sexta-feira, 3 de maio de 2024

Expulsão de camponeses por Arthur Lira engorda lista da violência no campo em 2023

Em agosto de 2023, o casal de agricultores Cícero Paulo da Silva e Maria José de Oliveira Silva, foi expulso das terras onde vivia, o sítio Engenho Proteção, no município de Quipapá (PE). A propriedade de 5 hectares foi alvo de uma ação de reintegração de posse movida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O caso, revelado com exclusividade pelo observatório De Olho nos Ruralistas no dossiê “Arthur, o Fazendeiro“, integra o relatório Conflitos no Campo 2023, organizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Os dados foram divulgados hoje (22), em coletiva de imprensa.

Com 2.203 casos, 2023 foi o ano com mais conflitos no campo desde 1985. Os registros se dividem em disputas por terra e água, crimes contra a vida e conflitos trabalhistas, referentes aos casos de trabalho escravo. Entre os responsáveis pelos conflitos, os fazendeiros lideram o ranking, com 557 registros. O Estado, representado pelos governos federal, estadual e municipal, incluindo as Forças Militares, aparece em segundo lugar, com 440 casos.

A história de Cícero e Maria José revela a união dessas duas forças. Arthur Lira, deputado e fazendeiro, teve apoio do Estado no despejo da família. “Quando a polícia chegou, a gente já tinha tirado todos os móveis”, contou a agricultora, em entrevista ao observatório, em agosto de 2023: “Arthur Lira expulsou camponeses de terras que não declarou“.

Lira diz ter comprado a propriedade em 2008, mas Cícero apresentou à justiça documentos que provam que a família dele vive por ali desde, pelo menos, 2002. Junto do pai, o ex-senador Benedito de Lira, o Biu, o presidente da Câmara é dono de 3.872,46 hectares, espalhados por cinco municípios de Alagoas e dois de Pernambuco. As terras do Engenho Proteção nunca apareceram nas declarações de Lira à justiça eleitoral.

Mais de seis meses depois de deixar a propriedade, os agricultores ainda vivem na cidade, pagando aluguel e aguardando as próximas decisões da justiça. No sítio, a casa permanece vazia. O caso de Cícero e Maria José se soma ao de outras 5.064 famílias despejadas em 2023.

Na lista dos responsáveis pelos conflitos no campo no Brasil, os empresários aparecem em terceiro lugar, com 361 registros, seguidos de grileiros (149), mineradoras e garimpeiros (133) e hidrelétricas (29).

ATRASO EM REFORMA AGRÁRIA E ‘INVASÃO ZERO’ INTENSIFICAM CONFLITOS
A morosidade na apresentação de um programa de reforma agrária coloca o governo federal como maior responsável pelos conflitos entre as forças políticas,  conforme avalia Carlos Lima, da coordenação nacional da CPT. “O governo só apresenta à sociedade após um ano e quatro meses um programa chamado Terra da Gente”, ressalta. Ele critica a superficialidade do programa, que “não dá uma resposta imediata às famílias que estão acampadas e assentadas”.

Na esfera estadual, o Movimento Invasão Zero desponta como articulador das ações violentas contra os povos do campo. “Há o fortalecimento da extrema direita através dessa organização criminosa que é a Invasão Zero e através de leis nas assembleias legislativas estaduais”, observa Lima.

O movimento Invasão Zero surgiu na Bahia, em abril de 2023, e tem representação em pelo menos duas assembleias legislativas, no Rio Grande do Sul e no Mato Grosso do Sul, conforme noticiou o De Olho nos Ruralistas. No Congresso Nacional, o movimento marca presença com a Frente Parlamentar Invasão Zero.

PELA PRIMEIRA VEZ, RELATÓRIO APRESENTA CONFLITOS ENVOLVENDO CRÉDITOS DE CARBONO

Os primeiros projetos privados de créditos de carbono surgiram no Brasil por volta de 2009. A promessa de dinheiro em troca da preservação da floresta parecia uma saída para a crise climática. No entanto, com a falta de regulamentação desse mercado, o Brasil soma denúncias de assédio, falta de transparência e controle dos modos de vida de povos e comunidades tradicionais por parte das empresas proponentes dos projetos.

O relatório da CPT aponta 23 casos de conflitos relacionados a projetos de créditos de carbono em cinco estados do Brasil. Com 12 registros, o Pará é o estado com o maior número de comunidades envolvidas nesse tipo de conflito, seguido do Acre (5), Rondônia (4), Maranhão (1) e São Paulo (1).

De acordo com o antropólogo e pesquisador Carlos Ramos, da Universidade Federal do Pará (UFPA), há outros casos sob investigação. “Como esse processo é muito dinâmico, outros casos chegaram no processo de escrita e não puderam ser incluídos neste caderno”.

Na Terra Indígena (TI) Alto Rio Guamá (PA), a empresa Carbonext é acusada de convencer indígenas a assinarem documentos com folhas em branco. As informações são de reportagem da InfoAmazonia.

Em Portel (PA), na região do Marajó, a Defensoria Pública ajuizou cinco ações pedindo a suspensão de projetos de créditos de carbono. Os projetos são sobrepostos a assentamentos e teriam sido realizados sem consulta prévia aos moradores envolvidos.

 

Ø  Fabricantes de óleo de palma são alvo de milhares de ações trabalhistas no Pará

 

QUATRO EMPRESAS PRODUTORAS de óleo de palma no Pará estão entre os dez empregadores com maior volume de processos no Tribunal Regional do Trabalho do estado. Levantamento realizado pela corte a pedido da Repórter Brasil mostra que, juntas, Biovale, Tauá Brasil Palma, Belém Bionergia e Agropalma são processadas em 1.697 ações trabalhistas, o que representa mais de um terço de todos os processos dos dez empregadores com maior litigância no Tribunal. A Biovale atualmente pertence à BBF (Brasil BioFuels) e a Tauá Brasil Palma à Belém Bionergia.

As principais alegações dos trabalhadores rurais nos processos  estão relacionadas a condições inadequadas para alimentação nas frentes de trabalho, incluindo comida de má qualidade, além do não oferecimento de água e de instalações sanitárias nesses locais, explica o desembargador Gabriel Velloso. Refeições servidas com bichos e trabalhadores obrigados a fazer as necessidades fisiológicas no mato estão entre os problemas comumente relatados.

Em novembro de 2022, o Tribunal realizou uma audiência pública sobre o tema a pedido de Velloso. O objetivo era sensibilizar as empresas a melhorarem as condições de trabalho na cadeia produtiva.

O óleo de palma, extraído do dendê, é matéria-prima para a produção de biocombustíveis, além de alimentos e cosméticos. Desde 2022, empresas de aviação estão publicamente interessadas na compra de um tipo de biodiesel fabricado com óleo de palma, que pode suprir no futuro a demanda do setor aéreo por alternativas ao petróleo. 

A reportagem procurou todas as empresas para comentar o levantamento. A Agropalma afirmou cumprir integralmente a legislação trabalhista brasileira, além de oferecer uma série de benefícios aos funcionários. “Acreditamos que nossas instalações estão entre as melhores da indústria de palma e todos os colaboradores em nossas refinarias, indústrias de extração e plantações têm a oportunidade de se cadastrar em nosso plano de alimentação, que fornece até três refeições diárias servidas nos refeitórios ou entregues nos abrigos de campo”, diz a empresa. 

As demais companhias não quiseram se manifestar, mas o Sindicato da Indústria de Azeite e Óleos Alimentícios do Estado do Pará (Sinolpa) e a Associação Brasileira de Produtores de Óleo de Palma (Abrapalma) enviaram à Repórter Brasil um ofício em nome de todas as empresas citadas na reportagem. 

No comunicado , as entidades afirmam que “o alto volume de ações trabalhistas não passam de aventuras de advogados que buscam condenações a partir de apelos à fragilidade da classe trabalhadora”. Também declaram que o “cultivo sustentável de palma de óleo, desenvolvido pelas empresas citadas na reportagem, segue rigorosamente a legislação trabalhista brasileira e suas normas regulamentadoras para garantir saúde, segurança e condições dignas de trabalho, assim como remuneração justa, alimentação equilibrada, fornecida por empresas com reconhecimento mundial no setor alimentício, e fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs) e transporte coletivo adequado”.

·        Falta de transparência

Reclamações relacionadas à remuneração por produtividade também estão entre as mais frequentes. No meio rural, o pagamento por produção é comum em atividades como, por exemplo, a colheita, sendo o salário calculado de acordo com o volume total de frutos ou grãos colhidos.

O desembargador Gabriel Velloso explica que o pagamento depende de uma fórmula que considera a produção extraída pelos funcionários, mas que a falta de clareza sobre como é feito esse cálculo gera diversas contestações judiciais.

Há ainda uma disputa pelo pagamento por horas de in itinere, que são as horas de deslocamento entre a casa e o trabalho.

Um dos desafios da Justiça do Trabalho nestes processos, diz o desembargador, é que as condições impostas a um mesmo trabalhador se alteram a cada dia. A jornada de trabalho pode ocorrer em várias propriedades.

“A pessoa não sai todo dia para a mesma fazenda. Num mês vai para a fazenda x, no mês que vem vai para fazenda y, no outro mês vai para fazenda z. Essa multiplicidade de empreendimentos torna muito difícil [a avaliação das condições de trabalho]”, avalia Velloso. Parte inferior do formulário

 

·        Inspeções nas fazendas

Com o expressivo número de ações trabalhistas, o Ministério Público do Trabalho instaurou em 2021 o GT (grupo de trabalho) da palma. Por dois anos, foram realizadas fiscalizações em pequenas propriedades de agricultura familiar que fornecem para a agroindústria do setor.  A agricultura familiar representa 20% da força de trabalho na cadeia produtiva do dendê, e complementa a produção do fruto que os fabricantes do óleo de palma obtém em suas próprias fazendas. 

Os resultados das inspeções, que alcançaram 1658 trabalhadores,  foram divulgados em uma audiência pública em março deste ano.  A falta de carteira assinada da mão de obra e de fornecimento de equipamentos de proteção obrigatórios foram alguns dos problemas constatados. Também foram flagradas situações semelhantes às relatadas em ações judiciais contra as agroindústrias, como falta de fornecimento de  água e de instalações sanitárias nas frentes de trabalho.
Para o procurador Allan de Miranda Bruno, a divulgação dos achados dos auditores é um importante “choque pedagógico” para sensibilizar a cadeia produtiva do dendê a se responsabilizar pelo fornecedor primário – o trabalhador da agricultura familiar que fornece para a empresa. “É preciso oferecer treinamento e instalações de trabalho adequados”, completa Bruno.

·        Outras disputas

Nos últimos anos, a cadeia produtiva do óleo de palma ficou marcada pela disputa de terras entre povos tradicionais e a agroindústria instalada no Pará. Indígenas, quilombolas e ribeirinhos locais argumentam que as plantações de dendê das empresas estão sobrepostas a territórios tradicionais.

Em agosto do ano passado, o Ministério da Justiça e Segurança chegou a autorizar o envio da Força Nacional para tentar conter o conflito que ficou conhecido como a “guerra do dendê”.

Um dia antes de começar a Cúpula da Amazônia, também em agosto do ano passado, três indígenas da etnia Tembé foram baleados na entrada da BBF em Tomé-Açu (PA). O episódio chamou atenção do Conselho Nacional de Direitos Humanos, que recomendou aos bancos credores da BBF a suspenção de financiamentos feitos à empresa, além da instauração de processos administrativos para apuração de violações contratuais

 

Fonte: De Olho nos Ruralistas/Reporter Brasil

 

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