quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

'Lucro extraordinário' de El Salvador com bitcoin desperta críticas e questionamentos

O presidente licenciado de El Salvador, Nayib Bukele, comemorou esta semana a alta do preço do bitcoin.

O governo de Bukele começou a adquirir criptomoeda com recursos públicos em 2021 e, assim, o recente aumento no valor do bitcoin foi motivo de comemoração.

“Com o atual valor de mercado do bitcoin, se vendêssemos nossos bitcoins, não apenas recuperaríamos 100% do nosso investimento, mas ainda obteríamos um lucro de US$ 3.620.277”, escreveu Bukele na rede social X (o antigo Twitter).

“Os investimentos em Bitcoin de El Salvador estão no azul!”, acrescentou.

Economistas de dentro e fora do país asseguram, contudo, que é cedo para comemorar uma aposta de alto risco como essa.

Bukele renunciou à presidência há poucos dias para se dedicar à campanha eleitoral para garantir um segundo mandato nas eleições presidenciais de 2024, cenário provável dado seu alto nível de popularidade entre os salvadorenhos.

·        “Ridicularizaram nossas supostas perdas”

De acordo com um site que monitora o portfólio de bitcoins de El Salvador com base nos anúncios que Bukele faz nas redes sociais, as 2.764 moedas digitais que El Salvador comprou nos últimos anos atingiram um valor superior ao que foi pago por elas.

Bukele publicou no X uma foto do gráfico publicado pela página mostrando o suposto lucro obtido.

Foram publicados milhares de artigos que “ridicularizaram as nossas supostas perdas”, escreveu o presidente.

“É importante que os detratores e autores destes artigos críticos retirem as suas declarações”, disse Bukele.

A postagem recebeu elogios dos entusiastas do bitcoin, que defenderam o potencial das moedas digitais.

·        "Vermelho intenso"

Um declínio persistente no valor do bitcoin desde meados de 2022 chegou a fazer com que as reservas de El Salvador da criptomoeda valessem metade do preço pago pelo governo por elas.

Na última semana, porém, o preço do bitcoin subiu para US$ 44 mil, o maior do último ano e meio.

Alguns economistas consideram, no entanto, que a situação não é tão positiva como Bukele apresenta.

E os mais de US$100 milhões que o governo de Bukele gastou na compra da criptomoeda são apenas parte dos recursos públicos utilizados para promover o uso do bitcoin no país, desde que foi adotado como moeda legal em novembro de 2021.

“O governo gastou muito dinheiro no desenvolvimento da aplicação Chivo Wallet, na instalação de caixas eletrônicos, que na sua maioria não funcionam, num bônus de US$ 30 dólares dado a todos os cidadãos maiores de 18 anos, em propaganda e eventos internacionais”, afirma Óscar Picardo, diretor do Instituto de Ciências da Universidade Francisco Gavidia de El Salvador.

“Quando se somam todas as despesas, o resultado não pode ser positivo. O resultado é vermelho, e vermelho forte.”

Em junho, um documentário da BBC sobre a adoção do bitcoin em El Salvador mostrou que a maioria da população usava a moeda digital menos do que Bukele e outros entusiastas esperavam, apesar do forte incentivo governamental.

“O tom vitorioso de Bukele em relação ao aumento do preço do bitcoin é bastante ilusório”, disse a economista salvadorenha Tatiana Marroquín.

“O custo econômico do projeto Bitcoin não compensa.”

Marroquín afirmou que milhões de dólares em dinheiro público foram gastos em campanhas com o objetivo de persuadir a população a adotar a moeda digital.

“É um fracasso total”, disse ela. “Quase ninguém em El Salvador usa bitcoin. Nem mesmo no turismo parece ser uma atração.”

Lourdes Molina, economista do Instituto Centro-Americano de Estudos Fiscais (ICEFI), garante que “num contexto de pobreza extrema e de insegurança alimentar que continua aumentando, destinar recursos públicos a esta especulação tem um custo social”.

“Esses fundos públicos poderiam ter sido usados ​​para garantir direitos básicos da população salvadorenha, como o direito ao acesso à alimentação ou a uma renda digna.

Economistas consultados pela BBC Mundo ressaltam a falta de transparência.

“Não há informação oficial além dos tweets do presidente Bukele”, diz Frank Muci, pesquisador da Escola de Economia e Ciência Política de Londres (LSE, da sigla em inglês).

Até alguns entusiastas do bitcoin criticam a falta de informação pública.

“É bastante lamentável que não divulguem formalmente a contabilidade de bitcoin”, disse o investidor em criptomoedas Pledditor, na rede social X.

O governo de Bukele não respondeu aos pedidos de comentário feitos pela BBC.

O autor da publicação Bitcoin Standard, Saifedean Ammous, que teria sido nomeado conselheiro econômico de bitcoin do governo Bukele em maio, não respondeu a perguntas sobre a falta de transparência, mas disse que o aumento no valor das reservas salvadorenhas de criptomoeda era motivo de comemoração.

“É significativo que o bitcoin e o investimento de El Salvador tenham se recuperado após dois anos debaixo d'água, porque políticos, economistas e organizações internacionais chamaram repetidamente Bukele e sua política de bitcoin de fracasso porque o preço havia baixado”, disse ele.

“Também é comum rejeitar a estratégia bitcoin de El Salvador com base em preocupações de curto prazo sobre a adoção (da moeda) nos pagamentos feitos pelos consumidores, mas isso ignora o quadro mais amplo”, acrescentou Ammous.

“Muito mais importante do que os pagamentos que os consumidores fazem, é o papel que o bitcoin pode desempenhar na independência econômica e no Tesouro de El Salvador, onde oferece um ativo de reserva que se valoriza com o tempo e tem um fundo de liquidez global grande e crescente.

Bukele criticou repetidamente instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI), que o alertou sobre o risco que a criptomoeda representava para El Salvador, enfatizando que seria difícil obter um empréstimo da instituição.

Em publicação esta semana na rede X, Bukele reconheceu que o preço do bitcoin continuaria a flutuar, mas disse que não tem planos de vender os ativos do país em criptomoedas.

 

Ø  Por que bilionário 'rei das criptomoedas' confessou lavagem de dinheiro

 

Changpeng Zhao ficou conhecido no final de 2022, quando estourou um dos maiores escândalos do mundo das criptomoedas.

O fundador da Binance, maior plataforma de moedas digitais do mundo, anunciou que considerava comprar sua rival FTX, que estava desmoronando.

Zhao logo mudou de ideia e deixou seu concorrente sangrar, arrastando o restante das criptomoedas para um declínio vertiginoso.

Finalmente, a FTX faliu e o seu fundador, Sam Bankman-Fried, foi processado e condenado pelo sistema judicial dos Estados Unidos por fraude e lavagem de dinheiro.

Foi assim que, após o colapso da FTX, Zhao se tornou o novo "rei das criptomoedas".

Mas não por muito tempo.

Nesta terça-feira (21/11), Zhao anunciou sua renúncia ao cargo de CEO da Binance, após se declarar culpado por lavagem de dinheiro.

"Cometi erros e devo assumir a responsabilidade. Isso é o que é melhor para nossa comunidade, para a Binance e para mim", disse ele em mensagem publicada no X, antigo Twitter.

O Departamento de Justiça anunciou que exigia que a Binance pagasse US$ 4,3 bilhões (R$ 16,6 bilhões) em multas e confiscos e que ajudasse usuários de todo o mundo a escapar das sanções de Washington.

“A Binance permitiu quase US$ 900 milhões (R$ 4,4 bilhões) em transações entre usuários dos Estados Unidos e do Irã e facilitou milhões de dólares em transações entre usuários dos EUA e usuários na Síria e nas regiões ucranianas ocupadas pela Rússia na Crimeia, Donetsk e Luhansk”, disse um porta-voz.

O Departamento de Justiça também disse que a plataforma facilitou a movimentação de dinheiro por criminosos e terroristas.

“Entre agosto de 2017 e abril de 2022, houve transferências diretas de aproximadamente US$ 106 milhões (R$ 520 milhões) em bitcoins para carteiras Binance.com da Hydra.

A Hydra era um mercado russo na darkweb, frequentemente usado por criminosos, que facilitava a venda de bens e serviços ilegais”, disse o departamento.

A Binance agora deve relatar atividades suspeitas às autoridades federais.

“Isso impulsionará nossas investigações criminais sobre atividades cibernéticas maliciosas e captação de recursos terroristas, incluindo o uso de bolsas de criptomoedas para apoiar grupos como o Hamas”, acrescentou o Departamento de Justiça.

Binance e Zhao estão sob o radar das autoridades desde 2018, mas foi só em junho deste ano que as autoridades americanas apresentaram as primeiras acusações contra eles.

Richard Teng, chefe de mercados regionais da Binance, foi nomeado o novo diretor-executivo.

Em uma publicação no X, Zhao disse que “não foi fácil separar-se emocionalmente” da empresa.

E, como parte do acordo com as autoridades, ele terá que pagar uma multa de US$ 50 milhões (R$ 245 milhões) e ficará impedido de ter qualquer tipo de participação no negócio.

Mas como Zhao se tornou uma das figuras mais influentes no mundo das criptomoedas?

·        'Minha mãe e eu saímos da China'

Conhecido na indústria como Changpeng “CZ” Zhao, o empresário nasceu na Província chinesa de Jiangsu, em 1977.

Filho de pais professores, Zhao contou em uma publicação no blog da Binance os problemas que a família dele enfrentou na China na década de 1980 e como ele fugiu do país aos 12 anos, após o massacre da Praça Tiananmen.

"No dia 6 de agosto de 1989, minha mãe e eu deixamos a China e migramos milhares de quilômetros para o Canadá. Para quem conhece a história chinesa, isso ocorre dois meses depois dos acontecimentos de 4 de junho de 1989", escreveu Zhao.

"Lembro que a fila do lado de fora da embaixada canadense durou três dias", comentou no blog. "Isso mudou minha vida para sempre e abriu possibilidades infinitas para mim."

Zhao passou a adolescência em Vancouver, onde trabalhou em vários empregos, inclusive no McDonald's, vendendo hambúrgueres.

Mais tarde, estudou ciência da computação na Universidade McGill em Montreal e depois estagiou na Bolsa de Valores de Tóquio antes de trabalhar para a Bloomberg Tradebook em Nova York.

Alguns anos depois, Zhao voltou à China para trabalhar em diversas empresas de tecnologia e em 2017 fundou a Binance.

Porém, o governo chinês proibiu a operação de plataformas de criptomoedas no país e Zhao migrou novamente, consolidando seus negócios em outras latitudes.

A Binance entrou nas grandes ligas e rapidamente se tornou a maior plataforma de compra e venda de criptomoedas do mundo.

·        'Uma extensa rede de enganação'

No entanto, os problemas ao longo do caminho não demoraram a aparecer. As autoridades britânicas proibiram as operações da Binance em 2022, enquanto nos Estados Unidos foi aberta a primeira investigação legal contra ela por supostas operações ilegais no país.

Em março, os reguladores americanos tentaram proibir a Binance, alegando que a empresa operava ilegalmente no país.

O processo da Comissão de Comércio de Futuros de Commodities (CFTC) afirma que a empresa fazia negócios nos Estados Unidos sem registrar-se adequadamente junto às autoridades.

Acusou a Binance de violar inúmeras leis financeiras dos EUA, incluindo regras destinadas a prevenir a lavagem de dinheiro.

Na época, a Binance defendeu suas práticas.

Afirmou ter feito “investimentos significativos” para garantir que os usuários dos EUA não estivessem ativos na plataforma, incluindo o bloqueio daqueles identificados como cidadãos ou residentes dos EUA, ou que tivessem um número de celular nos EUA.

Depois veio o processo em junho passado, quando a empresa foi acusada de formar uma "extensa rede de enganação" pela Securities and Exchange Commission. A agência disse que a plataforma de negociação e Zhao, seu fundador, ignoraram regras destinadas a proteger os investidores para continuarem operando nos Estados Unidos.

Na época, a Binance disse que se defenderia "de forma enérgica". Essa defesa terminou nesta terça-feira com a aceitação da culpa por Zhao.

 

Fonte: BBC News Brasil

 

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