O misterioso mundo dos peixes que se
comunicam por zumbidos e puns
Quando pensamos na
comunicação entre os peixes, talvez venha à nossa mente o silêncio reinante embaixo d'água, permeado por estranhas bolhas.
Mas, na verdade,
"os oceanos são repletos de
sons", segundo o pesquisador Aaron Rice, da Universidade Cornell em Ithaca
(Nova York), nos Estados Unidos.
Estalos, grunhidos,
gritos e ruídos aquáticos são apenas alguns dos sons usados pelos peixes para
alertar os demais debaixo d'água. Alguns, como o peixe-sapo, cantam belas
canções uns para os outros. Já o arenque surpreende e se comunica usando o
trato digestivo.
Os peixes usam esses
sinais por diversas razões: para alertar concorrentes, soar alarmes e até para
atrair possíveis parceiros para acasalamento.
As indicações de que
os peixes são mais faladores do que pensamos começaram a surgir no século 4º,
com os trabalhos de Aristóteles – sem falar nos comentários das comunidades
pesqueiras tradicionais, segundo Rice.
Mas a nossa capacidade
de ouvir os peixes sempre foi limitada pela qualidade dos aparelhos usados
para gravar sons debaixo d'água.
O monitoramento
acústico sofreu grandes avanços desde os anos 1930. Agora, os cientistas usam
microfones subaquáticos, conhecidos como hidrofones, para ouvir o mundo
marinho.
Esta tecnologia foi
inventada na Segunda Guerra Mundial para detectar submarinos. Hoje, ela nos
ajuda a ouvir os peixes conversando entre si, nas profundezas dos oceanos, rios
e lagos.
Estima-se que existam
34 a 35 mil espécies de peixes de nadadeiras raiadas. Elas incluem o bacalhau,
atum, truta e salmão. Destes, apenas cerca de 4% tiveram sua produção sonora
estudada.
Mas as pesquisas de
Rice indicam que nós apenas começamos a nos aventurar no misterioso mundo da
comunicação entre os peixes – e que até dois terços deles podem emitir ruídos,
segundo ele.
Em fevereiro de
2024, pesquisadores da Alemanha descobriram um minúsculo peixe
transparente chamado Danionella cerebrum, que produz um som alto
como o de um martelo pneumático.
Eles descobriram o
animal depois de ouvirem misteriosos sons de estalos vindo dos tanques de
peixes do seu próprio laboratório. Com 12 mm de comprimento, o peixe usa um
órgão chamado bexiga natatória para produzir sons que atingem 140 decibéis na
água ao seu redor.
Os pesquisadores ainda
não sabem ao certo o propósito desse som. Aparentemente, apenas os peixes
machos podem emiti-lo e seu uso pode estabelecer uma espécie de hierarquia nos
tanques.
Os peixes costumam
emitir ruídos por motivos territoriais ou reprodutivos – ou seja, para buscar
alimento e sexo, segundo Rice. E os ruídos debaixo d'água parecem muito mais
claros para os peixes do que para nós.
"O som viaja
debaixo d'água cerca de cinco vezes mais rápido que no ar", explica a
ecologista Audrey Looby, da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos. Ela
estuda a bioacústica dos peixes.
"Se colocássemos
nossa cabeça em uma piscina e tentássemos distinguir de onde vem um som,
realmente teríamos muita dificuldade", segundo ela. "Mas os peixes
podem obter informações de direção a partir dos sons subaquáticos."
Looby compilou mais de
1,2 mil ruídos em uma biblioteca online chamada FishSounds. E, entre todos
aqueles grunhidos, chilros e guinchos, existem alguns sons que se destacam –
sem falar nos comportamentos que eles indicam.
·
Linguagens do amor
O peixe-sapo pode ser
conhecido por ser "viscoso e de aparência rabugenta". Mas ele é um
"cantor belo e surpreendente", segundo Looby. Ela estuda os
peixes-sapos do Golfo do México no arquipélago de Flórida Keys.
Na sua estação
reprodutiva, os machos formam seus ninhos nos estuários do litoral, nas
pradarias de ervas marinhas e nas rochas da região costeira. Ali, eles chamam
as fêmeas, com um coro alto, para atraí-las para o ninho – ou para alertar
outros machos para que se afastem, segundo Looby.
Esses chamados começam
normalmente com um grunhido, seguido por uma série de estalos.
Outros peixes-sapos,
como o peixe-sapo-ostra, produzem um som parecido com o apito de um barco,
enquanto o peixe-sapo barbudo macho – uma espécie que, decididamente, não é
atraente – produz um forte som de buzina para atrair as fêmeas para o seu
refúgio.
O peixe-donzela é uma
espécie de água salgada famosa pelas suas cores brilhantes. Eles também são
ótimos seresteiros.
E, quando o assunto é
flerte, a donzela-de-Ambon, que vive em recifes de corais no oeste do Oceano
Pacífico, está um passo à frente dos demais.
Cientistas que
estudavam um recife em Taiwan gravaram um som com tom distinto e estridente,
como um limpador de para-brisa sobre vidro seco, quando esses peixes tentavam
atrair parceiros para acasalamento.
Ao contrário dos
estouros, estalos e chilros emitidos por alguns peixes-donzela rangendo os
dentes para defender seus ninhos, os chamados de corte da donzela-de-Ambon
diferenciam este peixe na competição com os demais para se acasalarem.
Machos de pescada
também tentam seduzir possíveis parceiros com uma série de batidas e zumbidos,
que ficam cada vez mais exaltados quanto mais eles se excitam.
·
Sinais para os amigos
Certas espécies
de Clupeidae – uma família de peixes que inclui o arenque, o
sável e a sardinha – passaram a ser alvo de piadas científicas devido à sua
estranha forma de comunicação. Estes peixes usam sons do trato digestivo para
fazer contato com seus pares.
"Os cientistas
têm senso de humor", segundo Looby. "As pessoas que descobriram esses
sons os chamaram de Tiques Repetitivos Rápidos ['Frt', na abreviação em inglês
– uma corruptela de 'fart', que significa 'pum']."
Um estudo sobre o
arenque-do-pacífico indicou que a maioria desses sons não é afetada pela
alimentação dos peixes, nem se eles tiveram acesso direto ao ar. Esta conclusão
elimina os gases da digestão ou ar que foi engolido como possíveis fontes dos
sons Frt.
Aparentemente, os
animais expelem gases pela região do duto anal – seja através do intestino ou
da bexiga natatória – para produzir as distintas manifestações na forma de sons
pulsantes.
Esses sons podem durar
vários segundos. Eles costumam ser produzidos à noite e podem servir a
propósitos sociais. Eles ajudam o peixe a manter a conexão com seus pares,
segundo Looby.
·
Evitando os predadores
Alguns peixes usam o
som como ferramenta para criar distância, em vez de atrair outros peixes.
O bagre, por exemplo,
emite um som alto de coaxar para assustar os predadores. Para produzir este
ruído, ele agita as espinhas das suas barbatanas peitorais em ranhuras no seu
ombro, como sinal de alarme ou desconforto.
Outra espécie, o
peixe-picasso, produz uma série de "curtos rufares de tambores" que
soam por cerca de 85 milissegundos, quando é ameaçado.
Recentemente,
cientistas da Universidade Sueca de Ciências Agrícolas encontraram evidências
de que as arraias (que fazem parte da mesma família dos tubarões) também
produzem ruídos.
Acreditava-se até
então que os tubarões e seus parentes só fizessem ruídos passivos associados à
alimentação, como mastigar, exceto pelos relatos de que algumas arraias
produzem sons murmurantes depois de comer.
Mas os pesquisadores
gravaram arraias-de-mangue e arraias-cauda-de-vaca produzindo diversos sons
altos, na forma de estalos em alta frequência. Eles acreditam que esta possa
ser uma reação de ameaça ao perigo.
·
Construção e defesa de
ninhos
Em alguns casos, os
chamados usados pelos peixes podem ser sofisticados.
O boldião é uma
espécie nativa da Europa, do Mediterrâneo e do mar Adriático, que vive nos
recifes rochosos da região. Ele tem um complexo repertório de quatro chamados
diferentes.
Pesquisadores
estudaram fêmeas de boldiões e classificaram esses sons em grunhidos, grunhidos
profundos, estalos e ruídos aquáticos.
Ao fazer estalos, os
boldiões rapidamente fecham a boca, comprimindo as mandíbulas. Esta mudança
territorial ocorre ao atacar ou repelir outros peixes. Ela é tão alta que pode
ser ouvida acima da superfície da água.
Já os ruídos aquáticos
podem ser ouvidos quando o boldião macho coleta alimentos ou material para o
ninho, ou quando as fêmeas nadam em volta dos ninhos.
·
Oceanos barulhentos
À medida que os
cientistas fazem novas descobertas sobre os mistérios da comunicação entre os
peixes, um novo problema vem abafando a cacofonia marinha natural.
O ruído dos oceanos
prejudica as comunicações subaquáticas e os peixes estão tendo mais dificuldade
para conversar entre si. Esse ruído inclui o barulho das atividades
humanas, como a pesca, a exploração de petróleo e
gás e a construção de fazendas eólicas em alto-mar.
Aaron Rice compara a
situação com duas pessoas tentando conversar, uma de cada lado da rua.
"Se passar um
caminhão, podemos ter dificuldade para ouvir o que o outro diz", explica
ele. "Você pode ouvir ou interpretar errado o que estou dizendo e se
afastar levando uma mensagem completamente diferente."
O aumento do ruído
pode causar impactos fisiológicos aos peixes, segundo Rice, particularmente
aumentando os níveis de estresse.
Os transtornos
causados pelos navios já estão causando problemas de comunicação
entre as baleias. E estudos demonstram que os peixes sofrem
mudanças sensoriais em ambientes com alto nível de ruído.
Um estudo sobre o
peixe donzela-dorso-de-mel concluiu que a exposição dos peixes a música de alta
intensidade ou sons executados com nível mais alto de decibéis deixou os peixes
mais ansiosos e enfraqueceu sua memória.
Grande parte das
comunicações entre os peixes ainda é um mistério. Mas colecionar gravações
sonoras é uma etapa importante para que os peixes continuem conversando.
"Parece
esotérico, mas realmente é fundamental entender como os peixes sobrevivem e
interagem", afirma Rice. "Ainda existem muitas descobertas a serem
feitas."
Fonte: BBC Future
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