No
sertão da Bahia, municípios chegam a ter 90% da sua área total mapeada para
exploração mineral
A mineração teve início no Brasil no século XX, é
considerada uma herança colonial devido às características que mantêm até hoje,
baseada na concentração fundiária, uso de mão de obra precarizada, produção
voltada para exportação, o que resulta em graves impactos sociais e ambientais
e na solidificação de estruturas de poder econômico e político, tal qual no
colonialismo.
Sua evolução foi marcada pelo avanço da tecnologia,
passando da prática do garimpo artesanal para explosões de grandes massas rochosas
e uso de procedimentos químicos e substâncias contaminantes como cianeto,
mercúrio, ácido sulfúrico etc.
A formação de grandes capitais, especialmente a
partir da ação de corporações transnacionais e multinacionais, é o que sustenta
a mineração em escalas tecnológicas, girando em torno de um sistema produtivo
que envolve, diretamente, aquisição de terras onde ficam situadas as minas,
ferrovias, hidrovias, portos, além da articulação com outros segmentos como
agro e hidronegócio.
Além de ser altamente arriscada à vida dos/das
trabalhadores/as, a atividade mineral, seja ela legal e/ou ilegal, promove
intensa degradação ambiental, inclusive é uma economia totalmente associada ao
racismo ambiental e à existência de desastres, conforme o que o mundo tem assistido
em diversos locais, a exemplo do estado de Minas Gerais nos últimos anos. No
Brasil, de 2001 a 2021, 11 desastres foram computados, acarretando mais de três
mil mortes, de acordo dados do estudo World Mine Tailings Failures, publicado
pela Fase na Cartilha ilustrada para uma análise crítica do modelo mineral
brasileiro.
Sabe-se que os minérios são necessários para a
produção de diversos bens e serviços utilizados diariamente pelas diferentes
classes sociais, a exemplo dos transportes, meios de comunicação, indústria,
comércio, saúde, etc. Porém, o uso desenfreado destes, o consumismo, norteados
pela lógica capitalista, exige um crescimento desmedido da exploração por parte
das empresas, maior parte delas de origem canadense, conforme aponta dados reunidos
pela pesquisadora Juliana Barros, professora da Universidade Federal do
Recôncavo Baiano - UFRB.
Para se produzir um brinco de ouro de 1,5 grama, é
preciso 363 toneladas de material retirado do subsolo; crianças de menos de
dois anos seguram em seus colos celulares e/ou outros aparelhos que utilizam
grandes quantidades de minérios em sua constituição; aumenta a cada dia a
variedade de modelos de carros de passeios e esportivos que movimentam o
mercado aumentando o capital dos grandes fabricantes; pequenos robôs se
multiplicam nas residências apenas para evitar a pessoa levantar para acender
uma lâmpada ou ligar um eletrodoméstico. Estes são apenas exemplos de que há
hoje no mundo um consumo desnecessário de materiais minerais, o que vem
provocando a superexploração e uma série de consequências ao planeta.
A maior parte da população, em geral por
desconhecimento ou desinformação, não enxerga isso como um problema coletivo.
Os governos, por sua vez, entendem que as commodities minerais são estratégias
para os municípios, estados e o país crescerem economicamente, mesmo cientes
dos prejuízos ambientais e socioculturais.
A comunidade de Angico dos Dias, em Campo Alegre de
Lourdes, no norte da Bahia, a 827 km de Salvador, é hoje um caso emblemático de
enfrentamento a problemas com mineradoras. A extração de fosfato tem tirado o
sossego da comunidade tradicional de fundo de pasto, conforme informações da
Diocese de Juazeiro e relatos de moradores/as da localidade. Outras comunidades
do município estão ameaçadas, totalizando mais de 80% do município mapeado para
mineração.
Mas, conforme levantamento feito pela Comissão
Pastoral da Terra - CPT, além deste município que faz divisa com o estado do
Piauí, os outros que compõem o território de atuação da Diocese também possuem
atividade mineral e/ou em boa parte estão mapeados para pesquisa minerária. Na
relação dos minérios encontrados nesta região estão: cobre, ferro, fosfato,
manganês, níquel, ouro, quartzo, quartzito, granito, chumbo, lítio, calcário,
além dos mais comuns, como areia e mármore.
Curaçá, município com estimativa de população
superior a 35 mil pessoas e uma extensão territorial de aproximadamente 6 mil
km², hoje possui 90% do seu território mapeado para mineração (mais de 622 mil
hectares) de acordo com dados levantados pela CPT. Com esse mesmo percentual,
Uauá possui mais de 276 mil hectares mapeados, o que pode impactar o Bioma
Caatinga e diversas comunidades tradicionais que vivem nesses territórios.
A partir do referido levantamento, observa-se que
nos dez municípios que fazem parte da Diocese de Juazeiro, mais de três milhões
de hectares possuem títulos minerários ativos, que vão desde a fase de
requerimento da pesquisa para a exploração mineral, passando pela concessão de
lavra até chegar ao funcionamento de fato das mineradoras. Com relação ao
tamanho das áreas mapeadas, tendo em vista as áreas territoriais dos
municípios, em ordem decrescente destacam-se: Curaçá, Uauá, Juazeiro e Campo
Alegre de Lourdes.
Falso desenvolvimento-Ao contrário do argumento
político de que a atividade mineral garante sustentabilidade econômica, de
acordo com o Governo Federal, foi apenas em 2020 que o setor passou a ser
responsável por 2,5% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional. Isto depois de o
Governo Bolsonaro ter registrado o maior número de outorgas desde 1988,
aumentando significativamente a destruição ambiental e contabilizando o aumento
de 91% da exploração em terras indígenas.
Um empreendimento mineral se estabelece em um
município e opera em média 30 ou 40 anos, segundo dados da CPT. É comum nesta
temporada, desde a fase de pesquisa até encerrar a operação, provocar
destruição de bens naturais como serras, florestas, mananciais, além de
provocar problemas de saúde à população que convive mais próximo dos locais
minerados e acirrar conflitos no campo, impactando povos e comunidades
tradicionais.
As famílias de Angico dos Dias convivem com essa
realidade desde 2005. De acordo com o presidente da Associação de Fundo de
Pasto da localidade, Edinei Soares, a empresa Galvani, para garantir a extração
do fosfato, tem destruído a Caatinga e reservatórios de água, além de trazer
prejuízos à saúde das pessoas que são obrigadas a conviver com a poeira durante
as 24h diárias de operação. A exploração mineral em Angico dos Dias também está
ligada à grilagem de terras e acirramento de conflitos internos na comunidade,
conforme relatam os/as moradores/as do território.
Apesar da instalação da Galvani há quase duas
décadas, Campo Alegre de Lourdes, dos municípios do Território Sertão do São
Francisco com maiores dificuldades de acesso a direitos essenciais como água
potável. Situação semelhante no estado é o município de São Francisco do Conde,
que possui forte presença do setor mineral, no entanto, é um dos municípios
mais pobres do país.
Percebe-se que as grandes vantagens propagandeadas
atendem apenas aos interesses dos investidores, uma vez que o saldo que fica
para o município não é dos melhores. Em geral, os recursos oriundos dos
royalties que entram nos cofres da prefeitura não são usados nem para sanar os
problemas causados à população ou mesmo para manter Unidades de Saúde nas
próprias comunidades. Ou seja, a conta não fecha.
Um estudo realizado na região do Sertão do São
Francisco/BA pela pesquisadora Maryangela Ribeiro, da Universidade do Estado da
Bahia – UNEB, aponta que a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos
Minerais – CFEM “na forma operada, não é eficaz na promoção de melhorias do
bem-estar social das populações de municípios mineradores, (...) o que nos leva
a afirmar que não há certeza quanto à natureza de política pública
compensatória à população dos municípios impactados”. Segundo a pesquisa, não
há apontamentos referentes a utilização dos recursos em “aumento proporcional
aos investimentos na saúde e na educação municipal (...) além do que inexistem
informações transparentes nas Prefeituras Municipais sobre o uso e a destinação
deste recurso”.
Se o custo benefício não é favorável ou os recursos
não chegam para a sociedade em forma de compensação, a mineração não é,
portanto, sinônimo de crescimento socioeconômico para os entes federativos.
Contudo, as notícias referente às investidas dos governos e mineradoras se
multiplicam a cada dia.
Violência Institucional-Uma das primeiras
estratégias das empresas antes de se instalarem em determinado local é comprar
as terras mapeadas para mineração. Isso é necessário porque o subsolo pode ser
explorado com autorização da União, mas é preciso adquirir as áreas para assim
ocupar a superfície. No entanto, muitas dessas áreas são terras públicas
devolutas e estão ocupadas por uma diversidade de comunidades camponesas.
Quando não conseguem comprar essas terras, muitas
empresas acabam utilizando do artifício da grilagem de terras e/ou
desrespeitando os direitos socioterritoriais das comunidades onde pretende-se
instalar o empreendimento. Direitos como a consulta prévia, livre e informada,
prevista na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, da
qual o Brasil é signatário, são atropelados pelo avanço desenfreado do setor
mineral.
Depois de instalada, a tendência é que a empresa
mineradora sempre se expanda, pois a mineração não é uma atividade que
compreende apenas a extração de minério. As áreas são usadas também para
construção de estradas e ferrovias, já que o minério só tem valor se for
vendido e para isso precisa ser transportado. O investimento em ferrovias é
maior devido ao baixo custo deste tipo de transporte.
Se colocar contrário a essas investidas é algo
necessário para quem vive do que a natureza oferece, porém pode custar a
própria vida. Em muitas regiões do Brasil registram-se, inclusive, conflitos
com vítimas fatais, em geral pequenos/as produtores/as rurais, indígenas,
membros de comunidades tradicionais.
Todas as ameaças e impactos que a mineração causa
tem alertado muitas comunidades e levado-as a resistir à instalação de
mineradoras em seus territórios, ainda que em alguns momentos pareça uma luta
difícil. “Nós trabalhadores tem um grande sentimento, a gente sabe que as
terras pra gente plantar o milho, o feijão, a mandioca, tirar o mel, as
mineradoras não deixam mais fazer isso, (…) então o sentimento é triste”,
relata Ricardo Barrense, trabalhador rural de Pilão Arcado, na Bahia.
Enfrentamento-Para fortalecer a discussão acerca do tema,
a CPT Juazeiro realizou nos dias 18 e 19 de maio um seminário que teve como
tema “A quem interessa a mineração?”. O evento reuniu lideranças comunitárias e
estudantes de comunidades hoje atingidas ou ameaçadas pela mineração na
referida região. Na oportunidade, foi apresentado o cenário da mineração na
América Latina e no Brasil, com destaque para as experiências desastrosas em
Minas Gerais, bem como trouxe um olhar para dados regionais.
Presente no evento, o agricultor Márcio Liberato, da
comunidade Retiro de Baixo, em Sento Sé, diz que há dois anos convive com a
presença da Tombador Iron Mineração em sua comunidade e no entorno. Junto com
ela chegaram “promessas de muita riqueza, desenvolvimento, bem estar, qualidade
de vida para a sociedade como um todo, essas melhorias que eles costumam
comentar para fisgar as pessoas”, relata Márcio, afirmando que, na prática, o
que se tem são injustiças sociais.
O impacto da extração de minério de ferro causado
diretamente a uma média de 11 comunidades rurais de Sento Sé motivou, no início
deste ano, manifestações como bloqueio de estradas - que paralisou as
atividades da mineradora por 12 dias, divulgação na mídia e adesão de dezenas
de pessoas ao movimento. Mas, segundo Márcio, a empresa não se dispôs a dialogar
e conta com apoio do poder público local.
Outras ações têm sido realizadas pelas comunidades,
a exemplo de processos nos Ministérios Públicos, romarias, debates, reuniões,
ações diretas e outros instrumentos legais, etc, com intuito de garantir os
direitos das comunidades e traçar estratégias para evitar a chegada destes
empreendimentos em seus territórios, entendendo que depois que se instala fica
mais difícil reverter os prejuízos.
Fonte: Rede GN
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