O que
explica multiplicação de templos evangélicos no Brasil
Eles eram
minoria, mas podem ser maioria nos próximos anos. Nas últimas três décadas, o
número de evangélicos cresceu
rapidamente no Brasil, país onde a espiritualidade tem um papel preponderante na sociedade.
Uma faceta
desta expansão do protestantismo no Brasil é a multiplicação de templos, como mostra uma pesquisa
realizada pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM/Cepid) da Universidade
de São Paulo (USP).
De 17.033
templos evangélicos, em 1990, o Brasil passou a contar com 109.560, em 2019. Um
aumento de 543%.
Apenas em
2019, último ano do levantamento, 6.356 templos evangélicos foram abertos no
Brasil — uma média de 17 por dia.
O estudo
realizado pelo pesquisador Victor Augusto Araújo Silva, que também integra o
departamento de Ciência Política da Universidade de Zurique, na Suíça, analisou
esse crescimento durante cem anos, de 1920 a 2019.
O
levantamento foi feito com base em dados do Cadastro Nacional da Pessoa
Jurídica (CNPJ), que qualquer empresa, inclusive as igrejas, precisam ter no
país para operarem, mesmo que sejam isentas de pagamento de Imposto de Renda e
de outros tributos.
A pesquisa
mostrou que o primeiro templo foi aberto em 1922. Em 1970, eram 864. Meio
século depois, em 2019, havia aproximadamente quase 110 mil.
Especialistas
ouvidos pela BBC News Brasil apontam alguns fatores que mais contribuíram para
esse fenômeno:
- o
crescimento do movimento evangélico no país;
- mudanças
na legislação brasileira que facilitaram a abertura de igrejas e templos;
- o
crescimento econômico que o país experimentou nos anos 2000;
- e
o próprio papel que o templo cumpre na atração e fidelização de fiéis e na
dinâmica das igrejas evangélicas.
“O templo
é fundamental para a consolidação das denominações religiosas”, diz José
Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e professor aposentado da Escola Nacional de
Ciências Estatísticas (Ence) do IBGE que estuda o tema.
·
O Brasil evangélico
A
multiplicação de templos evangélicos acontece em paralelo ao aumento de fiéis no Brasil,
apontam pesquisadores.
Dados dos
últimos Censos Demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), apontam que, entre 1990 e 2010, a proporção de evangélicos mais do que
dobrou no país: de 9% da população, em 1990; para 22,2%, em 2010.
No mesmo
período, o estudo da USP aponta que, de 17 mil templos evangélicos, em 1990, o
Brasil passou a contar com mais que o triplo, em 2010: 62,8 mil.
Os dados
do novo Censo sobre o perfil religioso dos
brasileiros ainda não foram divulgados, mas outros levantamentos apontam que
esse crescimento continuou de 2010 para cá.
Em 2020,
por exemplo, uma pesquisa do Datafolha indicou que 31% da população brasileira
se declarava evangélica — um crescimento que tornou este segmento
central na política nacional.
Enquanto
isso, conforme indica o estudo do CEM/Cepid, o número de templos passou de 62,8
mil, em 2010, para 109,5 mil em 2019.
Uma
projeção feita pelo demógrafo José Eustáquio Diniz Alves aponta que os
evangélicos podem ultrapassar os católicos e ser maioria no Brasil na década de
2030.
Da mesma
forma que cresceu, nos últimos anos, o protestantismo brasileiro também se
tornou mais diverso.
Atualmente,
pesquisadores segmentam os protestantes em três grandes grupos: missionários
(ou tradicionais), pentecostais e neopentecostais.
Entretanto,
de acordo com Victor Silva, autor do estudo “Surgimento, trajetória e expansão
das igrejas evangélicas no território brasileiro ao longo do último século”,
existem templos evangélicos que não se enquadram em nenhuma das três vertentes
— não podem ser denominados como missionárias, pentecostais ou neopentecostais.
“Em regra,
as igrejas missionárias são conhecidas como as que carregam os primeiros
preceitos do movimento evangélico no Brasil. São aquelas igrejas mais
diretamente ligadas às ideias e doutrinas decorrentes da interpretação do texto da Bíblia que
se seguiu à reforma protestante ocorrida no século 16. Vários desses movimentos
(batistas, luteranos e calvinistas) chegaram ao Brasil no final do século 19 em
decorrência das várias ondas de migração europeia”, diz Victor Silva.
Ele
explica, ainda, que o segundo movimento de expansão evangélica - as igrejas
pentecostais – surgiu no Brasil, a partir da chegada de missionários vindos dos
Estados Unidos e que, nas primeiras décadas do século 20, se instalaram em
partes do Norte e do Sudeste.
“Diferentemente
das igrejas missionárias, as pentecostais aceitam as manifestações do Espírito
Santo acreditando que elas levam a curas, milagres e eventos sobrenaturais.
Também acreditam que uma sequência prolongada de eventos sobrenaturais pode
levar a processos de catarse coletiva (também conhecido como avivamento) com o
poder de cura e transformação de pessoas e comunidades inteiras”, explica o
pesquisador.
Entre os
principais exemplos de igrejas pentecostais, em questão de número de fiéis,
Silva cita a Assembleia de Deus, a Igreja Quadrangular e a Deus é Amor.
Nina
Rosas, especialista em Estudos da Religião e professora da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG), aponta que além das igrejas missionárias e
pentecostais, a partir dos anos 1950, surgiram no Brasil as igrejas
neopentecostais.
“O
neopentecostalismo é a terceira onda do movimento evangélico, e se constitui
por igrejas como a Universal, Sara Nossa Terra, Renascer em Cristo, conhecidas
pela ênfase na Teologia da Prosperidade”, diz.
“Algumas
mais e outras menos, mas são igrejas que enfatizam a guerra contra o diabo e
abandonaram os usos e costumes dos primeiros pentecostais, como levar a Bíblia
debaixo do braço”, explica Rosas.
·
Vertente evangélica predominante
no Brasil
No Brasil,
as igrejas evangélicas pentecostais representam o grupo com maior número de
templos.
De acordo
com o estudo do CEM/Cepid, existiam no Brasil em 2019:
- 48.781
templos pentecostais,
- 22.400
templos missionários;
- 12.825
templos neopentecostais;
Em
contrapartida, havia 25.554 templos evangélicos não enquadrados, por
especialistas, em nenhuma das três ramificações.
No Brasil,
o crescimento dos templos pentecostais foi acompanhado de perto pelo de
missionários até o final dos anos 2000. Foi quando esse grupo começou a perder
fôlego e foi ultrapassado pelas igrejas evangélicas de classificação não
determinada.
Segundo
Victor Silva, isso ocorre porque as igrejas pentecostais tiveram maior
capacidade de adaptação no território brasileiro, porque a linguagem usada nos
cultos é de mais fácil interpretação e as pessoas das comunidades locais são
rapidamente integradas na estrutura e organização das igrejas.
“As
igrejas pentecostais são menos hierarquizadas e elitistas. Exatamente por isso,
o pentecostalismo se proliferou rapidamente nas periferias dos grandes centros
urbanos no Brasil”, diz o pesquisador.
Na
contramão, as igrejas evangélicas missionárias perderam fôlego a partir dos
anos 2000.
“Esse
segmento evangélico não cresce de forma substantiva desde o Censo de 2000.
Menos porque essas igrejas perdem fiéis para as pentecostais e mais porque elas
perderam a capacidade de reter e atrair jovens”, comenta Silva.
Para a
pastora Romi Bencke, secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs
do Brasil (CONIC), a linguagem simplificada é o grande trunfo das igrejas
pentecostais.
“As
lideranças do movimento evangélico pentecostal se comunicam com a população em
geral com uma linguagem bastante simplista da Bíblia. Não valorizam muito ter
uma boa hermenêutica, ou seja, ter uma leitura sócio-histórica. Com isso, as
pessoas tendem a entender ou imaginam que entendem, o que parece difícil em
outras igrejas. Isso também acaba por atrair pessoas mais jovens”, diz a
pastora.
·
Período de maior
crescimento
O estudo
da USP aponta que o maior ciclo de crescimento de templos evangélicos no Brasil
ocorreu entre 2000 e 2016.
“Dois
principais fatores explicam o boom dos templos evangélicos
neste período. O primeiro foi que, durante o primeiro mandato, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), facilitou a abertura de templos no Brasil ao
desobrigar as igrejas de uma série de responsabilidades estatutárias a partir
da Lei n° 10.825/2003”, explica Victor Silva.
Com a
aprovação desta lei, organizações religiosas e partidos políticos foram
definidos como pessoas jurídicas de direito privado. Isso garante que
instituições de qualquer religião sejam criadas, sem que o Estado possa negar
seu registro.
“O segundo
fator é que, no Brasil, não são as crises econômicas que puxam o crescimento de
templos evangélicos, mas os ciclos de crescimento”, diz Silva. “Paradoxalmente,
em contextos de bonança econômica, os incentivos para a abertura de novos
templos aumentam, uma vez que as famílias, sobretudo aquelas de renda média e
baixa, possuem mais renda excedente para transferir para as igrejas na forma de
dízimos e ofertas”, ressaltou o pesquisador.
Para Nina
Rosas, por serem um grupo crescente, é impossível não pensar que o movimento
evangélico de abrir templos não tenha virado uma espécie de modelo de negócio.
“Mas não
podemos perder de vista o fato de os evangélicos, hoje em dia, serem um grupo
crescente, de grande participação na política formal, ocupando diversos postos
de poder e também produtores de cultura. Portanto, faz parte da dinâmica de um
segmento que cresce se estruturar (como um modelo de negócio)”, diz a
pesquisadora.
O bispo
Antônio José da Silva Esteves, presidente do Conselho de Pastores, Teólogos
Evangélicos do Brasil e do Exterior, afirma que, assim como em várias áreas da
sociedade, também existem no movimento evangélico pessoas que se aproveitam da
facilidade da situação de abrir templos, mas ele ressalta que são minoria.
“Na
Europa, se você não comprovar que é pastor, não abre templo. No Brasil, é mais
fácil. Muita gente abre e somente depois vai atrás para se regularizar. Isso,
infelizmente, acaba por contribuir para que algumas pessoas se aproveitem da
facilidade em benefício próprio”, afirma o bispo.
Entre os
Estados brasileiros, Espírito Santo e Rio de Janeiro aparecem como aqueles onde
há maior concentração de templos evangélicos em relação ao tamanho da
população.
Os dados
da pesquisa do CEM/Cepid mostram que ambos concentram mais de 80 templos
evangélicos por 100 mil habitantes, ou seja, há um templo para cada 1.250
moradores.
O
demógrafo José Eustáquio Diniz Alves explica que, historicamente, o Rio de
Janeiro projeta, com até 20 anos de antecedência, o que deve acontecer no
Brasil em termos religiosos.
“O Rio de
Janeiro funciona como uma antecipação do que vai acontecer no Brasil. Se você
quer saber como estará a questão da religiosidade no Brasil em 2040, basta
olhar para o Estado hoje.”
Alves diz
que isso se explica pelo fato de o Estado ser historicamente o mais avançado em
termos de transição religiosa.
“Em
contrapartida, o Piauí é o mais atrasado nesse processo”, diz Alves. As
motivações para isso ainda são estudadas por pesquisadores.
·
Dinâmica própria
A
facilidade em formar pastores, em relação a padres no catolicismo, e a
instalação de templos em locais estratégicos são apontados, por especialistas
ouvidos pela BBC News Brasil, como motivos para que cada vez mais brasileiros
se autodeclarem evangélicos.
“Um padre
precisa ficar no seminário meses até poder celebrar a primeira missa. Na igreja
evangélica, muitas vezes, a formação dura menos de seis meses.
Consequentemente, com mais pastores, fica mais fácil abrir igrejas”, diz José
Eustáquio Diniz Alves.
Alves
afirma que, dentro do protestantismo, normalmente, cada denominação possui uma
característica própria em relação à instalação de templos.
“A Igreja
Universal, por exemplo, tem o perfil de fazer grandes templos em avenidas
importantes das grandes cidades. Já a Assembleia de Deus costuma fazer pequenos
templos, em locais populares.”
O bispo
Antônio José da Silva Esteves também aponta a maior procura dos brasileiros
pela religião.
“Muitas
pessoas passando por dificuldades encontram esperança na palavra de Deus. Isso
acaba por aumentar o número de evangélicos”, afirma Esteves.
Para Nina
Rosas, outro fator que explica esse crescimento é a proposta de mudança de vida
de muitas igrejas evangélicas.
“É comum o
relato de pessoas que abandonaram a bebida, outros vícios, se voltaram ao
cuidado do casamento e da família, se tornaram mais diligentes no trabalho e
até conseguiram fazer economias ao ingressarem em uma igreja evangélica”, diz
Rosas.
A pastora
Romi Bencke afirma que muitas vezes não só uma pessoa se converte à religião
evangélica, mas também seus familiares.
“Por
exemplo, uma pessoa usa drogas e, ao começar a ir à igreja, deixa de usar.
Mesmo que a família muitas vezes não seja evangélica, por ver que está fazendo
bem para aquela pessoa, seus parentes também passam a frequentar a igreja”,
comenta.
Victor
Silva acrescenta que, principalmente nas periferias, as igrejas evangélicas
chegam a fazer o papel do Estado, oferecendo serviços de assistência social,
como distribuição de cestas básicas, o que, consequentemente, atrai mais fiéis.
“As
igrejas evangélicas conseguiram se adaptar mais rapidamente às necessidades
dessas populações periféricas e passaram a oferecer uma rede ampla de apoio às
famílias de baixa renda. Os cultos passaram a integrar elementos da cultura
local, o que tornou o culto mais aprazível e interessante para jovens,
adolescentes e grupos marginalizados”, diz o pesquisador.
·
'Televisão atrai
fiéis, o templo fideliza'
Outro
fator apontado por especialistas como motivo do aumento de brasileiros
autodeclarados evangélicos é o investimento de igrejas protestantes na compra
de horários em canais de televisão para transmissão de cultos.
“Em regra,
as igrejas entenderam que a televisão atrai fiéis, enquanto o templo fideliza.
Por isso, há tantos templos evangélicos”, diz Alves.
Segundo
ele, normalmente, a premissa difundida por alguns grupos evangélicos é de fazer
as pessoas conhecerem a igreja na televisão e, ao mesmo tempo, instalar templos
em locais próximos da sua residência.
“No Rio de
Janeiro, por exemplo, constatamos em várias cidades por meio de uma pesquisa
que onde igrejas evangélicas estão às margens de rodovias e avenidas
importantes, os evangélicos já são maioria em relação aos católicos. Isso
porque é mais fácil as pessoas chegarem ao templo evangélico do que a um
católico”, afirma Alves.
A pastora
Romi Bencke explica que o templo é de fundamental importância para qualquer
denominação religiosa.
“É o
espaço físico onde as pessoas vão se encontrar e que o espírito de
solidariedade e vivência comunitária da igreja acontece.”
Alves
afirma que o crescimento do número de templos evangélicos no Brasil também pode
ser explicado a partir do êxodo rural que deslocou milhões de pessoas do campo
para a periferia das grandes cidades brasileiras.
“Até 1889,
a população brasileira era praticamente 100% católica, porque o catolicismo era
a religião oficial do país. A gente tinha protestantes, principalmente,
imigrantes que vinham morar no país, mas eram uma minoria.”
De acordo
com ele, com a Proclamação da República, a separação oficial entre Estado e a
Igreja Católica e o processo de industrialização do país, aos poucos o
catolicismo foi perdendo a hegemonia.
“Com maior
liberdade religiosa, visto que o catolicismo deixou de ser religião oficial do
país, e mais gente morando nas cidades, o movimento evangélico passou a crescer
em regiões em que o catolicismo não tinha tanta força. A partir de 1889, por
exemplo, o catolicismo passou a perder 1% de fiéis a cada década no Brasil”,
diz Alves.
O
decréscimo de fiéis que foi acelerado a partir de 1940, com o surgimento das
igrejas neopentecostais, diz o pesquisador.
“A partir
da segunda metade do século 20, com o crescimento do movimento evangélico, os
católicos passaram a perder mais de 1% de fiéis por década, enquanto o número
de evangélicos, com a abertura de templos, passou a crescer mais rápido”, diz
Alves.
Os dados
do Censo mostram que, em 1950, 93,5% dos brasileiros se declaravam católicos e
3,6%, evangélicos. Em contrapartida, em 1990, o percentual de evangélicos havia
mais do que dobrado, para 9% e o de católicos caído para 83,3%.
“A partir
de 1991, o movimento católico passa a perder 1% de fiéis, não mais por década,
mas por ano”, aponta o demógrafo.
Segundo
Alves, isso acontece, principalmente, porque a partir da Constituição Federal
de 1988, igrejas e templos religiosos passaram a não pagar impostos, por
constarem entre as instituições que possuem imunidade tributária, segundo a
Constituição Federal de 1988.
Isso
acelerou a abertura de novas igrejas e, consequentemente, de fiéis evangélicos:
“Com isso, ficou mais fácil abrir uma igreja no Brasil do que uma empresa”.
Entretanto,
para a pastora Romi Bencke, é preciso olhar o crescimento exponencial das
igrejas evangélicas em dois aspectos.
“Claro que
é positivo falarmos de pluralismo religioso, facilitando que as pessoas
expressem sua fé. Sem ele, talvez não teríamos tantas religiões como hoje”,
pondera a pastora. “Mas também temos que considerar aspectos negativos desse
aumento vertiginoso de abrir igrejas no Brasil, porque existem pessoas que se
aproveitam da situação.”
Bencke
defende que seria necessário haver no país uma maior fiscalização por parte do
Estado no trâmite de abertura de igrejas e templos religiosos.
“Deveria
haver ao menos alguns requisitos para abertura de novos templos no país, como
averiguação do número mínimo de fiéis, finalidade de abertura da igreja, com o
objetivo de evitar que imagem do movimento evangélico seja manchada por uma
minoria”, diz a pastora.
Fonte: BBC
News Brasil
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