Presidente da CPI das ONGs possui imóvel irregular em reserva ambiental
na Amazônia
Há pelo menos 13 anos, o presidente da CPI das ONGs, o senador Plínio
Valério (PSDB-AM) mantém, ilegalmente, uma casa de veraneio na Reserva de
Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Tupé, no município de Manaus, a cerca de
50 quilômetros da capital amazonense. A reserva tem 11.973 hectares e está
inserida na Gleba Federal Cuieiras-Tarumã. A casa e o terreno constam nas
declarações do senador ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra),
por se tratarem de terras públicas, não existem lotes à venda. A administração
da área fica por conta da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e
Sustentabilidade de Manaus (Semmas), que reforça a irregularidade da obra. “É
ilegal a aquisição de terras no interior da reserva por terceiros, pessoas que
não são da comunidade”, informa a secretaria, via e-mail.
A casa do senador está às margens do Rio Negro, na entrada da comunidade
São João do Tupé, onde vivem cerca de 80 famílias. Na área central da vila, há
uma praia de areia branca e água doce que atrai visitantes vindos,
principalmente, de Manaus.
Além da casa do senador, na entrada da comunidade há outras construções
de veraneio de pessoas que, assim como Valério, se aproveitam da ausência de
fiscalização e invadem o território ribeirinho. De acordo com Marco Antonio Vaz
de Lima, gestor da RDS do Tupé, a localização próxima da área urbana de Manaus
facilita a presença de invasores. O impasse quanto à administração daquelas
terras também abre espaço para o avanço de construções irregulares.
“A Prefeitura de Manaus deu entrada em uma solicitação no Incra desde
2008 requerendo a doação das terras, para que a mesma possa proceder a
regularização fundiária”, explica o gestor. “Até a presente data não houve um
desfecho para essa solicitação”, completa.
Para os moradores do Tupé, aquelas terras e águas são parte do seu modo
de vida. Além de se dedicarem a atividades ligadas ao turismo, “muitos (têm)
trabalhos autônomos, são beneficiários do bolsa família, caseiros e
funcionários públicos”, conta uma moradora, que pede para não ter o nome
revelado pela reportagem. “Todos trabalhamos aqui mesmo”. Ela informa que o
senador não costuma aparecer por lá.
TERRENO CONSTA NAS DECLARAÇÕES DE PLÍNIO VALÉRIO DESDE 2006
Em 2006, quando era candidato a senador pelo PV, Valério declarou a
posse de um terreno na RDS, no valor de R$ 15 mil. Em 2010, quando disputou o
cargo de deputado federal pelo DEM, o terreno apareceu na declaração acrescido
de uma casa, com valor total de R$ 30 mil. Na declaração de bens mais recente,
de 2018, há somente a indicação de um terreno no valor de R$ 30 mil, sem
informações sobre a localização.
Em seu terceiro mandato como vereador de Manaus, entre os anos de 2013 e
2016, Valério destinou verbas para a construção de uma academia ao ar livre na
comunidade São João do Tupé. Na academia, há uma placa com o nome do
parlamentar. “Mas praticamente ninguém usa”, diz a moradora.
Em 2019, o senador destinou, por meio de emenda parlamentar, o valor de
R$ 335.755,00 para a construção de terminais fluviais em quatro comunidades
indígenas localizadas nas RDS Puranga Conquista e Tupé. De acordo com moradores do local, as
melhorias ainda não chegaram. A Empresa Estadual de Turismo do Amazonas
(Amazonastur) informa que a empresa contratada está com a documentação em
análise para, posteriormente, dar início às obras.
A reportagem entrou em contato com Plínio Valério, por meio da sua
assessoria de imprensa. Até a publicação desta reportagem, o senador não havia
se manifestado. Na CPI, Plínio é enfático ao dizer que trabalha na defesa dos
povos da Amazônia e a favor da exploração da floresta. “Vocês ouvem muito
também ‘garimpagem ilegal’, ‘extração de madeira ilegal’”, disse o parlamentar,
em sessão da CPI realizada no dia 10 de outubro. “Na Amazônia, tudo é ilegal,
porque não pode nada”.
REDUTO POLÍTICO DA FAMÍLIA É ÁREA DE INTERESSE DO GARIMPO
Nas redes sociais, Plínio Valério se apresenta como um “caboclo nascido
nas barrancas do Rio Juruá”, em referência a sua cidade de origem, Eirunepé, a
1.160 km de Manaus. Localizado no Vale do Juruá, o município de 33 mil
habitantes é dominado pela família Tomaz — sobrenome do presidente da CPI das
ONGs, Francisco Plínio Valério Tomaz.
Seu primo Raimundo Sergiony Tomaz (PL) é vice-prefeito do município. Em
março, o prefeito, Raylan Barroso de Alencar (DEM), foi denunciado pelo
Ministério Público do Amazonas (MPAM) por extração ilegal de madeira e
degradação ambiental na comunidade rural de Santa Rita. Ele é investigado pelo
Tribunal de Contas do Estado (TCE) por contratação irregular de médicos.
Sergiony, por sua vez, é filho de Sergio Paulo Thomaz Filho, condenado em 2014
por gerenciar uma rede de prostituição de meninas entre 10 e 13 anos. Morto em
2019, ele cumpriu prisão domiciliar.
Eirunepé fica a 1.160 km de Manaus, mas está perto da Boca do Acre, nova
fronteira do agronegócio na Amazônia. Além do avanço das áreas de pastagem, as
populações tradicionais tem sofrido com as investidas do garimpo. Em 2023, a
Agência Nacional de Mineração (ANM) registrou cinco requerimentos de pesquisa
de ouro em região próxima de Eirunepé, numa área de 5.970 hectares sobre o Rio
Juruá.
Outros três familiares de Plínio participam ativamente na política
municipal. Nas últimas eleições, Amaurilio Tomaz (PSC), irmão do presidente da
CPI das ONGs, tentou se sagrar prefeito mas foi derrotado pela chapa
Raylan-Sergiony. Vereador em Eirunepé desde 2013 e meio-irmão de Plínio,
Antilde José Gomes (MDB) teve prisão decretada por suspeita de tráfico de
drogas. Ele é apontado como comprador de 100 kg de oxi, uma versão mais potente
da cocaína. Ele foi preso em flagrante e teve a prisão convertida em preventiva
em março de 2022. Em entrevista ao G1, Plínio Valério afirmou não conviver com
Antilde.
Outro irmão do senador, Dissica Valério Tomaz, já foi prefeito de
Eirunepé por dois mandatos, em 2004 e 2008, tendo o primo Sergiony como vice.
Ele voltou a se candidatar ao cargo em 2016, mas foi derrotado. Em 2021,
Dissica foi condenado em primeira
instância pela Justiça do Amazonas por improbidade administrativa e teve seus
direitos políticos suspensos por oito anos. Ele faz parte também do braço de
comunicação do clã político dos Tomaz.
IRMÃO E SOBRINHO DE PLÍNIO VALÉRIO TÊM TV E JORNAL EM MANAUS
Com uma fortuna declarada de R$ 1,3 milhão, o irmão de Plínio Valério,
Dissica, tem fazendas voltadas para pecuária e seringais, além de ser sócio da
rádio FM do Povo, em Manaus, e da Editora Valério Tomaz, do grupo A Crítica.
Dissica é pai de Dissica Calderaro Tomaz, vice-presidente da Rede
Calderaro de Comunicação (RCC), grupo que engloba os veículos de TV A Crítica e
InovaTV e as rádios FM O Dia, Jovem Pan e Spark. Em 2011, Dissica Calderaro
Tomaz e seu irmão Umberto Calderaro Neto foram investigados pela Operação
Estocolmo, do Ministério Público do Amazonas (MPAM). Os dois eram apontados
como clientes de uma rede de exploração infantil e de agenciamento de mulheres
para a prostituição.
Sob controle dos Tomaz, a maior rede de comunicação do Amazonas vem
usando sua grade para defender Plínio Valério e o trabalho da CPI das ONGs.
Principal âncora do canal, o apresentador Sikera Jr dedicou um bloco inteiro de
seu programa ao vivo para atacar ambientalistas. “É uma tuia de gente buscando
dinheiro”, disse o apresentador em 17 de outubro. “Não está protegendo índio
merda nenhuma, nem bichinho, nem a preguiça da Amazônia, a preguiça-real, o
calango azul, o sapo amarelo, o jacaré [..], a cobra do surucucu, eu sei
onde…”. Sikera Jr é interrompido por gritos e risadas da produção.
SENADOR DEFENDE AFROUXAMENTO NAS LEIS DE PRESERVAÇÃO
Em 1983, Plínio Valério apresentou cinco pedidos de pesquisa para
exploração de ouro em áreas preservadas da Amazônia, na região de São Gabriel
da Cachoeira, no extremo noroeste do Brasil, conforme noticiou a Agência
Pública. As solicitações estão disponíveis no site da Agência Nacional de
Mineração (ANM). O senador justificou que os pedidos foram feitos com interesse
jornalístico, uma vez que ele tem formação na área.
No dia 31 de agosto, ele esteve em São Gabriel da Cachoeira acompanhado
dos senadores Márcio Bittar (UB-AC) e Chico Rodrigues (UB-RR), para uma
audiência da CPI. Na ocasião, os senadores acusaram as ONGs de barrarem o
desenvolvimento da Amazônia.
“Hoje, o Brasil é dominado por quem tem dinheiro”, disse. “E quem tem
dinheiro joga na mão das ONGs pra fazer o trabalho sujo, que é pra isolar
vocês”, completou, em fala direcionada aos indígenas que participavam da
reunião.
No encontro, o relator da CPI, Márcio Bittar explicitou sua perspectiva
de desenvolvimento para a região, comparando os povos originários do Brasil aos
dos Estados Unidos. “Mas os índios lá, eles são de fato dono (sic) da terra.
Até casino, se eles quiserem colocar eles podem colocar. Se quiser fazer
hidrelétrica pode fazer”.
Em 27 de novembro, quando a comissão recebeu a ministra Marina Silva, do
Meio Ambiente e Mudança do Clima, Valério abriu a reunião apresentando um
estudo sobre países responsáveis pelas emissões de gás carbônico (CO2). Sem
citar a fonte da pesquisa, o senador argumentou que o Brasil é responsável por
apenas 1% das emissões de gás poluente.
“Aquilo que eu venho dizendo: longe de ser vilão”. Na sequência, Marina
Silva ressaltou que, embora apareça com 1% de emissões, o Brasil está em 6º
lugar na lista dos dez maiores emissores mundiais. “O que faz com que o Brasil
não esteja numa posição pior é o fato de termos feito políticas públicas a
partir de 2003 que conseguiram debelar o maior vetor de emissão de CO2 do
Brasil, que é o desmatamento”.
Fonte: De Olho nos Ruralistas
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