Expulsão de camponeses por Arthur Lira
engorda lista da violência no campo em 2023
Em agosto de 2023, o
casal de agricultores Cícero Paulo da Silva e Maria José de Oliveira Silva, foi
expulso das terras onde vivia, o sítio Engenho Proteção, no município de
Quipapá (PE). A propriedade de 5 hectares foi alvo de uma ação de reintegração
de posse movida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O caso,
revelado com exclusividade pelo observatório De Olho nos Ruralistas no dossiê “Arthur, o Fazendeiro“, integra
o relatório Conflitos no Campo 2023,
organizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Os dados foram divulgados
hoje (22), em coletiva de imprensa.
Com 2.203 casos, 2023
foi o ano com mais conflitos no campo desde 1985. Os registros se dividem em
disputas por terra e água, crimes contra a vida e conflitos trabalhistas,
referentes aos casos de trabalho escravo. Entre os responsáveis pelos
conflitos, os fazendeiros lideram o ranking, com 557 registros. O Estado,
representado pelos governos federal, estadual e municipal, incluindo as Forças
Militares, aparece em segundo lugar, com 440 casos.
A história de Cícero e
Maria José revela a união dessas duas forças. Arthur Lira, deputado e
fazendeiro, teve apoio do Estado no despejo da família. “Quando a polícia
chegou, a gente já tinha tirado todos os móveis”, contou a agricultora, em
entrevista ao observatório, em agosto de 2023: “Arthur Lira expulsou camponeses de terras que não declarou“.
Lira diz ter comprado
a propriedade em 2008, mas Cícero apresentou à justiça documentos que provam
que a família dele vive por ali desde, pelo menos, 2002. Junto do pai, o
ex-senador Benedito de Lira, o Biu, o presidente da Câmara é dono de 3.872,46
hectares, espalhados por cinco municípios de Alagoas e dois de Pernambuco. As
terras do Engenho Proteção nunca apareceram nas declarações de Lira à justiça
eleitoral.
Mais de seis meses
depois de deixar a propriedade, os agricultores ainda vivem na cidade, pagando
aluguel e aguardando as próximas decisões da justiça. No sítio, a casa
permanece vazia. O caso de Cícero e Maria José se soma ao de outras 5.064
famílias despejadas em 2023.
Na lista dos
responsáveis pelos conflitos no campo no Brasil, os empresários aparecem em
terceiro lugar, com 361 registros, seguidos de grileiros (149), mineradoras e
garimpeiros (133) e hidrelétricas (29).
ATRASO EM
REFORMA AGRÁRIA E ‘INVASÃO ZERO’ INTENSIFICAM CONFLITOS
A morosidade na apresentação de um programa
de reforma agrária coloca o governo federal como maior responsável pelos
conflitos entre as forças políticas, conforme avalia Carlos Lima, da
coordenação nacional da CPT. “O governo só apresenta à sociedade após um ano e
quatro meses um programa chamado Terra da Gente”, ressalta. Ele critica a
superficialidade do programa, que “não dá uma resposta imediata às famílias que
estão acampadas e assentadas”.
Na esfera estadual, o
Movimento Invasão Zero desponta como articulador das ações violentas contra os
povos do campo. “Há o fortalecimento da extrema direita através dessa
organização criminosa que é a Invasão Zero e através de leis nas assembleias
legislativas estaduais”, observa Lima.
O movimento Invasão
Zero surgiu na Bahia, em abril de 2023, e tem representação em pelo menos duas
assembleias legislativas, no Rio Grande do Sul e no Mato Grosso do Sul,
conforme noticiou o De Olho nos Ruralistas. No
Congresso Nacional, o movimento marca presença com a Frente Parlamentar Invasão
Zero.
PELA
PRIMEIRA VEZ, RELATÓRIO APRESENTA CONFLITOS ENVOLVENDO CRÉDITOS DE CARBONO
Os primeiros projetos
privados de créditos de carbono surgiram no Brasil por volta de 2009. A
promessa de dinheiro em troca da preservação da floresta parecia uma saída para
a crise climática. No entanto, com a falta de regulamentação desse mercado, o
Brasil soma denúncias de assédio, falta de transparência e controle dos modos
de vida de povos e comunidades tradicionais por parte das empresas proponentes
dos projetos.
O relatório da CPT
aponta 23 casos de conflitos relacionados a projetos de créditos de carbono em
cinco estados do Brasil. Com 12 registros, o Pará é o estado com o maior número
de comunidades envolvidas nesse tipo de conflito, seguido do Acre (5), Rondônia
(4), Maranhão (1) e São Paulo (1).
De acordo com o
antropólogo e pesquisador Carlos Ramos, da Universidade Federal do Pará (UFPA),
há outros casos sob investigação. “Como esse processo é muito dinâmico, outros
casos chegaram no processo de escrita e não puderam ser incluídos neste caderno”.
Na Terra Indígena (TI)
Alto Rio Guamá (PA), a empresa Carbonext é acusada de convencer indígenas a
assinarem documentos com folhas em branco. As informações são de reportagem
da InfoAmazonia.
Em Portel (PA), na
região do Marajó, a Defensoria Pública ajuizou cinco ações pedindo a suspensão
de projetos de créditos de carbono. Os projetos são sobrepostos a assentamentos
e teriam sido realizados sem consulta prévia aos moradores envolvidos.
Ø Fabricantes de óleo de palma são alvo de milhares de ações
trabalhistas no Pará
QUATRO
EMPRESAS PRODUTORAS de óleo de palma no
Pará estão entre os dez empregadores com maior volume de processos no Tribunal
Regional do Trabalho do estado. Levantamento realizado pela corte a pedido
da Repórter Brasil mostra que, juntas, Biovale, Tauá Brasil
Palma, Belém Bionergia e Agropalma são processadas em 1.697 ações trabalhistas,
o que representa mais de um terço de todos os processos dos dez empregadores
com maior litigância no Tribunal. A Biovale atualmente pertence à BBF (Brasil
BioFuels) e a Tauá Brasil Palma à Belém Bionergia.
As principais
alegações dos trabalhadores rurais nos processos estão relacionadas a
condições inadequadas para alimentação nas frentes de trabalho, incluindo
comida de má qualidade, além do não oferecimento de água e de instalações
sanitárias nesses locais, explica o desembargador Gabriel Velloso. Refeições
servidas com bichos e trabalhadores obrigados a fazer as necessidades
fisiológicas no mato estão entre os problemas comumente relatados.
Em novembro de 2022, o
Tribunal realizou uma audiência pública sobre o tema a pedido de Velloso. O objetivo era
sensibilizar as empresas a melhorarem as condições de trabalho na cadeia
produtiva.
O óleo de palma,
extraído do dendê, é matéria-prima para a produção de biocombustíveis, além de
alimentos e cosméticos. Desde 2022, empresas de aviação estão publicamente
interessadas na compra de um tipo de biodiesel
fabricado com óleo de palma, que pode suprir no futuro a demanda do setor aéreo
por alternativas ao petróleo.
A reportagem procurou
todas as empresas para comentar o levantamento. A Agropalma afirmou cumprir
integralmente a legislação trabalhista brasileira, além de oferecer uma série
de benefícios aos funcionários. “Acreditamos que nossas instalações estão entre
as melhores da indústria de palma e todos os colaboradores em nossas
refinarias, indústrias de extração e plantações têm a oportunidade de se
cadastrar em nosso plano de alimentação, que fornece até três refeições diárias
servidas nos refeitórios ou entregues nos abrigos de campo”, diz a
empresa.
As demais companhias
não quiseram se manifestar, mas o Sindicato da Indústria de Azeite e Óleos
Alimentícios do Estado do Pará (Sinolpa) e a Associação Brasileira de
Produtores de Óleo de Palma (Abrapalma) enviaram à Repórter Brasil um
ofício em nome de todas as empresas citadas na reportagem.
No comunicado , as
entidades afirmam que “o alto volume de ações trabalhistas não passam de
aventuras de advogados que buscam condenações a partir de apelos à fragilidade
da classe trabalhadora”. Também declaram que o “cultivo sustentável de palma de
óleo, desenvolvido pelas empresas citadas na reportagem, segue rigorosamente a
legislação trabalhista brasileira e suas normas regulamentadoras para garantir
saúde, segurança e condições dignas de trabalho, assim como remuneração justa,
alimentação equilibrada, fornecida por empresas com reconhecimento mundial no
setor alimentício, e fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs)
e transporte coletivo adequado”.
·
Falta de transparência
Reclamações
relacionadas à remuneração por produtividade também estão entre as mais
frequentes. No meio rural, o pagamento por produção é comum em atividades como,
por exemplo, a colheita, sendo o salário calculado de acordo com o volume total
de frutos ou grãos colhidos.
O desembargador
Gabriel Velloso explica que o pagamento depende de uma fórmula que considera a
produção extraída pelos funcionários, mas que a falta de clareza sobre como é
feito esse cálculo gera diversas contestações judiciais.
Há ainda uma disputa
pelo pagamento por horas de in itinere, que são as horas de
deslocamento entre a casa e o trabalho.
Um dos desafios da
Justiça do Trabalho nestes processos, diz o desembargador, é que as condições
impostas a um mesmo trabalhador se alteram a cada dia. A jornada de trabalho
pode ocorrer em várias propriedades.
“A pessoa não sai todo dia para a mesma fazenda. Num mês vai para a fazenda x, no mês que vem vai para fazenda y, no outro mês vai para fazenda z. Essa multiplicidade de empreendimentos torna muito difícil [a avaliação das condições de trabalho]”, avalia Velloso.
·
Inspeções nas fazendas
Com o expressivo
número de ações trabalhistas, o Ministério Público do Trabalho instaurou em
2021 o GT (grupo de trabalho) da palma. Por dois anos, foram realizadas
fiscalizações em pequenas propriedades de agricultura familiar que fornecem
para a agroindústria do setor. A agricultura familiar representa 20% da
força de trabalho na cadeia produtiva do dendê, e complementa a produção do
fruto que os fabricantes do óleo de palma obtém em suas próprias
fazendas.
Os resultados das
inspeções, que alcançaram 1658 trabalhadores, foram divulgados em
uma audiência pública em março deste ano. A falta de carteira assinada da mão de obra e de
fornecimento de equipamentos de proteção obrigatórios foram alguns dos
problemas constatados. Também foram flagradas situações semelhantes às
relatadas em ações judiciais contra as agroindústrias, como falta de
fornecimento de água e de instalações sanitárias nas frentes de trabalho.
Para o procurador Allan de Miranda Bruno, a divulgação dos achados dos
auditores é um importante “choque pedagógico” para sensibilizar a cadeia
produtiva do dendê a se responsabilizar pelo fornecedor primário – o
trabalhador da agricultura familiar que fornece para a empresa. “É preciso
oferecer treinamento e instalações de trabalho adequados”, completa Bruno.
·
Outras disputas
Nos últimos anos, a
cadeia produtiva do óleo de palma ficou marcada pela disputa de terras entre
povos tradicionais e a agroindústria instalada no Pará. Indígenas, quilombolas
e ribeirinhos locais argumentam que as plantações de dendê das empresas estão sobrepostas
a territórios tradicionais.
Em agosto do ano
passado, o Ministério da Justiça e Segurança chegou a autorizar o envio da Força Nacional para tentar conter o conflito que ficou conhecido como a
“guerra do dendê”.
Um dia antes de
começar a Cúpula da Amazônia, também em agosto do ano passado, três indígenas da etnia Tembé foram
baleados na entrada da BBF em Tomé-Açu (PA). O
episódio chamou atenção do Conselho Nacional de Direitos Humanos, que
recomendou aos bancos credores da BBF a suspenção de financiamentos feitos à
empresa, além da instauração de processos administrativos para apuração de
violações contratuais
Fonte: De Olho nos
Ruralistas/Reporter Brasil
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