania – atuaram para derrubar alguns dos mísseis dirigidos
contra Israel. Sem apresentar provas, Israel afirmou que “99% dos mísseis”
foram interceptados. E Joe Biden, representante da superpotência hegemônica
única (Estados Unidos) declarou que “Israel demonstrou capacidade notável para
se defender”. Pura propaganda, uma vez que o próprio porta-voz do Exército
Sionista, Daniel Higari, admitiu que houveram perdas significativas na base
aérea atingida.
·
Desespero e divisão no
governo sionista
Os resultados
imediatos foram desastrosos para os sionistas: o pânico tomou conta da
população israelense, um boato foi propagado de que o primeiro-ministro e
outros dirigentes políticos sionistas estariam deixando o país através do
“avião de Sion”. Uma ordenam foi lançada aos residentes do Norte de Israel para
que se dirigissem para abrigos anti-bomba. Além disso, o derrotado Exército
Sionista ordenou o fechamento do espaço aéreo, cancelou as atividades escolares
e lançou uma mobilização para todas as forças reservistas.
Também como resultado
imediato, os representantes políticos sionista se mostraram divididos. Segundo
o monopólio de imprensa sionista “Times Of Israel”, há consenso que Israel deve
responder. Mas está dividido em como fazer. O ministro do Gabinete de Guerra,
Benny Gantz, defendeu que o Exército Sionista devesse lançar um ataque contra o
Irã ainda enquanto a Operação iraniana estava em andamento. Netanyahu e o
ministro da Defesa, Yoav Gallant, foram contra. As informações foram
desmentidas pelos envolvidos – o que também não deixa de ser um sinal de que o
sionismo está dividido.
·
Conselho da ONU
termina sem acordos
O ataque também
motivou a convocação, por parte do primeiro-ministro sionista, de uma reunião
do Conselho de Segurança da ONU no domingo. A reunião terminou sem acordo e com
ataques de Israel ao Irã.
O representante do
Estados Unidos afirmou que “o objetivo não é a escalada”, mas defendeu que a
melhor forma de evitar essa escalada seria o Conselho da ONU condenar o ataque
iraniano, apelando para que a diminuição das tensões.
O embaixador de
Israel, Guilad Erdan, comparou o governo iraniano ao Terceiro Reich e Ali
Khamenei, líder do Irã, à Hitler. Sem citar os ataques rotineiros à soberania
iraniana, o sionista afirmou que Israel tem o direito legal de lançar uma ação
em retaliação e acusou a própria ONU e toda a “comunidade internacional” a não
agir. O jornalista Jamil Chade, do monopólio de imprensa UOL, relatou que os
diplomatas chegaram a dar risadas quando o sionista acusou Irã de não cumprir
resoluções da ONU.
Em resposta, o
embaixador do Irã defendeu que se tratou de uma operação de “autodefesa” e
afirmou que Israel deve ter “cuidado”, além de criticar os imperialistas da
França, Reino Unido e Estados Unidos. Ele afirmou que: “O Irã não quer um
confronto com o USA”, mas também alertou: “Se os [norte-]americanos iniciarem
uma operação militar, vamos usar meios proporcionais”.
Aqui fica claro que a
ação do Irã ocorreu no limite. Ela não pôde ser condenada diplomaticamente, mas
já aprofundou a divisão entre sionistas e ianques (os primeiros estão sedentos
por dar uma resposta, enquanto os ianques já afirmaram que não vão apoiar
militarmente). A tendência é que a resposta de Israel, assim que for desatada,
agrave o cerco regional a que já está sujeito. Por consequência, o Irã poderá
contar com maior apoio político e militar de forças anti-imperialistas da
região e de governos que são contrários ao sionismo.
·
Resistência Palestina
sai fortalecida
O principal aspecto do
ataque sem precedentes do Irã contra alvos sionistas – realizada de modo
proporcional, colocando uma derrota no colo do sionismo e obrigando-o a
responder, com o que piorará ainda mais sua situação de divisão e condenação
internacional – é que a Causa Palestina sai mais fortalecida da crise regional.
As condições externas
não poderiam ser mais favoráveis para a derrota do Estado Sionista – que, não
obstante, será fruto de uma luta prolongada, persistente e dolorosa, para o
que, afinal, a Resistência Palestina já demonstrou estar preparada.
Em uma palavra: a
Palestina está pronta para persistir na luta em torno dos três alvos fixados
pela Operação Dilúvio de Al-Aqsa: Libertar Jerusalém, libertar os presos
políticos palestinos e recolocar a Causa Palestina novamente na ordem do dia.
Ø
Paciência estratégica ou nova escalada:
como Israel pode responder a ataque do Irã
Os militares de Israel
afirmam que 99% dos mísseis e drones disparados pelo Irã durante a noite de sábado (13/4) foram interceptados sem atingir os seus alvos. O
Irã disse que o ataque foi uma resposta a um ataque mortal a um complexo diplomático iraniano na Síria, há duas semanas.
O que vem a seguir
dependerá, em grande parte, de como Israel decidir responder ao ataque deste
fim de semana.
Os países da região e
de outros lugares, incluindo aqueles que são inimigos do regime iraniano,
pediram contenção.
A posição do Irã é
mais ou menos assim: "Conta acertada, ponto final, não revide ou
montaremos um ataque muito mais forte contra vocês, que não serão capazes de
repelir."
Mas Israel já prometeu
"uma resposta significativa" e o atual governo tem sido
frequentemente chamado de um dos mais linha-dura da história israelense.
É o governo que
respondeu, em poucas horas, aos ataques mortais liderados pelo Hamas, em 7 de outubro de 2023,
no sul de Israel, e depois passou os seis meses
seguintes atacando a Faixa de Gaza.
É pouco provável que o
gabinete de guerra de Israel deixe sem resposta este ataque direto do Irã, por
mais calibrado e limitado que tenha sido o seu efeito no território.
Então, quais são as
opções de Israel?
O país poderia ouvir
seus vizinhos na região e exercer o que é conhecido como "paciência
estratégica", abstendo-se de responder na mesma moeda e, em vez disso,
continuar a atacar os aliados por procuração (proxy allies) do Irã na região,
como o Hezbollah no Líbano ou os locais de abastecimento militar na Síria, como
vem acontecendo há anos.
Israel poderia
retaliar com uma série de ataques com mísseis de longo alcance semelhantes,
cuidadosamente calibrados, visando apenas as bases de mísseis a partir das
quais o Irã lançou o ataque deste fim de semana.
Play video, "View from Israel as Iran launches dozens of
missiles", Duration 0,30
Isso ainda seria visto
pelo Irã como uma escalada, uma vez que seria a primeira vez que Israel
atacaria diretamente o Irã, em vez de atingir as suas milícias por procuração
na região.
Ou Israel poderia
optar por subir mais um degrau na escalada, alargando a sua possível resposta
para incluir bases, campos de treinamento e centros de comando e controle
pertencentes ao poderoso Corpo da Guarda Revolucionária do Irã, o IRGC.
Qualquer uma das duas
últimas opções corre o risco de provocar novas retaliações por parte do Irã.
A questão chave aqui é
se tudo isto arrasta os Estados Unidos, levando a uma guerra de tiros em grande
escala entre o Irã e as forças dos EUA na região.
Os EUA têm instalações
militares em todos os seis estados árabes do Golfo, bem como na Síria, no
Iraque e na Jordânia.
Todos estes poderão
tornar-se alvos do enorme arsenal de mísseis balísticos e outros mísseis que o
Irã conseguiu acumular ao longo dos anos, apesar das sanções internacionais.
O Irã também poderia
fazer algo que há muito tempo ameaça fazer se for atacado: poderia tentar
fechar o estrategicamente vital Estreito de Ormuz, usando minas, drones e
embarcações de ataque rápido, sufocando quase um quarto do abastecimento
mundial de petróleo.
Este é o cenário de
pesadelo, arrastando os EUA e os estados do Golfo para uma guerra regional, que
muitos governos estão agora trabalhando dia e noite para evitar.
Fonte: BBC News Mundo/A
Nova Democracia
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