Centrão
apoia governo, mas segue valorizando seu “passe”
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrou em
campo pessoalmente pela primeira vez para aprovar uma medida de interesse do
governo na Câmara. Antes de a Casa votar a medida provisória que reestrutura os
ministérios, o petista chamou o líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA),
para uma reunião.
Planalto tem dia tenso e encontro de Lula com aliado
de Lira antes de votação de MP
O líder partidário é um dos principais insatisfeitos
com a articulação política do governo. De acordo com relatos feitos por ele a
colegas de partido, Lula reconheceu erros na relação com o partido e prometeu
atender mais a reivindicações do Congresso.
O governo considera que o União Brasil tem três
ministros. São eles Waldez Goes (Integração Nacional), Daniela Carneiro
(Turismo) e Juscelino Filho (Comunicações). Apesar disso, a bancada na Câmara
não se sente contemplada. Os deputados do União dizem que Waldez é ligado
apenas ao senador Davi Alcolumbre (União-AP) e que as escolhas de Daniela e
Juscelino não tiveram a participação dos deputados do partido. O próprio Elmar
tentou ser ministro da Integração, mas foi vetado por ser adversário do PT na
Bahia.
Em um aceno ao líder do União, o presidente admitiu
que o modo como os ministérios do partido foram montados foi equivocada. Apesar
disso, dirigentes da legenda duvidam que Lula vai fazer mudanças significativas
na Esplanada neste momento,
Além disso, o presidente também ligou para o líder
do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
Apesar do aceno ao União Brasil, integrantes da
legenda veem com descrença a tentativa de aproximação. A avaliação é que a
relação com o partido, e com o resto da maioria da Câmara, continuará
conturbada.
Mesmo depois de ter se reunido com Lula, Elmar fez
um duro discurso na Câmara e apontou as falhas da articulação do governo.
Durante a votação, era possível ver o ministro das Comunicações, Juscelino
Filho, e integrantes importantes da Executiva Nacional da legenda, como o vice-presidente
Antonio Rueda e o secretário-geral ACM Neto. A presença da cúpula nacional foi
justificada por conta do “momento político” e da necessidade de acompanhar de
perto a tentativa de emparedar o Planalto.
Apesar do clima geral de insatisfação, o partido não
pretende se declarar oposição e anda tenta conquistar um espaço maior no
governo. Da mesma forma, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), conforme
dizem aliados, quer ter um controle maior do orçamento e indicar ministérios
importantes, como o da Saúde, algo que o Planalto não indicou que vai fazer.
Integrantes do União Brasil também alertam que
membros da cúpula, como Rueda e ACM Neto, nunca foram procurados por nenhum
representante do governo para diálogo. Do contrário, citam o episódio em que
Lula se referiu a ACM Neto como “grampinho”, um apelido que faz referência de
forma pejorativa a seu avô, Antonio Carlos Magalhães.
A avaliação é que, mesmo sem derrubar a MP, a Câmara
conseguiu dar o recado a levar a votação até perto do limite de perder a
validade. A mudança em estruturas, como o esvaziamento do Ministério do Meio
Ambiente, da Casa Civil e do Desenvolvimento Agrário também fizeram parte das
sinalizações.
Até mesmo os líderes do governo, José Guimarães, e o
do PT, Zeca Dirceu, reconhecem que o Planalto precisa ser menos lento na
liberação de verbas e cargos.
Ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira,
que teve as atribuições da Conab esvaziadas, minimizou o episódio.
–( A Conab) Foi compartilhada, conforme acordo que
já tinha sido feito dentro do governo – disse ao GLOBO.
• Lira
prometeu “não sacanear” o governo
A crise entre o Palácio do Planalto e a Câmara dos
Deputados atingiu o ápice nesta quarta-feira, em meio às negociações para a
votação da MP que reestruturou a Esplanada dos Ministérios, aprovada apenas no
fim da noite, seguindo para deliberação no Senado. O dia repleto de tensões
teve direito a falas duras de Arthur Lira (PP-AL) sobre a articulação política
do governo e a um recuo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre um
encontro presencial com o chefe da Casa Legislativa, após uma conversa entre os
dois por telefone. O acirramento do clima em Brasília, no entanto, remonta a um
período anterior até mesmo à posse de Lula em 1º de janeiro.
Os pontos de atrito entre Lira e Lula começaram
semanas depois da vitória do petista no segundo turno. Nos bastidores, o
deputado alagoano deixou claro o incômodo com o empenho do presidente eleito em
articular o fim do orçamento secreto junto a ministros do Supremo Tribunal
Federal, que acabou extinto pela Corte em dezembro. Ainda assim, o presidente da
Câmara foi, no mesmo mês, fundamental para a aprovação da chamada PEC da
Transição, que permitiu o aumento de gastos pelo governo federal em 2023.
As rusgas prosseguiram na formação do ministério,
entre dezembro e janeiro. Aliado de Lira, Elmar Nascimento (União-BA) era
favorito para a Integração Nacional, mas foi preterido em cima da hora por
Waldez Góes (PDT-AP), indicado por Davi Alcolumbre (União-AP).
Além de ter ficado sem nenhuma nomeação no primeiro
escalão, Lira amargou uma derrota dobrada na primeira semana de governo. Renan
Filho (MDB-AL), herdeiro de seu ferrenho adversário estadual Renan Calheiros
(MDB-AL), ficou com o Ministério dos Transportes, pasta considerada um trunfo
político por sua capilaridade e grande poder de realização.
Em janeiro, na véspera da eleição na Câmara — em que
acabou mantido no posto com apoio do PT —, Lira afirmou que tinha uma “relação
tranquila e amistosa” com Lula. Ainda assim, após lembrar o fim do orçamento
secreto, ele advertiu que o governo “perdeu metade da mobilidade” e que teria
“muito mais trabalho” para compor uma base no Congresso.
Após uma curta trégua, Lira iniciou, em março, uma
série de críticas à articulação política do Planalto, que, segundo ele, não
tinha à altura votos “para enfrentar matérias de maioria simples, quanto mais
matérias de quórum constitucional”. O presidente da Câmara também afirmou que
algumas declarações de Lula “só pioram o ambiente”.
No fim de abril, em entrevista ao GLOBO, Lira
reclamou de um excesso de centralização nas negociações palacianas com o
Congresso. Sobre acenos do Planalto, que havia mantidos parentes seus em cargos
na Codevasf e no Incra, retrucou: “E eu também não tenho gestos para o
governo?” Lira chegou a assegurar, na ocasião, que “não iria sacanear” a gestão
petista.
Nesta quinta-feira, enquanto ameaçava sequer colocar
para votação a MP dos ministérios, Lira deu uma declaração repleta de recados
endereçados a Lula, com quem havia conversado ao telefone mais cedo. Chegou a
circular a informação de que os dois conversariam pessoalmente, o que acabou
não ocorrendo — segundo Lira, não houve retorno do Planalto neste sentido.
Em uma tentativa de demonstrar força política, o
presidente da Câmara lembrou, durante a fala, que foi eleito para comandar a
Casa com uma adesão recorde e apoio de diferentes correntes, da esquerda à
direita. Ele voltou a criticar as dificuldades do Planalto no trato junto ao
Congresso:
— O presidente da Câmara ajuda, mas ele não é líder
do governo ou da oposição. Sou o presidente que mais teve votos de todas as
vertentes. Venho alertando o governo dessa falta de pragmatismo. Há falta de
consideração, de atendimento.
Partidos
‘bolsonaristas’ ajudaram mais Lula que União
Responsável por indicar três ministros para o
governo Lula, incluindo dois dos ministros mais questionados da Esplanada dos
Ministérios, o União Brasil está entregando menos votos ao Palácio do Planalto
na Câmara dos Deputados do que partidos como PP e Republicanos, aponta
levantamento feito pelo GLOBO.
O índice de adesão de obediência do União Brasil às
orientações do governo é de 54%. Em comparação, o PP, partido do presidente da
Câmara, Arthur Lira, tem índice de 56% e o Republicanos, 58%. Esses dois
partidos, oficialmente, não fazem parte da base aliada, já que não têm nenhum
representante no ministério do governo petista.
Outros partidos com representantes no governo, MDB e
PSD, tem demonstrado mais obediência: os deputados do MDB votaram com o governo
69% das vezes e os do PSD, 72%. Assim como o União Brasil, o MDB e o PSD também
indicaram três ministros na formação do gabinete de Lula.
Esse índice leva em conta todas as votações em que o
governo orientou seus integrantes no plenário da Câmara. Os dados apontam que,
como previsto durante a formação de governo, o partido não conseguiria entregar
uma aliança completa com o governo, já que a sigla conta com parlamentares
historicamente contrários ao PT, como Kim Kataguiri, o que mais votou contra a
orientação do governo no União Brasil. Mas junto com ele estão outros
parlamentares como Alfredo Gaspar, Fabio Schiochet, Rodrigo Valadares e
Rosângela Moro.
No início do governo, as lideranças do Palácio do
Planalto tinham esperanças muito maiores em relação à fidelidade dessas siglas.
Líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues chegou a dizer que esperava
uma fidelidade de 80% dos deputados do União Brasil. No caso de PSD e MDB, a
fidelidade esperada era de 80% a 90%.
Esse número está perto para o PSD, mas, como o GLOBO
mostrou nesta quarta-feira, ela não vem acontecendo em votações prioritárias.
Considerando apenas as votações da derrubada dos decretos do Marco do
Saneamento, a votação do marco temporal e o requerimento de urgência do PL das
Fake News, o PSD deu apenas 34% de seus votos, enquanto o MDB deu 32%. A
situação do União Brasil é ainda mais preocupante: nesses três projetos, o
índice de adesão foi de 14%.
Na votação da MP dos Ministérios nesta quarta-feira,
novamente, o União Brasil foi menos fiel ao governo do que até mesmo outros
partidos que não fazem parte oficialmente da base aliada, como o PP e o
Republicanos. Ao todo, 30% dos deputados do União (15 dos 50 que votaram) que
participaram da votação se posicionaram contra o governo. No PP, 20% votaram
contra o governo (9 dos 41 deputados) e no Republicanos, de 18% (o equivalente
a 7 dos 38 deputados).
Ironicamente, o presidente da União Brasil, Luciano
Bivar, tem um índice de obediência de 100%: nas 19 votações em que participou e
que o governo orientou, votou junto com o governo nas 19 vezes. Bivar,
entretanto, só esteve presente em uma das votações mais relevantes, a do PL das
Fake News. Ele esteve ausente das votações do marco temporal e da derrubada dos
decretos do Marco do Saneamento.
No MDB, a maior fidelidade fica por conta da
deputada Elcione Barbalho. Não por acaso, a parlamentar tem uma ligação
sanguínea com o governo Lula: ela é a mãe do ministro das Cidades, Jader Filho,
e foi esposa do senador Jader Barbalho (MDB-PA). Entretanto, alguns
parlamentares alinhados ao bolsonarismo tem uma votação que indica que
provavelmente sempre podem contar como um voto contra o governo, como é o caso
de Osmar Terra (MDB-RS), que só votou da mesma forma que o governo em 2 de 31
votações (6%).
No PSD, o deputado mais fiel ao governo é Antônio
Brito (PSD-BA), seguido por Sidney Leite (PSD-AM). Brito é o líder do partido
na Câmara, o que explica o fato do partido ser, entre os três, o mais fiel ao
governo. Brito tem uma postura próxima ao PT desde a transição, quando integrou
o conselho político do presidente como representante da sigla.
Por outro lado, o PSD também tem entre seus
deputados alguns parlamentares reconhecidos pelo seu alinhamento ao
antipetismo, como Sargento Fahur (PSD-PR). Ele votou da mesma forma que o
governo em apenas 15% das votações analisadas.
Osmar
Terra segue bolsonarista apesar de estar na base do governo
Ex-ministro do governo Jair Bolsonaro, o deputado
federal Osmar Terra (MDB-RS) é o parlamentar dos partidos da base do governo
que mais desobedeceu ao governo, aponta levantamento feito pelo GLOBO. Até
agora, ele só seguiu o governo em 2 das 31 votações em que participou e em que
houve orientação do Planalto para sua bancada. Por outro lado, 53 parlamentares
votaram como o Palácio do Planalto recomendou em todas as suas votações.
Os dados reforçam os problemas que o governo
enfrenta no Congresso Nacional. Segundo os números, 28 deputados, todos eles do
PSD, do União ou do MDB, votaram contra o governo em mais da metade de seus
votos até o momento. Nesse grupo, além de Osmar Terra, estão nomes com atuação
histórica contra o PT, como Kim Kataguiri (MDB), Rosângela Moro (União),
Mendonça Filho (União) e Sargento Fahur (PSD).
Liderança do MBL, movimento que liderou os protestos
pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), por exemplo, Kataguiri
votou da mesma forma que o governo em 20% de seus votos: ele participou de 40
votações. Ele foi o terceiro mais “desobediente” da base.
Entretanto, ele, assim como Sargento Fahur, o
segundo mais desobediente, com 15%, são considerados inatingíveis para a
articulação política do governo. Em outras palavras, mesmo que MDB, PSD e União
mudem a postura e se alinhem mais com o governo, é improvável que esses
parlamentares comecem a votar seguindo a orientação do governo.
Como padrão de comparação, outros deputados da base
tem um grau de fidelidade muito maior. Dos 53 deputados que votaram sempre com
o governo, 50 são do PT. Os outros três são do PSB (Pedro Campos), do União
(Luciano Bivar) e do Avante (André Janones). No caso do PSB, por exemplo, o
deputado mais desobediente é Heitor Schuch (PSB-RS), mas que mesmo assim seguiu
o governo em 77% dos seus votos.
Da mesma forma, no PDT, o deputado mais infiel é
Félix Mendonça Junior, com 67% de votação com o governo. Entretanto, a maioria
dos parlamentares do partido vem seguindo as orientações feitas aos
governistas: a média de adesão do partido é de 87%.
Para esse levantamento, o GLOBO considerou apenas
deputados que participaram de mais de 10 votações. Até o momento, o governo
orientou a bancada, para votar “Sim” ou “Não” em 63 votações.
O governo vive, nesta semana, o seu momento mais
tenso na relação com o Congresso. Diante de uma base frágil, enfrenta
dificuldades para aprovar o relatório do deputado Isnaldo Bullhões (MDB-AL), já
referendado em comissão especial na última quarta-feira. Nesta quarta-feira,
antes da votação da MP da Esplanada, o presidente da Câmara, Arthur Lira,
criticou a articulação política do governo.
— Se resultado não for de aprovação, a Câmara não
deverá ser responsável pela falta de organização do governo. Se o governo
tivesse todos os votos par a aprovação, teríamos votado ontem. O presidente da
Câmara (ele próprio) ajuda, mas não é líder de governo ou da oposição. Venho,
há muito tempo, alertando o governo sobre essa falta de pragmatismo,
consideração e atendimento — afirmou ao chegar à Câmara para reunião com
líderes partidários. — Há uma insatisfação generalizada dos deputados, e talvez
dos senadores, que ainda não se posicionaram, com a falta de articulação
política do governo, não de um ou outro ministro.
Fonte: O Globo
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