Brasil ‘perdeu’ quase R$ 300 bi por subsídios a combustíveis fósseis na
gestão Bolsonaro
Durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro
(PL), o país ‘perdeu’ quase R$ 300 bilhões por conta de subsídios direcionados
a combustíveis fósseis. Esse montante engloba renúncias fiscais e incentivos
diretos dados pelo governo federal, assim como taxas pagas pelos próprios
consumidores brasileiros. Os benefícios aos fósseis chegaram a ser cinco vezes
superiores aos recebidos pelo setor de fontes renováveis - na contramão da
pressão global pela redução de emissões de gases de efeito estufa e de uma
transição energética para fontes limpas.
Os dados são da pesquisa Subsídios aos fósseis e
renováveis no Brasil (2018-2022): reformar para uma transição energética justa,
do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que o Terra teve acesso com
antecedência. O material foi lançado oficialmente nesta segunda-feira, 4, e
pode ser acessado no portal do instituto.
• Quanto
deixou de ser arrecadado para o País e quanto foi ‘dado’?
Em 2022, R$ 80,95 bilhões saíram, ou deixaram de
entrar, nos cofres públicos por causa de subsídios aos combustíveis fósseis -
como diesel, gasolina, óleos combustíveis, gás natural liquefeito (GNL) e
carvão mineral. Em 2020, o valor foi ainda maior, foram ‘aliviados’ mais de R$
87 bilhões. Isso sem considerar os subsídios estaduais e municipais, que não
foram abordados na pesquisa do Inesc.
Já com relação às fontes renováveis - como a
eólica, solar fotovoltaica, hidrelétricas, biomassa e etanol -, o incentivo do
governo federal foi de R$ 15,57 bilhões em 2022. Se comparado aos subsídios aos
fósseis, o valor é baixo. Mas, ainda assim, representa o ano que mais
beneficiou as fontes renováveis desde o início da gestão passada.
O estudo do Inesc também mostra que em 2018, sob
gestão de Michel Temer (MDB), os subsídios aos combustíveis fósseis foram de R$
36,15 bilhões e às fontes renováveis de R$ 10,25 bi. Houve um salto de
incentivos de mais de R$ 20 bilhões aos fósseis logo em 2019, quando Bolsonaro
assumiu a presidência. Já para as fontes renováveis o padrão seguiu similar.
No total, de 2018 a 2022, foram concedidos R$ 334,6
bilhões em subsídios aos combustíveis fósseis. Destes, cerca de R$ 51 bi foram
pagos pela própria população, por meio de taxas de subsídios cobradas nas
contas de energia.
• Qual
o impacto desse cenário?
Ondas de calor e eventos climáticos extremos afetam
a vida dos brasileiros de forma cada vez mais frequente e intensa, não deixando
dúvidas de que a crise climática é uma realidade. Com o País - e todo o mundo -
sentindo, o doutor em Energia e assessor político do Inesc, Cássio Carvalho,
porta-voz do estudo, considera incoerente que sejam mantidos tantos subsídios
aos fósseis enquanto o Brasil deveria estar investindo esforços na transição
energética, que pode promover melhorias socioambientais.
Em entrevista para reportagem, ele pontua que os
resultados do estudo são um reflexo do negacionismo climático dos últimos
governos: “Foram diversos movimentos e ações governamentais que negaram a
crise. Ao invés de caminharmos rumo à transição energética, fomos na contramão
do mundo e tivemos uma regressão energética."
Sobre esses retrocessos dos últimos anos, Carvalho
cita a privatização da Eletrobras; a criação do Programa para Uso Sustentável
do Carvão Mineral Nacional, sendo que o carvão é um dos principais poluentes do
planeta; e a falta de participação dos então líderes políticos em Conferências
das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (Cops) e demais fóruns
internacionais que discutem o futuro do planeta em razão da urgência climática.
“Estamos vendo a natureza cobrando essa conta” -
doutor em Energia e assessor político do Inesc, Cássio Carvalho, porta-voz do
estudo.
Falando em abrangência mundial, ele relembra que
este ano foi de recordes de altas de temperatura, reflexo das emissões de gases
de efeito estufa que, em sua maioria, são provenientes dos combustíveis fósseis
utilizados pelo setor energético.
“No Acordo de Paris, que o Brasil é signatário, foi
dada a meta de que, até o fim do século, o mundo não ultrapassasse o aumento de
1,5 ºC em relação ao período pré-industrial. Estamos em 2023 e a temperatura
média já está elevada em cerca de 1,2 ºC. Ainda faltam décadas para chegarmos a
2100 e já estamos perto do limite”, destaca.
• Como
esses subsídios são aplicados?
De diversas formas. Segundo dados levantados pelo
Inesc, o principal subsídio desfrutado pelas empresas de energia fóssil é o
Repetro - regime aduaneiro especial de
exportação e de importação de bens destinados às atividades de pesquisa e de
lavra das jazidas de petróleo e gás natural. Esse é um incentivo de renúncia
fiscal que permite a importação ou aquisição de bens, matérias primas e
produtos utilizados pela indústria do petróleo para a produção de combustíveis
fósseis.
Além dele, para a etapa de produção de combustíveis
fósseis, também existem outros subsídios. Para além dos nomes técnicos, confira
mais detalhes sobre eles:
• Conta de Consumo de Combustíveis (CCC)
Subsídio de gasto direto do governo federal, pago
pelos consumidores brasileiros nas contas de luz. Ele é referente aos sistemas
isolados de energia elétrica presentes na região Norte do país. Esses subsídios
aumentaram a partir de 2019, quando o governo venezuelano de Nicolás Maduro
rompeu o contrato de fornecimento de energia a Roraima em meio a
desentendimentos com o governo Bolsonaro. Com isso, a região passou a depender
ainda mais de combustíveis fósseis brasileiros e a conta teve que ser paga por todos.
Em agosto deste ano foi autorizado o retorno da importação de energia do país
vizinho.
• Dedução dos valores aplicados na exploração e
produção de petróleo e gás natural para cálculo do IRPJ (Imposto sobre a renda
de pessoas jurídicas) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido)
Renúncia fiscal que gera descontos no imposto de
renda de empresas. Segundo o Inesc, há pouca transparência sobre esses dados e,
quando os mesmos estão disponíveis, estão dispostos de forma pulverizada.
• Regime Especial de Incentivos para o
Desenvolvimento de Infraestrutura (Reidi)
Renúncia fiscal que gera isenções para a construção
de, por exemplo, termelétricas.
• Termoeletricidade
Renúncia fiscal que viabiliza a produção de gás
natural e carvão mineral para energia
elétrica.
• Importação de Gás Natural Liquefeito
Renúncia fiscal que isenta impostos para a
importação do combustível quando destinados à produção de energia elétrica. Em
2021, quando o Brasil enfrentou uma crise hídrica e necessitou da força da
termoelétrica para garantir a segurança energética, foi importado GNL dos
Estados Unidos e, então, esse trâmite recebeu subsídios.
• Serviços de geologia e geofísica aplicados à
prospecção de petróleo
Gasto direto do caixa do governo federal que
incentiva a realização de estudos, levantamentos e serviços. O intuito
principal é identificar áreas e blocos para serem ofertadas em futuras
licitações públicas e exportação de novos poços.
Já na etapa do consumo dos fósseis, estão entre os
subsídios:
• Isenções para consumo de óleo diesel, gasolina e
o gás de cozinha (GLP - Gás liquefeito de petróleo)
Renúncia fiscal que reduz impostos dos combustíveis
citados.
• Auxílio-gás dos brasileiros
Gasto direto que auxilia famílias com baixa renda.
Com o auxílio, elas pagam 50% da média do preço nacional do botijão de gás de
13 quilos.
• Conta de Desenvolvimento Energético (CDE)
Gasto direto, pago pelos consumidores de energia
elétrica. O CDE é como um guarda-chuva de diversos subsídios intrínsecos ao
setor elétrico - que inclui, por exemplo, o CCC.
• E os
subsídios para as fontes renováveis?
No Brasil, o principal incentivo a fontes
renováveis de energia é o Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas
de Energia Elétrica), instituído e regulamentado em 2002. Trata-se de um
subsídio de gasto direto, financiado pela tarifa da conta de energia elétrica
paga pelos próprios consumidores brasileiros - o que acontece em 48% dos casos
dos benefícios voltados ao setor renovável.
Até o momento, esse programa viabilizou a
implantação de mais de 200 geradores de energia elétrica limpa em mais de 100
municípios brasileiros. Além dele, na etapa de produção da energia limpa,
incidem os subsídios:
• Regime Especial de Incentivos para o
Desenvolvimento de Infraestrutura (Reidi Renovável)
Renúncia fiscal gera isenções para a construção de
empreendimentos de energia renovável.
• Geração distribuída
Renúncia fiscal em torno da lei da Micro e
Minigeração Distribuída, regulamentada pela Aneel no ano passado, que reduz
tarifas do sistema de distribuição de energia para quem faz uso de placas
solares fotovoltaicas.
• Aerogeradores
Renúncia fiscal que reduz alíquotas de tributações
incidentes em materiais e equipamentos para expansão da fonte eólica.
• Biodiesel
Renúncia fiscal que reduz alíquotas de tributações
incidentes na produção e comercialização do biodiesel.
• Conta de Consumo de Combustíveis (CCC Renovável)
Subsídio de gasto direto do governo federal, pago
pelos consumidores brasileiros. Ele é referente aos sistemas isolados de
energia elétrica presentes na região Norte do país. Nesse caso, para sistemas
que passam a ofertar geração de energia provinda de fontes renováveis.
• Fontes Incentivadas, redução de pagamento de TUST
e TUSD
Gasto direto para reduzir tarifas de transporte de
eletricidade. Esse tópico também está dentro do guarda chuva da Conta de
Desenvolvimento Energético (CDE).
• Política nacional de biocombustíveis (Renovabio)
Gasto direto que promove a expansão dos
biocombustíveis na matriz energética, regularizando o abastecimento e
assegurando a previsibilidade para o mercado de combustíveis.
• Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico
da Indústria de Semicondutores (Padis)
Renúncia fiscal que impulsiona o desenvolvimento de
fontes renováveis no país, reduzindo a necessidade de fontes fósseis. Esse
subsídio isenta alíquotas de impostos para empresas que exercem atividades de
concepção, desenvolvimento ou fabricação de placas solares.
• Programa Mais Luz para a Amazônia
Gasto direto que promove a implementação de fontes
renováveis no Norte do país e a expansão dos sistemas interligados até essas
regiões - reduzindo, assim, os sistemas isolados.
Já no consumo de energia limpa, o subsídio é o de:
• Isenções para consumo de etanol hidratado
Renúncia fiscal que reduz impostos do combustível.
• Combustíveis
fósseis são o ‘principal vilão’?
No cenário global, em meio ao setor de Energia, são
os principais poluentes. Mas, no Brasil, as emissões de gases de efeito estufa
estão ligadas principalmente a mudanças de uso da terra - onde entra o
desmatamento e a queima de resíduos florestais, por exemplo. Em 2022 o país
emitiu 2,3 bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa - sendo 48%
relacionadas ao uso da terra.
Já o segundo setor que mais emite no país é o da
agropecuária. O setor representou 27% das emissões brutas do país no último
ano. Depois, em terceiro lugar, vem o setor de Energia. Os dados são do novo
estudo de análise de emissões do Sistema de Estimativa de Emissão de Gases
(Seeg), do Observatório do Clima, lançada em novembro.
"Entre 2019 e 2022, o Brasil emitiu 9,4
bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa, retornando ao patamar de
emissões dos mandatos de FHC 2 (9,8 bilhões) e de Collor/Itamar (9,1 bilhões) e
anulando as conquistas dos governos Lula 2 e Dilma 1, quando as emissões em
quatro anos foram de 7,6 bilhões e 7,7 bilhões de toneladas de CO2 e,
respectivamente" - Seeg.
Mas, de todo modo, como dito no relatório do Inesc,
o Brasil segue como o nono maior produtor mundial de petróleo. A questão é
complexa pois, além dos impactos, a mineração de carvão criou cerca de 20 mil
empregos diretos e indiretos em 2018, por exemplo. Para mudar esse cenário,
como indica o estudo, é preciso uma “estratégia robusta de transição justa para
as comunidades impactadas pela desativação de minas de carvão e usinas
térmicas”.
O Banco Mundial, no Relatório sobre Clima e
Desenvolvimento do País lançado neste ano, estima que eventos climáticos
extremos causam, em média, perdas de R$ 13 bilhões ao ano no Brasil. Se a
situação seguir nessa toada, a partir de 2030 a crise climática pode levar para
a pobreza extrema um adicional de 800 mil a 3 milhões de brasileiros.
• A
previsão é de melhora?
O Inesc avalia que, agora, o Brasil se encontra em
um contexto político favorável em função do compromisso do governo de
construção e implementação do ‘Plano de Transformação Ecológica’ e de so papel
de liderança que o atual governo assume junto à Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). Além disso, o país também se torna
presidente do G20 a partir de 2024.
Para o especialista Cássio Carvalho, o Brasil pode,
sim, ser protagonista no processo de transição energética e de ser líder na
conquista do desmatamento zero. Mas que, ainda assim, esse papel está em
disputa.
“O governo vai para os fóruns internacionais, vai
para as mesas de negociações e fala que temos esse potencial. Mas aqui dentro a
gente vê a disputa colocada, por exemplo, na tentativa de exploração da margem
equatorial ou, até mesmo, no convite que foi feito pela Opep [Organização dos
Países Exportadores de Petróleo] para que o Brasil se integre ao cartel da
Opep+. São buchas de canhão”, diz.
Sendo assim, ele avalia que o governo precisa ter
pulso firme neste papel de liderança e fazer ‘as lições de casa’, dizendo não
para novas fronteiras de petróleo.
Neste sábado, 2, durante discurso na Cúpula do
Clima da ONU, a COP 28, em Dubai, nos Emirador Árabes, Lula argumentou que o
Brasil irá participar do grupo Opep+, mas que não irá "apitar em
nada" nas decisões do bloco.
"Eu vou lá, escuto, só falo depois que eles
tomarem a decisão e venho embora. Não apito nada. A Opep+ eu acho importante a
gente participar, porque a gente precisa convencer os países que produzem
petróleo que eles precisam se preparar para reduzirem os combustíveis
fósseis", disse o presidente, no momento, enfatizando que isso não
representa que o Brasil entrará na Opep, mas, sim, na Opep+.
A Opep reúne 13 países que respondem por 30% da
produção global de petróleo e por cerca de 60¨de todo o petróleo exportado no
mundo. O maior produtor é a Arábia Saudita, que gera mais de 10 milhões de
barris por dia. A organização foi fundada em 1960 e, em 2016, surgiu a Opep+ -
onde estão 'países aliados'.
No dia 1º, em outro discurso na Cúpula, Lula
reforçou seu compromisso com a redução da dependência de combustíveis fósseis,
da aceleração do ritmo da descabonização da economia e da promessa de zerar o
desmatamento na Amazônia até 2030.
Fonte: Redação Terra
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