De terapia a medicação, diferentes técnicas
compõem tratamento de tabagismo
A psicóloga Eliane
Camarini, 69, lembra que começou a fumar ainda jovem, com 18 anos. O motivo? Recém-ingressa
no ensino superior, ela queria fazer parte do grupo daqueles considerados
adeptos da liberdade. "Eu levava meu cigarro e meu mini cinzeiro [para a
sala de aula]", recorda.
Esse começo de relação
com o fumo podia ser comparada a uma lua de mel na vida de Camarini. O cigarro
representava um status e era restrito a momentos específicos, como de diversão.
Com o tempo, no entanto, a dependência aumentou. Quando tinha cerca de 22 anos
e casada com um fumante, Camarini já fumava cerca de 10 a 12 cigarros por dia.
Com o tempo, a
quantidade aumentou. Quando estava com cerca de 50 anos, passou por problemas
pessoais, o que piorou a dependência, chegando a fumar até um maço por dia.
"O cigarro virou minha muleta", relata.
Ela até tinha vontade
de parar de fumar, mas o principal motivo era a pressão que sofria dos outros
para abandonar o cigarro. A psicóloga até tentou diminuir o hábito por conta
própria, mas só foi em 2017 que ela encontrou a solução para o problema. Camarini
descobriu que o Cratod (Centro de Referência em Álcool, Tabaco e outras
Drogas), no estado de São Paulo, conta com um serviço específico para aqueles
na busca de deixar o cigarro.
Inicialmente, Camarini
ingressou em um grupo em que pessoas na mesma situação que ela contavam seus
desafios com o tabagismo. Nesses contextos, ela também contava com apoio
psicológico.
Nesse período, que
durou cerca de um mês, ela diminuiu a quantidade de cigarros fumados por dia,
chegando a marca de dez. Então, em setembro daquele ano, ela informou seu
desejo de parar definitivamente de fumar ao psiquiatra que a acompanhava.
Foi em 11 de setembro
daquele ano que Camarini fumou seu último cigarro. Ela continuou com o
acompanhamento psicológico por grupo que já vinha fazendo, mas também passou a
utilizar um antidepressivo e adesivo de reposição de nicotina.
A psicóloga conta que
a abstinência não foi muito grande, "mas, no primeiro momento, senti o
luto por ter perdido meu melhor amigo". Raiva, ansiedade, taquicardia e
tristeza foram sentidos por ela durante os primeiros momentos que deixou o cigarro.
Com o tempo, foi melhorando e ela deixou o serviço de cessação de tabagismo
cerca de noves meses após ter fumado o último cigarro.
"No meu caso, o
processo foi de total importância, sem ele eu não conseguiria parar de
fumar", conta.
A adoção de
estratégias advindas da psicologia e de medicamentos para tratar o tabagismo,
como ocorreu no caso de Camarini, é considerada essencial para deixar o vício.
Silvia Cury, gerente de saúde mental do Hcor (Hospital do Coração) e psicóloga
que atende tabagistas, explica que a principal corrente psicológica para esse
fim é a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC).
A TCC trabalha os
aspectos emocionais que envolvem a dependência pelo tabaco. E isso é importante
porque o cigarro causa dependência física, associada a substâncias do tabaco,
mas também dependência emocional. Esse processo está associado com o fato de que
a nicotina libera endorfina, o que diminui ansiedade e aumenta o prazer de
forma automática. Por isso, o fumante tende a associar o cigarro a resolução de
situações difíceis que ele passa, mesmo que o indivíduo não perceba essa
associação.
A ideia da terapia,
então, é entender quais são as circunstâncias que geram esses gatilhos e o que
a pessoa pode fazer para lidar com isso sem fumar. No caso de Cury, ela
inicialmente traça um perfil do fumante por meio de um questionário. "Eu
pergunto desde quando ele começa a fumar, em quais situações", relata. Com
essas respostas, ela acessa o grau de dependência da pessoa.
Em complemento, existe
outro mecanismo que ajuda a compreender de que forma o cigarro é utilizado pelo
usuário -se para gerar prazer ou controlar ansiedade, por exemplo. Assim, o
fumante entende melhor como funciona a relação dele com o cigarro e trabalha,
por meio da terapia, mecanismos para lidar com essas situações sem utilizar o
cigarro.
A psicóloga ainda
adota um diário de cigarro, em que o paciente escreve sobre os cigarros fumados
no dia e as situações em que isso ocorreu. "Ele vai começando a entender
um pouco melhor como que ele é enquanto fumante", diz Cury.
OUTRAS ESTRATÉGIAS
Esse tipo de terapia
por si só, no entanto, pode não ser suficiente para fazer uma pessoa deixar de
fumar. A adoção de medicamentos, como antidepressivos, pode ser necessário.
Sabrina Presman, psicóloga e membra do conselho consultivo da Abead (Associação
Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas), afirma que os remédios
diminuem a abstinência, ajudando a trabalhar as partes psicológicas do vício
por meio da TCC.
Mas ela afirma que é
importante entender que não existe uma bala de prata -por exemplo, reposição de
nicotina ou antidepressivos não farão milagres sozinhos. "Cada uma das
estratégias separadas é menos eficaz que tudo junto", diz.
Algo que também pode
ser feito é integrar outras metodologias a TCC. Uma dessas é o mindfulness, que
pode ser traduzido como atenção plena. Utilizando exercícios que buscam o
enfoque a sentimentos, emoções e pensamentos da pessoa, a técnica poderia gerar
efeitos positivos na cessação de tabaco.
Uma revisão
sistemática de 2022 publicada pela Cochrane, no entanto, não viu uma associação
clara entre o mindfulness e a redução do hábito de fumar. Pressman, por outro
lado, explica que a técnica pode ajudar com ansiedade e estresse. Como muitos
fumantes sentem ansiedade como um sintoma de abstinência e estresse como um
fator de gatilho para a vontade de fumar, o mindfulness pode ser útil.
Mas a psicóloga chama
atenção que a estratégia sozinha pode não ter tanto impacto. "Só usar
mindfulness, não trabalha a reformação dos hábitos e das crenças que em relação
a fumar."
Já Jacqueline Scholz,
diretora do programa de tratamento de tabagismo do Incor, defende a técnica de
fumar restrito como uma maneira de parar de fumar. A ideia preconiza que toda
vez que alguém quer fumar, ela precisa sair do local e olhar para parede. O
objetivo é retirar as sensações de prazer que são associados ao cigarro - ao
tirá-lo de um cenário positivo, isso pode reduzir o hábito de fumar.
Mesmo assim, a médica
reitera a importância do uso de medicamentos. "Existe uma parte química
que, quando o indivíduo é privado do cigarro, ele sente irritabilidade,
ansiedade, fissura. A medicação tem a possibilidade de mudar isso",
resume.
Fonte: FolhaPress
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