A legítima crítica ao Supremo
Ao contrário do que
parecem pensar alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), criticar
instituições democráticas não é necessariamente atacá-las ou ameaçá-las.
Tampouco exigir sua autocontenção é ser extremista, e demandar que atuem
conforme a lei não é deslegitimá-las. Ao contrário, quem faz tudo isso de
boa-fé quer aperfeiçoá-las, isto é, quer instituições que não sejam ativistas,
partidárias, arbitrárias, corporativistas ou pessoais.
Pode parecer ocioso
dizer que o debate público num ambiente genuinamente democrático presume total
liberdade para questionar o poder, mas nos tempos que correm, em que as
críticas aos exageros do STF são tomadas como atentados ao Estado Democrático
de Direito, é o caso de relembrar que a opinião não pode ser criminalizada.
É evidente que os
liberticidas instrumentalizam a liberdade de opinião para propósitos
indisfarçavelmente antidemocráticos. Quando um Jair Bolsonaro fala em
“liberdade”, obviamente não é a liberdade no sentido liberal democrático, que
garante a todos, indistintamente, o direito de questionar o Estado e suas
instituições a qualquer tempo, e sim a “liberdade” de desmoralizar os pilares
dessas instituições porque estas são um obstáculo para seus projetos
autoritários de poder. Quando Bolsonaro invocava a liberdade de expressão para
deliberadamente desacreditar o sistema de votação para presidente, a intenção
evidente era atacar a alma da democracia, isto é, a ideia de que numa eleição
comprovadamente limpa e justa os derrotados aceitam o resultado, reconhecendo a
legitimidade do vencedor e de todas as instituições que corroboraram a vitória.
Do mesmo modo, não
cabe ingenuidade a propósito das acusações do empresário Elon Musk a respeito
de supostas arbitrariedades cometidas pelo Supremo contra sua rede social, o X
(antigo Twitter), e seus usuários. Alinhado a extremistas de direita mundo afora,
Musk se apresenta como um “absolutista da liberdade de expressão”, mas isso só
vale quando lhe interessa – basta lembrar que ele condescendeu à exigência da
ditadura turca de suspender perfis e tolera em sua rede perfis falsos a serviço
da propaganda do governo chinês, com quem tem vultosos negócios. Suas
contradições, contudo, não importam nem um pouco para a tropa bolsonarista, que
o elevou à categoria de “mito da nossa liberdade”, nas palavras de Bolsonaro.
Essa algaravia
bolsonarista, que é de fato golpista e antidemocrática, tem sido usada pelos
mais loquazes ministros do Supremo como prova de uma alegada ameaça permanente
e generalizada à democracia, justificando dessa forma medidas juridicamente
exóticas, quando não inteiramente desprovidas de base legal, para conter essa
ameaça. Num ambiente assim, qualquer opinião mais contundente em relação ao
Supremo é logo caracterizada como “bolsonarista” e, por conseguinte,
“golpista”.
É o caso, portanto, de
insistir que nem toda crítica ao Supremo tem, subjacente, a intenção de
destruir a democracia. Exigir que o Supremo seja mais claro a respeito dos
parâmetros que adota para as medidas drásticas que tem tomado em sua missão
autoatribuída de salvar a democracia brasileira não é, nem de longe, minar sua
legitimidade. Ao contrário, é constranger o Supremo a seguir o que vai na
Constituição, como se isso já não fosse sua obrigação precípua, justamente por
ser o guardião do texto constitucional.
Portanto, quem tem
minado a legitimidade do Supremo é o próprio Supremo, quando atropela sua
própria jurisprudência, atua de modo claramente político, colabora para a
insegurança jurídica e imiscui-se em questões próprias do Legislativo.
O Brasil testemunhou
um surto de golpismo no 8 de Janeiro, mas hoje as instituições estão, como se
diz, funcionando: o governo está governando; o Legislativo, legislando; e a
imprensa, publicando; enquanto a polícia está nas ruas e o Exército, nos
quartéis. Por que o Supremo segue em mobilização permanente, como se o País
vivesse num 8 de Janeiro interminável? São questões legítimas, que nada têm de
extremismo. Demandar a contenção do Supremo não é ser golpista, é só ser
republicano.
Ø Presidente do STF diz que ataques de Musk são reflexo de negócio
que sustenta engajamento pelo ódio
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), criticou neste domingo, 14, o que chamou de “modelo de
negócio” que se vale do engajamento motivado “por ódio, desinformação
deliberada e teorias conspiratórias”. O ministro condenou o funcionamento das
redes sociais ao ser questionado sobre o embate entre o empresário Elon Musk, dono do X (antigo
Twitter), e o ministro Alexandre de Moraes. Para Barroso, este é um “não assunto” e a questão está
“encerrada”.
“Esses ataques muitas
vezes se escondem na liberdade de expressão, quando na verdade estamos falando
de um modelo de negócio que vive do engajamento mais motivado por ódio,
mentiras, ataques às instituições do que pelo uso racional e moderado”, disse
Barroso em agenda pública em Belo Horizonte (MG), onde está acompanhando a
primeira edição do Exame Nacional da Magistratura, prova apelidada de “Enem dos
Juízes”.
·
‘Não assunto’, diz Barroso sobre embate
entre Musk e STF
“Acabam estimulando o
ódio e ataques às instituições, em nome da liberdade de expressão, quando o que
estão fazendo é ganhar dinheiro”, criticou o presidente do STF, aludindo ao
embate entre Musk e Moraes. Segundo Barroso, a discussão entre o empresário e o
ministro é um assunto “encerrado”.
“Esse assunto
envolvendo o empresário de uma plataforma digital e a justiça brasileira eu
considero encerrado. O Brasil tem Constituição, leis e ordens judiciais”, disse
o presidente do Supremo. Durante o embate com Moraes, Musk ameaçou não cumprir
medidas judiciais para a remoção de conteúdo na rede, ato ao qual o empresário
se referiu como “censura”. Na segunda-feira, 8, Barroso disse que
“faria prevalecer” no País o cumprimento de determinações da Justiça.
Neste domingo, o
ministro voltou a frisar que a questão foi superada. “Se forem observadas (as
medidas judiciais), ficará tudo bem. “Se não forem observados, terão as
consequências previstas na legislação. Portanto, esse passou a ser um ‘não
assunto’”, disse Barroso.
Ø STM tem maior custo por ministro e menor número de ações entre
tribunais superiores
O STM (Superior
Tribunal Militar), órgão máximo da Justiça Militar, julga menos de 1.000
processos por ano e tem o maior custo mensal por ministro, com salários e
benefícios que beiram R$ 78 mil.
Os resultados da corte
são apresentados por críticos à Justiça Militar como argumento para defender a
extinção do tribunal discussão que se arrasta por mais de duas décadas e foi retomada após os ataques às sedes dos três Poderes, em 8 de janeiro de 2023.
Do outro lado,
integrantes e apoiadores do STM sempre reforçam o discurso de que só um órgão
especializado tem a capacidade de analisar na Justiça casos relacionados aos
valores da caserna e das instituições militares com a celeridade necessária
para evitar danos às Forças Armadas.]
Também pleiteiam maior
influência no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que não tem em seus quadros
um integrante da Justiça Militar.
O tribunal finalizou
842 processos em 2023. As outras cortes superiores, em comparação, tiveram
produtividade maior, como o Superior Tribunal de Justiça (412.570 processos
baixados), Tribunal Superior do Trabalho (353.877) e o Tribunal Superior
Eleitoral (11.843).
Os dados coletados
pelo CNJ e divulgados no último boletim "Justiça em Números" dão a
dimensão de cada uma das cortes superiores. Enquanto no STM cada ministro
julgou, em média, 51 processos em 2023, cada magistrado do STJ analisou mais de
12 mil casos no mesmo ano.
As diferenças seguem
grandes quando analisada a quantidade de processos concluídos nos tribunais e o
número de servidores da área judicial. A proporção no STM é de 3 processos por
servidor, número menor que o verificado no STJ (231), TST (229) e TSE (27).
O STM é ainda a corte
superior que mais gasta com salário e benefícios por ministro. O gasto mensal
com cada um dos 15 juízes do tribunal militar é de R$ 77.964.
O valor é menor no TST
(27 ministros, R$ 77.434), no STJ (33 ministros, R$ 55.424) e no TSE (14
ministros, R$ 17.116).
"É uma
instituição muito pesada em termos de organização e funcionamento. E é uma
sinecura, porque o tribunal acaba julgando, em boa parte dos casos, uso de
entorpecentes em ambiente militar basicamente maconha", destaca Maria Celina DAraujo, pesquisadora visitante da PUC-Rio,
que se dedica ao estudo da área militar.
"A Justiça
Militar tem uma estrutura muito grande para julgar poucos casos. Para se fazer
justiça militar não precisa de um tribunal permanente, especializado, ainda
mais em tempos de paz. Os casos no Brasil podem ser perfeitamente julgados em
varas da Justiça comum", completa.
No último ano, os três
crimes mais julgados pelo Superior Tribunal Militar foram estelionato (134
casos), posse ou uso de entorpecente (112) e deserção (92).
A maioria dos
processos que chegaram ao STM (447) foram recursos de instâncias inferiores. Em
dezembro, por exemplo, o colegiado decidiu manter a condenação de 21 militares
e civis envolvidos em esquema de fraudes em licitações de alimentos em Manaus.
O criminalista
Fernando Augusto Fernandes, criador de site sobre julgamentos políticos no STM
durante a ditadura militar, defende que a Justiça Militar seja extinta em
tempos de paz, por ser "uma estrutura sem sentido na democracia".
"Matérias
militares podem ser resolvidas internamente e, se judicializadas, a prestação
jurisdicional pode ser da Justiça comum, mesmo que tenham varas
especializadas."
Em outros casos, os
ministros do Superior Tribunal Militar são criticados por atuarem com
corporativismo ao reduzir penas de oficiais ou militares envolvidos em mortes
de civis.
É o cenário que
envolve o julgamento do caso Evaldo Rosa, músico assassinado por militares do
Exército durante ação que envolveu o disparo de 257 tiros em 2019.
Na primeira parte do
julgamento, o ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira apresentou relatório
favorável à redução de até 28 anos da pena dos oito militares envolvidos na
morte do músico e também do catador Luciano Macedo.
Ele foi acompanhado
pelo ministro-revisor José Coêlho Ferreira, e o julgamento foi interrompido
pelo pedido de vista (mais tempo para análise) da ministra Maria Elizabeth. Não
há previsão de retorno do julgamento.
O STM é formado por 15
ministros, sendo dez militares e cinco civis. Os cargos são ocupados a partir
de indicação do presidente da República e aprovação do Senado.
A ministra Maria
Elizabeth, única mulher no plenário do STM, afirma que o tribunal julga poucos
processos em comparação com as demais cortes superior porque só analisa casos
criminais. Além disso, há regulamentos dentro das Forças Armadas que já
estipulam punições para militares, o que reduz o volume.
Ela entende que não há
corporativismo na Justiça Militar. "É uma Justiça que pune bastante, não
admite acordos de não persecução penal, não tem nenhuma das benesses concedidas
aos réus na Justiça comum", disse a ministra à Folha.
Elizabeth afirma que o
STM se debruça sobre muitos casos de uso de drogas por militares e que, em
regra, a Justiça Militar "é muito dura" nesses processos. Quando
trata sobre crimes cometidos por militares contra civis, como assassinatos
durante operações militares, a situação já é diferente.
"Entendo as
críticas [ao STM] e acho, inclusive, que os crimes dolosos contra a vida
deveriam ser julgados por um tribunal do júri mas nós nunca instituímos um júri sequer", completa.
A ministra diz que a
Justiça Militar "foi criada pela Constituição e respeita todo o devido
processo legal". "A sociedade civil ainda é muito marcada pela
ditadura de 1964. Enquanto as feridas estiverem abertas, a Justiça Militar vai
ter de suportar esse ônus, que é uma grande injustiça", diz a ministra.
Ex-presidentes do STM
também já se manifestaram, em debates anteriores, contra propostas de extinção.
O general Edson Alves Mey disse, em 1999, que o baixo número de processos
julgados no tribunal pode ser resultado da eficiência da própria corte.
"Não é pelo fato
de existirem poucos pacientes que deve-se suspeitar que um hospital está
deficiente; é bem possível que ocorra o contrário: por ele ser eficiente,
existem poucos usuários", disse.
Em 2013, o então
presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa defendeu
abertamente a extinção da Justiça Militar. Em resposta, o então presidente do
STM, general Raymundo Nonato de Cerqueira, disse que a prerrogativa é do
Congresso e que, nem em 1988, "em um clima de revanchismo, isso foi
discutido".
Dois anos depois,
outro presidente do STM, José Coêlho Ferreira, reforçou que só a Justiça
Militar poderia atuar "com a velocidade necessária para evitar danos
irreparáveis à hierarquia e à disciplina".
Fonte: Agencia Estado/FolhaPress
Nenhum comentário:
Postar um comentário