Neofascismo contemporâneo
O fascismo italiano e
o nazismo alemão emergiram e se consolidaram em repúblicas democráticas,
aproveitando-se contextos de graves crises econômicas, sociais e políticas.
Essas crises criaram um ambiente propício para movimentos autoritários ganharem
apoio eleitoral e tomarem o poder. Depois, destruíram a democracia.
Valer recordar,
sinteticamente, os fatores específicos para o sucesso eleitoral e subsequente
consolidação de poder por parte do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha.
O neofascismo ameaça em vários Estados contemporâneos, onde a extrema direita
se organizou por meio de rede sociais, religiosas e policiais-militares,
inclusive no Brasil: temos de aprender com a lamentável história.
A Itália, apesar de
ter ficado do lado vitorioso na Primeira Guerra Mundial, sofreu grandes perdas
humanas e materiais. O país sentiu-se traído pelo Tratado de Versalhes, porque
não atendeu plenamente às suas aspirações territoriais.
A economia italiana
estava em ruínas, com alta inflação, desemprego em massa e agitação social,
incluindo greves e ocupações de fábricas por trabalhadores. O sistema político
italiano era frágil, com uma série de governos de coalizão ascendendo e colapsando
rapidamente. A incapacidade dos governos democráticos de lidar com os problemas
econômicos e sociais aumentou o descontentamento popular.
Benito Mussolini e seu
Partido Nacional Fascista usaram táticas de intimidação e violência paramilitar
(por meio dos “camisas negras”) para criar um clima de medo e desordem. Em
outubro de 1922, Benito Mussolini organizou a Marcha sobre Roma, uma demonstração
de força para pressionar o rei Vítor Emanuel III a nomeá-lo como
primeiro-ministro.
Uma vez no poder,
Benito Mussolini rapidamente tomou medidas para consolidar seu controle. Ele
obteve poderes de emergência, suprimindo a oposição e transformando a Itália em
um Estado de partido único. A propaganda fascista e a repressão violenta de adversários
políticos garantiram Mussolini manter-se no poder até a Segunda Guerra Mundial.
A Alemanha, derrotada
na Primeira Guerra Mundial, foi severamente punida pelo Tratado de Versalhes,
resultando em perdas territoriais, desmilitarização e pesadas reparações de
guerra. Isso gerou um profundo ressentimento entre a população alemã.
A humilhação nacional
e a percepção de traição (“a lenda da punhalada nas costas”) foram exploradas
por grupos nacionalistas em ambiente econômico propício à sublevação. A
hiperinflação no início dos anos 1920 e a Grande Depressão a partir de 1929
devastaram a economia alemã, causando desemprego em massa, pobreza e desespero
generalizado.
A incapacidade da
República de Weimar de lidar eficazmente com a crise econômica e a
instabilidade política levou a uma perda de confiança nas instituições
democráticas. Temia-se uma rebelião em massa, dada a revolta popular.
O Partido
Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP), liderado por Adolf
Hitler, capitalizou o descontentamento popular com promessas de restauração da
grandeza alemã, revogação do Tratado de Versalhes e recuperação econômica.
Em eleição realizada
em 1932, o NSDAP se tornou o maior partido no Reichstag, mas não
obteve a maioria absoluta. Em janeiro de 1933, após uma série de manobras
políticas e pressão das elites conservadoras, Adolf Hitler foi nomeado
chanceler pelo presidente Paul von Hindenburg.
Após o incêndio
do Reichstag, em fevereiro de 1933, Hitler usou o evento como
pretexto para suspender liberdades civis e prender opositores políticos. A Lei
de Plenos Poderes, aprovada em março de 1933, permitiu a Hitler governar por
decreto, efetivamente estabelecendo uma ditadura.
A repressão violenta
de adversários, a criação de um Estado policial e a propaganda intensa
consolidaram o controle nazista sobre a Alemanha.
Tanto o fascismo
italiano quanto o nazismo alemão emergiram em contextos de crise extrema, onde
as instituições democráticas eram vistas como incapazes de resolver os
problemas da sociedade. Em ambos os casos, líderes carismáticos utilizaram
táticas de intimidação, violência e propaganda para obter apoio popular.
Porém, uma vez no
poder, rapidamente desmantelaram as estruturas democráticas para estabelecer
regimes autoritários. A combinação de desespero econômico, instabilidade
política e ressentimento nacional criou as condições para a ascensão desses
movimentos autoritários.
O nazifascismo e o
neofascismo contemporâneo compartilham algumas semelhanças ideológicas e
táticas, mas também apresentam diferenças significativas, devido às mudanças
nos contextos históricos, sociais e políticos. Apresento abaixo uma análise
esquemática das semelhanças e diferenças entre esses movimentos.
(i)
Nacionalismo extremado: ambos os movimentos
enfatizam um forte nacionalismo, frequentemente acompanhado por um sentimento
de superioridade nacional e xenofobia.
(ii)
Autoritarismo: tanto o nazifascismo quanto
o neofascismo advogam por um governo autoritário, rejeitando o liberalismo, a
democracia representativa e as liberdades civis.
(iii)
Culto à personalidade: os dois movimentos
promovem líderes carismáticos vistos como “salvadores da pátria”, necessitando
de poder quase absoluto para realizar suas visões.
(iv)
Uso da violência e intimidação: a violência
e a intimidação contra opositores políticos, minorias e outras comunidades
marginalizadas são comuns em ambos os movimentos com uso de grupos
paramilitares e milícias para esses fins.
(v)
Propaganda e controle da mídia: no uso da
propaganda para manipular a opinião pública e controlar a narrativa política, a
mídia é atacada e desacreditada.
Mas há diferenças
entre Nazifascismo e Neofascismo Contemporâneo:
(a) Contexto
histórico: o nazifascismo surgiu na Europa no período entre as duas guerras
mundiais, em um contexto de crise econômica, instabilidade política e
ressentimento pós-Primeira Guerra Mundial; o neofascismo emergiu após a Segunda
Guerra Mundial e, especialmente nos últimos anos, em resposta a crises
econômicas, globalização, imigração em massa e mudanças sociais rápidas.
(b) Foco ideológico: o
nazismo, em particular, era centrado no racismo biológico e no antissemitismo
extremo, promovendo a ideia de uma “raça superior ariana”, mas o fascismo
italiano também era nacionalista e imperialista, embora com menor ênfase racial
diante do nazismo; o neofascismo contemporâneo, ainda xenófobo, expressa sua
islamofobia e racismo, na oposição à imigração e em um nacionalismo cultural,
além de usar a retórica da “defesa da civilização ocidental” contra o
multiculturalismo.
(c) Estratégias e
táticas: o nazifascismo tomou o poder através de golpes de estado ou
manipulação de sistemas democráticos e rapidamente estabeleceu regimes
totalitários com controle total sobre o Estado; o neofascismo usa mais táticas
de infiltração dentro dos sistemas democráticos existentes, tentando
influenciar políticas através de partido(s) político(s), movimentos sociais e
meios de comunicação, sendo mais adaptável às leis democráticas ao operar
dentro das fronteiras da legalidade para evitar repressões enquanto não ascende
ao poder – depois altera seu comportamento.
(d) Tecnologia e
comunicação: o nazifascismo utilizava os meios de comunicação de massa
disponíveis na época, como rádio, cinema e imprensa; o neofascismo explora a
internet e as redes sociais para disseminar sua ideologia, recrutar membros e
organizar ações, tornando-se muito mais eficaz em termos de alcance e
mobilização rápida.
Portanto, o
nazifascismo, incluindo tanto o fascismo italiano de Benito Mussolini quanto o
nazismo alemão de Adolf Hitler, e o neofascismo contemporâneo compartilham
algumas semelhanças ideológicas e de estilo. Mas também apresentam diferenças
significativas devido a mudanças históricas, sociais e políticas.
O neofascismo mantém
um forte nacionalismo com foco na identidade nacional e na oposição à imigração
e à globalização. Sua xenofobia e racismo transparece de forma mais velada.
Promove ideias
autoritárias, como a centralização do poder, restrição das liberdades civis, e
uma ênfase na lei e ordem. De maneira anacrônica, expressa sua ideologia de
extrema-direita ao se opor à esquerda como ela ainda fosse adepta do comunismo
(ou socialismo real), utilizando a retórica da ultrapassada Guerra Fria para
mobilizar apoio.
O neofascismo continua
a adotar estratégias populistas, apresentando-se como “a voz do povo comum”
contra as elites corruptas. Defende o armamentismo e políticas demagógicas, em
suposto benefício de sua base de apoio, insustentáveis em longo prazo.
As maiores diferenças
entre nazifascismo e neofascismo dizem respeito aos distintos contextos
históricos e sociais. O neofascismo surge em um contexto de globalização,
crises econômicas contemporâneas, imigração em massa, e a ascensão das mídias
sociais. As ameaças percebidas e as questões centrais são diferentes das do
período entreguerras.
Embora inclua
elementos de racismo e xenofobia, tenta evitar a retórica explicitamente
racista e antissemita do nazismo por ela ser considerada crime em países
atentas para seu mal. Em lugar dela, foca em retórica anti-imigração e
islamofóbica, disfarçada de preocupações culturais e de segurança.
Como estratégias de
comunicação, o nazifascismo utilizou propaganda estatal centralizada, rádio,
jornais e eventos públicos para mobilizar apoio. O neofascismo utiliza
extensivamente as mídias sociais e a internet para espalhar suas ideias,
mobilizar seguidores e organizar eventos. A descentralização e a natureza viral
das mídias sociais permitem uma disseminação mais rápida e ampla das ideias
neofascistas.
Ele se organiza de
forma menos hierárquica e mais descentralizada, se comparado às milícias
paramilitares como os SA e SS na Alemanha nazista. Brota de grupos informais,
movimentos online e partidos políticos com negação de ser fascistas, embora
adotem ideologia de extrema direita.
Embora se apresente
como nacionalista, ele se conecta internacionalmente com essa extrema-direita
através de redes online. Compartilha suas táticas e retóricas, mas sem as
mesmas ambições imperialistas explícitas do nazifascismo.
Embora o neofascismo
contemporâneo compartilhe várias características ideológicas e táticas com o
nazifascismo histórico, ele opera em um contexto significativamente diferente.
Por isso, adaptou suas estratégias de comunicação, organização e retórica para
se ajustar às realidades políticas e sociais do século XXI.
O neofascismo tende a
ser mais velado em suas expressões de racismo e autoritarismo, utilizando as
mídias sociais para difundir suas mensagens e conectar seguidores globalmente.
A evolução dos meios de comunicação e as mudanças nas condições socioeconômicas
moldaram a maneira como essas ideologias são promovidas e percebidas hoje.
Fonte: Por Fernando
Nogueira da Costa, em A Terra é Redonda
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