quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Pesquisadores explicam por que evangélicos do Brasil defendem Israel na guerra com o Hamas

A guerra entre Israel e o Hamas se intensificou nas últimas semanas e, desde outubro, cerca de 1,4 mil israelenses e mais de 8 mil palestinos morreram.

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, pesquisadores do conflito avaliam como a religião tem influenciado a disputa e como setores da política e religião brasileiras se posicionam na questão.

O professor de sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Michel Gherman, explica que o Hamas é um grupo de origem religiosa, criado como uma espécie de "seção palestina da irmandade muçulmana" e fortalecido como alternativa à autoridade nacional palestina, sucedendo o Fatah.

"O Hamas se consolida de um grupo de ação social em direção ao grupo militar, em direção ao grupo de ataques terroristas. Não me parece possível analisar o que acontece hoje na Faixa de Gaza e na sua relação com Israel sem passar pela questão da religião por conta do que o Hamas é."

O pesquisador de antissemitismo da Universidade de Jerusalém comenta que o conflito entre Israel e Palestina é historicamente produzido por "perspectivas de nacionalismo distintas".

"O elemento de religião está presente por conta da identidade do Hamas e também por conta de um perfil específico do atual governo de Israel."

Para ele, a instrumentalização dos aspectos religiosos ocorre, do lado israelense, principalmente da direita sionista — com representantes fundamentalistas nos ministérios da Saúde, Segurança Pública e Economia, por exemplo, além do próprio Benjamin Netanyahu.

Do lado palestino, para ele, o Hamas utiliza também linguagens religiosas para "justificar práticas políticas e específicas".

"Então, a gente está em uma fase onde dos dois lados desse conflito você tem grupos que sequestraram tanto a nacionalidade palestina quanto a judaica, utilizando referências de judaísmo e de islã para justificar as suas atividades."

Ele acredita que a ideia de Jerusalém enquanto terra prometida está baseada em teorias cristãs e não judaicas.

No entanto, os setores mais fundamentalistas passaram a incorporar tais referências.

·         Uso político da guerra Israel-Hamas

Do ponto de vista religioso, judeus e cristãos aguardam pela volta do Messias no território de Jerusalém, segundo o pesquisador de filosofia da religião da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Sergio Dusilek. No entanto, para ele, essa discussão acaba utilizada como elemento de manipulação política.

Dusilek observa que o entendimento de que Jesus voltaria à Jerusalém e que a cidade possui um grande apelo religioso tem origem na do "pré-milenismo dispensacionalista", que teria "vários furos e inconsistências", apesar de muito popular.

"Então, qualquer acontecimento que esteja ligado ao Estado de Israel ou a Jerusalém, esse acontecimento dispararia, segundo essa corrente, o relógio escatológico, o relógio, vamos dizer assim, com muitas aspas, o relógio apocalíptico. Essa corrente não resiste a uma análise mais criteriosa, mas é a mais popular."

Ele avalia que tal perspectiva é reforçada por sionistas de extrema-direita e até pelo turismo em Israel.

Para o professor, é preciso estudar o contexto do que foi escrito na Bíblia e entender que o Israel bíblico e o Estado moderno de Israel são coisas diferentes. "Está escrito lá: orai pela paz em Jerusalém. Então, [o evangélico] acha que literalmente é isso que tem que fazer."

"Ele não questiona se aquele texto foi escrito para os judeus naquele contexto lá atrás. O que significaria isso hoje? Que deveria ser orai pelos governantes do país?"

O professor cita algumas políticas israelenses como a legalização do aborto e da maconha, ou o casamento entre pessoas do mesmo gênero, por exemplo, que são pautas criticadas por parte dos grupos religiosos ou de direita.

Doutor em ciência da religião pela UFJF, ele acredita que o fundamentalismo seja "impositivo" e impede que haja discussões.

"Ou você adentra nesta visão ou você é execrado, você sofre a perseguição inquisitorial, você é banido, você é exilado, seja lá o que for, há uma perseguição. O fundamentalismo é uma ideologia política com verniz religioso. Tem fundamentalista tibetano, tem fundamentalismo no islã, no judaísmo, no cristianismo, protestante e católico, etc."

·         Qual o motivo da guerra entre Israel e Hamas?

O grupo Hamas, que governa a Faixa de Gaza desde 2007, não reconhece Israel como Estado e reinvidica o território para a Palestina, que pede a suspensão de políticas de colonização e bloqueios na região. Resolução de 1947, da Organização das Nações Unidas (ONU), determinava a criação de dois Estados, mas apenas o judaico foi criado.

O professor Michel Gherman descreve massacres que ocorreram entre 1921 e 1929 e que tiveram como lideranças fundamentalistas islâmicos. "O Hamas é um movimento muito antissemita, desde muito antes de ele existir. Há uma tradição antissemita do islã, desconsiderada pela maioria dos grupos islâmicos, mas que na causa palestina se incorporou em momentos muito específicos."

"Acho que seria equívoco dizer que o movimento nacional palestino é antissemita e que a ascensão do movimento nacional palestino fortalece o antissemitismo. O que eu acho que ocorre é que uma narrativa antissemita típica do Hamas tem se consolidado. Eu acho, nesse sentido, que a derrota do Hamas e o fortalecimento de um movimento nacional palestino secular, a criação de um Estado palestino ao lado de Israel, pode enfraquecer o antissemitismo."

Ele observa que o Brasil tem se atentado mais aos conflitos no Oriente Médio, com o passar dos anos, e que as redes sociais funcionam como um espaço onde muitas opiniões são produzidas, até mesmo de forma pouco produtiva.

"Não dá para ignorar que tem um projeto de direita evangélica de construção de um apoio a Israel imaginária, uma Israel branca, religiosa, fundamentalista, ultracapitalista e ultraarmada."

Além disso, segundo ele, setores da esquerda também se apropriam de determinados ideais do grupo Hamas, que em sua visão, não condizem com a realidade.

Por fim, ele avalia que, apesar dos ataques do Hamas terem sido extremamente violentos, não se comparam ao período do Holocausto, que matou milhões de judeus.

"Eu acho que o Holocausto tem uma gramática própria e que não se aproxima em nada do que está acontecendo em Gaza, apesar disso não significar que o que está acontecendo em Gaza não seja terrível e uma tragédia de proporções bíblicas, tal qual o que aconteceu no dia 7 de outubro também é."

·         Quem ocupava Israel antes dos judeus?

Os territórios de Israel e Palestina, ao longo dos séculos, foram ocupados por diferentes grupos, impérios e nações, incluindo judeus, assírios, babilônios, persas, macedônios, romanos e bizantinos, além dos próprios árabes palestinos.

O professor Sérgio Dusilek destaca que, em várias passagens do texto da Bíblia, há referência de que havia habitação neste território.

"Essa disputa territorial sempre foi lida como uma questão de mandato divino. É como se Deus estivesse dando uma orientação para esses povos ocuparem aquele espaço. Em termos bíblicos, o judaísmo é contado na descendência de Isaac, que é o filho de Sarah, e o islamismo é contado na descendência de Ismael, que é filho de Hagar."

Ele explica que as diferentes religiões abordam compreensões de "povos escolhidos de Deus", o que alimenta ainda mais o "preconceito étnico-religioso", segundo ele, já que haveria uma disputa para saber quem é o povo escolhido.

"Quando você olha a partir de Abraão, ele não teve problema nem com Isaac, nem com Ismael. Quem pediu para fazer a separação e a ruptura foi Sarah [...]. Se voltassem todo mundo para Abraão, que é esse pai da fé comum aos três monoteísmos, não encontraria, na minha visão, motivo para esse ranço mútuo. Em termos bíblicos, o judaísmo é contado na descendência de Isaac, que é o filho de Sarah, e o islamismo é contado na descendência de Ismael, que é filho de Hagar."

Desta forma, o professor ressalta o componente religioso da guerra, já que a região foi "sacralizada" por três das mais populares religiões monoteístas da humanidade — islamismo, judaísmo e cristianismo.

 

Ø  Fracasso do Ocidente em 'apelo unificado' por cessar-fogo em Gaza impulsiona escalada regional

 

Embora vários grupos de resistência tenham disparado contra alvos dos EUA e de Israel fora da crise israelo-palestina, uma luta regional mais séria pode vir a se desenvolver à medida que Tel Aviv continua a rejeitar as exigências de um cessar-fogo e segue atacando a Faixa de Gaza, disseram especialistas à Sputnik.

Pela segunda vez desde que Israel declarou estar em guerra com o Hamas, no início do mês passado, o grupo rebelde iemenita Ansar Allah, mais conhecido como movimento houthi, lançou mísseis e drones contra Israel na terça-feira (31), com vários projéteis sendo abatidos na altura da cidade de Eilat, ao sul do país judeu. No entanto o general Yahya Saree, porta-voz do grupo, afirmou que pelo menos um dos disparos atingiu o alvo.

Durante o seu conflito de oito anos com a coligação liderada pelos sauditas no Iêmen, o Ansar Allah demonstrou a sua capacidade de atacar alvos a centenas de quilômetros de distância usando mísseis balísticos e drones kamikaze, incluindo instalações petrolíferas da Saudi Aramco que eram defendidas por sistemas antiaéreos norte-americanos.

O ataque a Eilat é o mais recente de uma série de incidentes que visam bases israelenses ou norte-americanas na região. Entre as hostilidades com potencial de alastramento, há os ataques a tropas dos EUA na Síria e no Iraque por milícias locais e as investidas trocadas entre Israel e o Hezbollah ao longo da fronteira Israel-Líbano. Os israelenses também já atingiram alvos no Líbano e na Síria.

O professor associado adjunto da Universidade Georgetown, no Catar, Luciano Zaccara, também professor associado de pesquisa em política do Golfo na Universidade do Catar, disse à Sputnik que a declaração do Ansar Allah "ressalta" como o conflito entre Israel e o Hamas, que governa a Faixa de Gaza, se tornou internacional.

"Essa evolução destaca a incapacidade dos governos regionais e das potências internacionais de mediar, mesmo que seja um cessar-fogo humanitário temporário, essencial para evitar mais devastação em Gaza e garantir a libertação de reféns."

"Embora países como o Irã, o Catar e a Turquia tenham tentado a mediação — como provado pelas duas visitas do [Hossein] Amirabdollahian [ministro das Relações Exteriores iraniano] a Doha, para se encontrar com [Ismail] Haniyeh [chefe do gabinete político do Hamas], e pelas três visitas a Ancara, bem como pela comunicação direta entre [Ebrahim] Raisi [presidente iraniano] e [Mohammed bin] Salman [príncipe herdeiro saudita] —, os EUA, o Reino Unido e a União Europeia ainda não apresentaram um apelo unificado para que Israel interrompa a sua ofensiva em Gaza, apesar das visitas do [Joe] Biden [presidente dos EUA], da [Ursula] Von der Leyen [presidente da Comissão Europeia] e do [Rishi] Sunak [primeiro-ministro do Reino Unido] a Tel Aviv", disse ele.

"Dado esse cenário, as ameaças, especialmente do Irã, relacionadas à mobilização do Eixo da Resistência […] estão se tornando cada vez mais tangíveis, especialmente tendo-se em conta a aparente paralisia dos Estados árabes em geral face à escalada das ações israelenses em Gaza."

O escopo cada vez maior dos ataques "prejudica diretamente os interesses de outros países que não Israel, incluindo os Estados Unidos e a Arábia Saudita", disse à Sputnik o professor de estudos do Oriente Médio na Universidade Ben-Gurion do Negev, em Israel, Yoram Meital.

Mehmet Rakipoglu, pesquisador de assuntos internacionais no think tank Dimensions for Strategic Studies, com sede em Londres, disse que para muitos grupos em toda a região, expressar apoio à Palestina é "mais retórica". Ele observou, no entanto, que se Israel "conseguir ganhos sérios na operação terrestre em Gaza", isso ainda poderá ser suficiente para desencadear uma guerra regional.

A guerra começou no dia 7 de outubro, quando o Hamas fez um ataque-surpresa com foguetes, em grande escala, que atingiu o território de Israel. Além disso, militantes atravessaram a fronteira pela região sul e provocaram milhares de mortes, além de sequestrar mais de 220 pessoas. Uma das regiões mais pobres do mundo, Gaza tem mais de 80% da população na pobreza e sofre um bloqueio israelense por terra, ar e mar desde 2007.

Segundo dados recentes do Ministério da Saúde de Gaza, mais de 8,5 mil pessoas perderam a vida na ofensiva de Israel — 63% delas mulheres e crianças. Quase 3,5 mil crianças foram mortas, e pelo menos 6,3 mil estão órfãs.

No final da semana passada, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, anunciou a abertura de uma "terceira fase" da guerra: uma invasão terrestre da Faixa de Gaza por mais de 300 mil soldados das Forças de Defesa de Israel (FDI), intensificando o bloqueio contra Gaza.

 

Ø  'Israel está cometendo massacres bárbaros contra civis desarmados', diz líder político do Hamas

 

Em pronunciamento divulgado nesta quarta-feira (1º), Ismail Haniyeh alertou que reféns israelenses mantidos no enclave enfrentam o mesmo risco de morte que os palestinos.

O líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, acusou Israel de promover um massacre na Faixa de Gaza para ocultar suas derrotas e alertou que centenas de reféns israelenses e de outras nacionalidades, mantidos em cativeiro no enclave, enfrentam o mesmo risco que os palestinos nos ataques israelenses.

A declaração foi dada em um pronunciamento no qual Haniyeh afirmou que "Israel está cometendo massacres bárbaros contra civis desarmados. Sua vilania não os salvará de uma derrota retumbante".

Os comentários de Haniyeh foram feitos em resposta ao ataque israelense ao campo de refugiados de Jabalia, no norte da Faixa de Gaza.

Hoje (1º), o campo sofreu o segundo ataque israelense consecutivo. Mais de 50 pessoas morreram no primeiro ataque ao campo na terça-feira (31), e dezenas foram mortas no ataque seguinte. Segundo Haniyeh, sete reféns israelenses, três dos quais com passaportes estrangeiros, foram mortos no ataque ao campo de refugiados.

Haniyeh disse ainda que o Hamas alertou o governo israelense sobre as suas políticas contenciosas antes do ataque do dia 7 de outubro, apontando para a expansão dos assentamentos judeus na Cisjordânia e para ataques a locais sagrados islâmicos, como a Mesquita de Al-Aqsa.

Ele disse que a turbulência na região não vai cessar até que os palestinos "obtenham os seus direitos legítimos à liberdade e independência".

Nesta quarta-feira, o Ministério da Saúde palestino atualizou o número de mortos na ofensiva israelense na Faixa de Gaza e na escalda de violência na Cisjordânia.

Segundo o Ministério, 8.730 palestinos morreram e 22 mil ficaram feridos em decorrência dos ataques de Israel na Faixa de Gaza. Na Cisjordânia, foram 130 mortos e 2.100 feridos.

 

Ø  ONU: ataques israelenses ao campo de refugiados de Jabalia podem ser considerados crimes de guerra

 

Os ataques aéreos israelenses ao campo de refugiados de Jabalia, na Faixa de Gaza, podem constituir crimes de guerra devido ao elevado número de vítimas civis, declarou o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) nesta quarta-feira (1º), nas redes sociais.

"Dado o elevado número de vítimas civis e [dada] a magnitude da destruição causada pelos ataques aéreos israelenses contra o campo de refugiados de Jabalia, estamos seriamente preocupados que estes sejam ataques desproporcionais, que possam constituir crimes de guerra", diz o comunicado.

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antônio Guterres, condenou em comunicado o assassinato de civis no ataque levado a cabo por Israel contra o campo de refugiados localizado na cidade palestina de Jabalia ontem (31).

No texto lido pelo porta-voz da ONU, Stéphane Dujarric, Guterres afirmou estar "horrorizado" com a escalada de violência e apelou às partes para que respeitem o direito internacional, que condenou "nos termos mais duros qualquer assassinato de civis".

As Forças de Defesa de Israel (FDI) confirmaram ter atacado o campo de Jabalia na tentativa de liquidar um chefe do movimento palestino Hamas e explicaram as mortes dos civis como uma "tragédia de guerra".

A porta-voz do ACNUDH, Ravina Shamdasani, também declarou que o bloqueio da Faixa de Gaza e o bombardeio de zonas densamente povoadas por Israel são crimes de guerra.

De acordo com o Ministério do Interior do enclave, pelo menos 50 pessoas morreram e centenas ficaram feridas no campo de refugiados com os bombardeios.

O cerco e os ataques à Faixa de Gaza continuam. Agora, as forças terrestres israelenses, com apoio aéreo e marítimo, romperam a linha de frente da defesa do Hamas no norte do enclave, segundo o porta-voz das Forças de Defesa de Israel (FDI), Daniel Hagari.

 

Ø  Grupo do Iêmen diz que atacará Israel até que a guerra em Gaza chegue ao fim

 

Usando mísseis balísticos e drones, movimento xiita afirmou que é dever dos países islâmicos conduzir a luta contra a ocupação de Gaza por Israel.

O movimento xiita Ansar Allah, dos houthis do Iêmen, anunciou que continuará a atacar Israel até que o país pare a sua agressão contra a Faixa de Gaza. O comunicado veio por meio do porta-voz militar houthi, Yahya Saria, nesta quarta-feira (1º).

"Nas últimas horas, as Forças Armadas lançaram um grande número de veículos aéreos não tripulados contra alvos nas profundezas da Palestina ocupada". Todos os drones, observou o oficial, "cumpriram seus objetivos".

"As Forças Armadas do Iêmen continuarão a conduzir as suas operações militares em apoio ao povo palestino oprimido […], em resposta aos apelos e às exigências do povo do Iêmen e de todos os povos do mundo islâmico, até o fim da agressão israelense contra os nossos irmãos em Gaza", completou Yahya.

Na terça-feira (31), Saria revelou que, desde a escalada do conflito na Faixa de Gaza, os houthis atacaram Israel três vezes com mísseis balísticos e drones carregados de explosivos.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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