Como os paleoameríndios definiram a atual
América Latina
Habitantes da Ásia
chegaram pela primeira vez à América em diversas ondas migratórias, a partir do
Estreito de Bering, entre 25 mil e 15 mil anos atrás. Os caçadores-coletores se
depararam paisagens intocadas por humanos e cheias de plantas e animais desconhecidos.
Migrando através da
atual América Latina, os paleoameríndios deixaram rastros de suas vidas, na
forma de pinturas em cavernas e rochedos. Estas mostram como eles aprenderam a
viver em seus novos habitats. Além disso fornecem aos paleontólogos pistas sobre
legados ancestrais para a atual biodiversidade e cultura da região.
A mais antiga arte
rupestre da América é encontrada na Serranía de La Lindosa, na Amazônia
colombiana. Datando do fim da Era Glacial, cerca de 12.800 anos atrás, ela
fornece dados vitais sobre a cultura ameríndia originária.
Para o arqueólogo
Francisco Javier Aceituno, da Universidade de Antioquia, Colômbia – que estuda
essas cavernas há anos e comparou os desenhos na rocha com os resultados de
escavações realizadas nas "casas dos artistas" que pintaram as
paredes – trata-se de "fotografias do passado".
• Instruções para a vida prática e
espiritualidade ancestral
Realizadas sobretudo
em ocre vermelho, as cenas da natureza representam diversas espécies animais –
algumas consideradas extintas, como preguiças-terrícolas e cavalos nativos,
outras domesticadas, como vacas e cães.
Mais do que expressões
criativas, especialistas creem que as imagens serviam como ferramentas
educacionais para instruir os mais jovens sobre como lidar com as diferentes
plantas e animais – não só na Colômbia, mas em toda a América do Sul.
Indícios encontrados
numa caverna da Patagônia, no sul do subcontinente, sugerem que a arte datando
de 8.200 anos atrás servia para transmitir informações através de 130 gerações
humanas, talvez ajudando-as a sobreviver nos climas em mutação.
Assim como ocorre em
outras regiões latino-americanas, grande parte das pinturas da Serranía de La
Lindosa tem caráter simbólico, representando um mundo espiritual: "Há
cenas de rituais de dança ou ritos xamânicos. Com essas cenas espirituais [os
paleoameríndios] tentavam domesticar o mundo natural, controlando as forças da
natureza", explica Aceituno.
Para especialistas,
essas são as formas mais ancestrais de religião, quando os humanos tentaram
formar uma conexão sagrada com o mundo natural. Drogas alucinógenas, muitas das
quais são endógenas das Américas, podem também ter desempenhado um papel central
na espiritualidade e cerimônias religiosas primitivas.
Estima-se que os
paleoameríndios da Califórnia usassem alucinógenos para induzir estados
espirituais – análogo às festas de LSD tão difundidas nesse estado americano
nos anos 1960, ou o atual uso no Brasil de ayahuasca, ou santo-daime.
No período de 13 mil a
8 mil anos atrás, a Amazônia se transformou de savana seca e mata semiárida nas
florestas tropicais de hoje. O processo envolveu mudanças climáticas velozes, a
que as culturas locais tiveram que se adaptar. Durante as escavações na
Serranía de La Lindosa, Aceituno e seus colegas puderam indiretamente datar a
arte rupestre no início desse período de transformação.
Para o arqueólogo,
contudo, a descoberta mais fascinante foi a presença de culturas humanas na
região, ao longo de mais de 12 mil anos, que teriam influenciado fortemente a
biodiversidade amazônica durante a transição climática.
A arte rupestre local
indica, por exemplo, que os humanos manipulavam espécies vegetais 9 mil anos
atrás, o que poderia explicar a inusitada riqueza atual de plantas úteis, como
alimento e remédio. Drogas como quinino e cocaína se originam lá, o que vale à
Amazônia o apelido de "maior armário de remédios do mundo".
Para Aceituno, os
paleoameríndios "alcançaram um equilíbrio na gestão de recursos
naturais": "Plantas e animais eram mais do que comida, eram também
vistos como seres vivos a ser respeitados. Usava-se o princípio da preservação:
'Não posso esgotar meus recursos, meu alimento'."
Notável é também o
legado paleolítico nos grupos étnicos vivendo na América Latina contemporânea:
"Os atuais grupos indígenas da região herdaram algumas tradições e modos
de explorar a floresta, e a cosmovisão mesoamericana", explica Aceituno. Exemplos
dessa visão do mundo herdada seriam a cerimônia do Dia dos Mortos e a crença de
que tudo no universo faz parte de uma dualidade.
Não há provas
concretas de que as comunidades indígenas de hoje sejam descendentes diretas
dos paleoameríndios "num sentido biológico", ressalva o pesquisador.
Porém os atuais progressos no exame de DNA antigo poderão ajudar a traçar o
histórico dos grupos locais e, com a ajuda da arte rupestre, identificar como
suas culturas se propagaram pela América do Sul.
Fonte: Deutsche Welle
Nenhum comentário:
Postar um comentário