sexta-feira, 2 de junho de 2023

Centrão apoia governo, mas segue valorizando seu “passe”

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrou em campo pessoalmente pela primeira vez para aprovar uma medida de interesse do governo na Câmara. Antes de a Casa votar a medida provisória que reestrutura os ministérios, o petista chamou o líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), para uma reunião.

Planalto tem dia tenso e encontro de Lula com aliado de Lira antes de votação de MP

O líder partidário é um dos principais insatisfeitos com a articulação política do governo. De acordo com relatos feitos por ele a colegas de partido, Lula reconheceu erros na relação com o partido e prometeu atender mais a reivindicações do Congresso.

O governo considera que o União Brasil tem três ministros. São eles Waldez Goes (Integração Nacional), Daniela Carneiro (Turismo) e Juscelino Filho (Comunicações). Apesar disso, a bancada na Câmara não se sente contemplada. Os deputados do União dizem que Waldez é ligado apenas ao senador Davi Alcolumbre (União-AP) e que as escolhas de Daniela e Juscelino não tiveram a participação dos deputados do partido. O próprio Elmar tentou ser ministro da Integração, mas foi vetado por ser adversário do PT na Bahia.

Em um aceno ao líder do União, o presidente admitiu que o modo como os ministérios do partido foram montados foi equivocada. Apesar disso, dirigentes da legenda duvidam que Lula vai fazer mudanças significativas na Esplanada neste momento,

Além disso, o presidente também ligou para o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).

Apesar do aceno ao União Brasil, integrantes da legenda veem com descrença a tentativa de aproximação. A avaliação é que a relação com o partido, e com o resto da maioria da Câmara, continuará conturbada.

Mesmo depois de ter se reunido com Lula, Elmar fez um duro discurso na Câmara e apontou as falhas da articulação do governo. Durante a votação, era possível ver o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, e integrantes importantes da Executiva Nacional da legenda, como o vice-presidente Antonio Rueda e o secretário-geral ACM Neto. A presença da cúpula nacional foi justificada por conta do “momento político” e da necessidade de acompanhar de perto a tentativa de emparedar o Planalto.

Apesar do clima geral de insatisfação, o partido não pretende se declarar oposição e anda tenta conquistar um espaço maior no governo. Da mesma forma, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), conforme dizem aliados, quer ter um controle maior do orçamento e indicar ministérios importantes, como o da Saúde, algo que o Planalto não indicou que vai fazer.

Integrantes do União Brasil também alertam que membros da cúpula, como Rueda e ACM Neto, nunca foram procurados por nenhum representante do governo para diálogo. Do contrário, citam o episódio em que Lula se referiu a ACM Neto como “grampinho”, um apelido que faz referência de forma pejorativa a seu avô, Antonio Carlos Magalhães.

A avaliação é que, mesmo sem derrubar a MP, a Câmara conseguiu dar o recado a levar a votação até perto do limite de perder a validade. A mudança em estruturas, como o esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente, da Casa Civil e do Desenvolvimento Agrário também fizeram parte das sinalizações.

Até mesmo os líderes do governo, José Guimarães, e o do PT, Zeca Dirceu, reconhecem que o Planalto precisa ser menos lento na liberação de verbas e cargos.

Ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, que teve as atribuições da Conab esvaziadas, minimizou o episódio.

–( A Conab) Foi compartilhada, conforme acordo que já tinha sido feito dentro do governo – disse ao GLOBO.

•        Lira prometeu “não sacanear” o governo

A crise entre o Palácio do Planalto e a Câmara dos Deputados atingiu o ápice nesta quarta-feira, em meio às negociações para a votação da MP que reestruturou a Esplanada dos Ministérios, aprovada apenas no fim da noite, seguindo para deliberação no Senado. O dia repleto de tensões teve direito a falas duras de Arthur Lira (PP-AL) sobre a articulação política do governo e a um recuo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre um encontro presencial com o chefe da Casa Legislativa, após uma conversa entre os dois por telefone. O acirramento do clima em Brasília, no entanto, remonta a um período anterior até mesmo à posse de Lula em 1º de janeiro.

Os pontos de atrito entre Lira e Lula começaram semanas depois da vitória do petista no segundo turno. Nos bastidores, o deputado alagoano deixou claro o incômodo com o empenho do presidente eleito em articular o fim do orçamento secreto junto a ministros do Supremo Tribunal Federal, que acabou extinto pela Corte em dezembro. Ainda assim, o presidente da Câmara foi, no mesmo mês, fundamental para a aprovação da chamada PEC da Transição, que permitiu o aumento de gastos pelo governo federal em 2023.

As rusgas prosseguiram na formação do ministério, entre dezembro e janeiro. Aliado de Lira, Elmar Nascimento (União-BA) era favorito para a Integração Nacional, mas foi preterido em cima da hora por Waldez Góes (PDT-AP), indicado por Davi Alcolumbre (União-AP).

Além de ter ficado sem nenhuma nomeação no primeiro escalão, Lira amargou uma derrota dobrada na primeira semana de governo. Renan Filho (MDB-AL), herdeiro de seu ferrenho adversário estadual Renan Calheiros (MDB-AL), ficou com o Ministério dos Transportes, pasta considerada um trunfo político por sua capilaridade e grande poder de realização.

Em janeiro, na véspera da eleição na Câmara — em que acabou mantido no posto com apoio do PT —, Lira afirmou que tinha uma “relação tranquila e amistosa” com Lula. Ainda assim, após lembrar o fim do orçamento secreto, ele advertiu que o governo “perdeu metade da mobilidade” e que teria “muito mais trabalho” para compor uma base no Congresso.

Após uma curta trégua, Lira iniciou, em março, uma série de críticas à articulação política do Planalto, que, segundo ele, não tinha à altura votos “para enfrentar matérias de maioria simples, quanto mais matérias de quórum constitucional”. O presidente da Câmara também afirmou que algumas declarações de Lula “só pioram o ambiente”.

No fim de abril, em entrevista ao GLOBO, Lira reclamou de um excesso de centralização nas negociações palacianas com o Congresso. Sobre acenos do Planalto, que havia mantidos parentes seus em cargos na Codevasf e no Incra, retrucou: “E eu também não tenho gestos para o governo?” Lira chegou a assegurar, na ocasião, que “não iria sacanear” a gestão petista.

Nesta quinta-feira, enquanto ameaçava sequer colocar para votação a MP dos ministérios, Lira deu uma declaração repleta de recados endereçados a Lula, com quem havia conversado ao telefone mais cedo. Chegou a circular a informação de que os dois conversariam pessoalmente, o que acabou não ocorrendo — segundo Lira, não houve retorno do Planalto neste sentido.

Em uma tentativa de demonstrar força política, o presidente da Câmara lembrou, durante a fala, que foi eleito para comandar a Casa com uma adesão recorde e apoio de diferentes correntes, da esquerda à direita. Ele voltou a criticar as dificuldades do Planalto no trato junto ao Congresso:

— O presidente da Câmara ajuda, mas ele não é líder do governo ou da oposição. Sou o presidente que mais teve votos de todas as vertentes. Venho alertando o governo dessa falta de pragmatismo. Há falta de consideração, de atendimento.

 

       Partidos ‘bolsonaristas’ ajudaram mais Lula que União

 

Responsável por indicar três ministros para o governo Lula, incluindo dois dos ministros mais questionados da Esplanada dos Ministérios, o União Brasil está entregando menos votos ao Palácio do Planalto na Câmara dos Deputados do que partidos como PP e Republicanos, aponta levantamento feito pelo GLOBO.

O índice de adesão de obediência do União Brasil às orientações do governo é de 54%. Em comparação, o PP, partido do presidente da Câmara, Arthur Lira, tem índice de 56% e o Republicanos, 58%. Esses dois partidos, oficialmente, não fazem parte da base aliada, já que não têm nenhum representante no ministério do governo petista.

Outros partidos com representantes no governo, MDB e PSD, tem demonstrado mais obediência: os deputados do MDB votaram com o governo 69% das vezes e os do PSD, 72%. Assim como o União Brasil, o MDB e o PSD também indicaram três ministros na formação do gabinete de Lula.

Esse índice leva em conta todas as votações em que o governo orientou seus integrantes no plenário da Câmara. Os dados apontam que, como previsto durante a formação de governo, o partido não conseguiria entregar uma aliança completa com o governo, já que a sigla conta com parlamentares historicamente contrários ao PT, como Kim Kataguiri, o que mais votou contra a orientação do governo no União Brasil. Mas junto com ele estão outros parlamentares como Alfredo Gaspar, Fabio Schiochet, Rodrigo Valadares e Rosângela Moro.

No início do governo, as lideranças do Palácio do Planalto tinham esperanças muito maiores em relação à fidelidade dessas siglas. Líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues chegou a dizer que esperava uma fidelidade de 80% dos deputados do União Brasil. No caso de PSD e MDB, a fidelidade esperada era de 80% a 90%.

Esse número está perto para o PSD, mas, como o GLOBO mostrou nesta quarta-feira, ela não vem acontecendo em votações prioritárias. Considerando apenas as votações da derrubada dos decretos do Marco do Saneamento, a votação do marco temporal e o requerimento de urgência do PL das Fake News, o PSD deu apenas 34% de seus votos, enquanto o MDB deu 32%. A situação do União Brasil é ainda mais preocupante: nesses três projetos, o índice de adesão foi de 14%.

Na votação da MP dos Ministérios nesta quarta-feira, novamente, o União Brasil foi menos fiel ao governo do que até mesmo outros partidos que não fazem parte oficialmente da base aliada, como o PP e o Republicanos. Ao todo, 30% dos deputados do União (15 dos 50 que votaram) que participaram da votação se posicionaram contra o governo. No PP, 20% votaram contra o governo (9 dos 41 deputados) e no Republicanos, de 18% (o equivalente a 7 dos 38 deputados).

Ironicamente, o presidente da União Brasil, Luciano Bivar, tem um índice de obediência de 100%: nas 19 votações em que participou e que o governo orientou, votou junto com o governo nas 19 vezes. Bivar, entretanto, só esteve presente em uma das votações mais relevantes, a do PL das Fake News. Ele esteve ausente das votações do marco temporal e da derrubada dos decretos do Marco do Saneamento.

No MDB, a maior fidelidade fica por conta da deputada Elcione Barbalho. Não por acaso, a parlamentar tem uma ligação sanguínea com o governo Lula: ela é a mãe do ministro das Cidades, Jader Filho, e foi esposa do senador Jader Barbalho (MDB-PA). Entretanto, alguns parlamentares alinhados ao bolsonarismo tem uma votação que indica que provavelmente sempre podem contar como um voto contra o governo, como é o caso de Osmar Terra (MDB-RS), que só votou da mesma forma que o governo em 2 de 31 votações (6%).

No PSD, o deputado mais fiel ao governo é Antônio Brito (PSD-BA), seguido por Sidney Leite (PSD-AM). Brito é o líder do partido na Câmara, o que explica o fato do partido ser, entre os três, o mais fiel ao governo. Brito tem uma postura próxima ao PT desde a transição, quando integrou o conselho político do presidente como representante da sigla.

Por outro lado, o PSD também tem entre seus deputados alguns parlamentares reconhecidos pelo seu alinhamento ao antipetismo, como Sargento Fahur (PSD-PR). Ele votou da mesma forma que o governo em apenas 15% das votações analisadas.

 

       Osmar Terra segue bolsonarista apesar de estar na base do governo

 

Ex-ministro do governo Jair Bolsonaro, o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) é o parlamentar dos partidos da base do governo que mais desobedeceu ao governo, aponta levantamento feito pelo GLOBO. Até agora, ele só seguiu o governo em 2 das 31 votações em que participou e em que houve orientação do Planalto para sua bancada. Por outro lado, 53 parlamentares votaram como o Palácio do Planalto recomendou em todas as suas votações.

Os dados reforçam os problemas que o governo enfrenta no Congresso Nacional. Segundo os números, 28 deputados, todos eles do PSD, do União ou do MDB, votaram contra o governo em mais da metade de seus votos até o momento. Nesse grupo, além de Osmar Terra, estão nomes com atuação histórica contra o PT, como Kim Kataguiri (MDB), Rosângela Moro (União), Mendonça Filho (União) e Sargento Fahur (PSD).

Liderança do MBL, movimento que liderou os protestos pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), por exemplo, Kataguiri votou da mesma forma que o governo em 20% de seus votos: ele participou de 40 votações. Ele foi o terceiro mais “desobediente” da base.

Entretanto, ele, assim como Sargento Fahur, o segundo mais desobediente, com 15%, são considerados inatingíveis para a articulação política do governo. Em outras palavras, mesmo que MDB, PSD e União mudem a postura e se alinhem mais com o governo, é improvável que esses parlamentares comecem a votar seguindo a orientação do governo.

Como padrão de comparação, outros deputados da base tem um grau de fidelidade muito maior. Dos 53 deputados que votaram sempre com o governo, 50 são do PT. Os outros três são do PSB (Pedro Campos), do União (Luciano Bivar) e do Avante (André Janones). No caso do PSB, por exemplo, o deputado mais desobediente é Heitor Schuch (PSB-RS), mas que mesmo assim seguiu o governo em 77% dos seus votos.

Da mesma forma, no PDT, o deputado mais infiel é Félix Mendonça Junior, com 67% de votação com o governo. Entretanto, a maioria dos parlamentares do partido vem seguindo as orientações feitas aos governistas: a média de adesão do partido é de 87%.

Para esse levantamento, o GLOBO considerou apenas deputados que participaram de mais de 10 votações. Até o momento, o governo orientou a bancada, para votar “Sim” ou “Não” em 63 votações.

O governo vive, nesta semana, o seu momento mais tenso na relação com o Congresso. Diante de uma base frágil, enfrenta dificuldades para aprovar o relatório do deputado Isnaldo Bullhões (MDB-AL), já referendado em comissão especial na última quarta-feira. Nesta quarta-feira, antes da votação da MP da Esplanada, o presidente da Câmara, Arthur Lira, criticou a articulação política do governo.

— Se resultado não for de aprovação, a Câmara não deverá ser responsável pela falta de organização do governo. Se o governo tivesse todos os votos par a aprovação, teríamos votado ontem. O presidente da Câmara (ele próprio) ajuda, mas não é líder de governo ou da oposição. Venho, há muito tempo, alertando o governo sobre essa falta de pragmatismo, consideração e atendimento — afirmou ao chegar à Câmara para reunião com líderes partidários. — Há uma insatisfação generalizada dos deputados, e talvez dos senadores, que ainda não se posicionaram, com a falta de articulação política do governo, não de um ou outro ministro.

 

Fonte: O Globo

 

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