André Márcio Neves
Soares: Presidente do BC - o mal-amado
No
Brasil de hoje, se existe alguém que deve ser mal-amado, este é o presidente do
Banco Central, Roberto Campos Neto. É bom frisar minha expressão na condicional
“deve”, pois não tenho acesso a informações particulares dele. Entretanto, só
uma pessoa de mal com o país, pirracenta e atrelado a interesses privados pode
ser responsável por essa ignomínia que foi a manutenção da taxa de juros em
13,73% ao ano na reunião de junho do Copom. Uma das mais altas taxa de juros do
planeta, diga-se de passagem. E, no entanto, a atitude dele de afronta aos
interesses do país, especialmente das camadas menos favorecidas da população
brasileira que lutam diariamente pela sua sobrevivência, não foi surpresa.
Nesse
sentido, penso ser oportuno fazer uma breve digressão sobre essa questão do
Banco Central independente. Com efeito, apenas para as principais economias do
planeta, a saber, as que compõem o G-7 e as que fazem parte do Banco Central
Europeu (alguns países estão nesses dois grupos) faz algum sentido a discussão
sobre ter ou não um Banco Central independente. O próprio Japão tem sofrido com
esse tipo de agência, sendo ela uma das causas de uma estagnação monstro de mais
de três décadas.
Para
as demais, especialmente os países considerados de capitalismo tardio, um Banco
Central independente não faz sentido. O motivo? Bem, são vários, e não apenas
um só. Para começar, não existe evidências empíricas de que um país incrementou
seu desenvolvimento econômico apenas por ter um Banco Central independente;
além disso, o Banco Central independente possui a capacidade de restringir o
papel empreendedor do Estado, como atualmente ocorre no Brasil, por não
permitir o financiamento de seus gastos, justamente por não financiarem grandes
déficits; uma outra questão que depõe contra, essa estritamente política,
refere-se à questão democrática.
De
fato, o cargo de presidente do Banco Central deveria ter, prioritariamente, um
perfil técnico. Contudo, ele também é um cargo político, na medida em que quem
o indica foi eleito pelo povo. Logo, no final das contas, é ao povo, e não aos
rentistas, que o presidente do Banco Central deve satisfações.
Por
conseguinte, se por um lado a independência do Banco Central pode ser boa para
evitar casuísmos políticos, também pode ser muito ruim se na cadeira mais
importante de lá estiver um técnico aterrado até os últimos dentes a uma
ideologia contrária aos interesses do país, como no nosso caso.
Se
considerarmos, hipoteticamente, que os técnicos que sentam na cadeira de
presidente do Banco Central são todos de alto gabarito, eu gostaria de saber o
que é mais danoso a um país como o Brasil: um excelente quadro, das mais
respeitáveis universidades do mundo, mas que, ao tomar um rumo diferente em
termos de política monetária da que o país realmente precisa, por convicções
técnicas, por ideologia ou mesmo por mera teimosia, e, por isso, precisa (e
pode) ser afastado do cargo; ou esse mesmo quadro que, por alguma das razões
acima, ou por todas, adota uma política monetária contrária aos interesses
soberanos do país, mas que não pode ser retirado do cargo por um mandato
“imexível”?
Nesse
ponto, imagino ser importante afirmar que não se trata apenas de colocar as ressalvas
quanto à independência do Banco Central em relevo, como se só existissem
desvantagens. É óbvio que também existem inúmeras vantagens para qualquer país
ter um Banco Central independente, ao alcance de qualquer leitor que quiser ir
mais a fundo. Trata-se, isso sim, de buscar entender, criticamente, a diferença
entre o Banco Central independente dos EUA, por exemplo, e o Banco Central
independente de algum país de economia capitalista tardia, como o Brasil.
O
primeiro não precisa adentrar tanto na esfera política, na medida em que a
economia do país, ainda a maior do mundo, é financiada pelo endividamento
externo dos países periféricos em sua moeda, o dólar, principalmente as
economias do Sul global, mas também por outras potências regionais, especialmente
a segunda maior potência econômica da atualidade, a China.
Já
o segundo, o Brasil, não pode (e não deve) ter um Banco Central independente,
ainda não, pois é justamente a política econômica ditada pelo governo que deve
ter a capacidade de alavancar todos os recursos necessários para o
desenvolvimento nacional. Ademais, se o pais tem uma autarquia federal autônoma
que tem total autonomia frente aos outros órgãos do público, mas que utiliza
essa autonomia para maximizar ao extremo apenas o funcionamento do sistema
financeiro, é cristalino o conflito de interesses.
Ora,
se um pais como o Brasil, onde a classe do 1% mais rica, eu diria até mesmo a
fração de classe do 0,1% mais rica, detém metade de toda a riqueza nacional, é
mais que evidente que uma taxa de juros de 13,75% ao ano, sendo que o juro real
(descontada a inflação) de 6,82% ao ano é o maior do mundo, inviabiliza
qualquer tentativa macro e microeconômica de novos investimentos por parte das
empresas e de um aumento significativo do consumo das famílias.
Pelo
contrário, não à toa na semana passada a montadora alemã Volkswagen parou suas
atividades de produção de novas unidades até segunda ordem. Quem viu as imagens
do mar de carros estocados na fábrica ficou impressionado.[1] E
não será só a Volkswagen, mas a GM também já anunciou que vai parar. Pelo lado
dos consumidores menos abastados, como pagar suas dívidas para limpar seus
nomes na praça e poder voltar ao comércio capitalista do consumo fetichista?
Como financiar um veículo, um bem qualquer da linha branca ou mesmo um imóvel
no país da maior taxa real de juros do mundo? Inviável né, cara leitor?
Realmente,
a coisa está tão feia que até o Senado brasileiro, na pessoa do seu presidente
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), deu uma indireta bem robusta essa semana contra a
política monetária suicida dos sabujos do mercado que estão entrincheirados no
Copom.[2] Oxalá o governo Lula consiga defenestrar logo esses
burocratas, autoproclamados doutores na ciência econômica, mas que são na
verdade especialistas em como deixar um país à míngua, de pires não mão junto
aos principais organismos internacionais de financiamento da dívida nacional –
interna e externa -, como o FMI e o Banco Mundial, entre outros, como na época
do avô dele, Roberto Campos, ministro da área econômica no período militar.
Ø
Sinais
da mudança de época. Por Marcio Pochmann
O
governo da Argentina pagou ao Fundo Monetário Internacional (FMI) em yuans (moeda
chinesa),
com base no Direito Especial de Saque (DES), a quantia referente a 2,7 bilhões
de dólares. O acontecimento, ademais de inédito desde a criação do FMI em 1944,
anuncia a profunda mudança de época em curso na Ordem Mundial.
Isso
porque não se confirmou a expectativa trazida pelo fim da Guerra Fria
(1947-1991) de um novo ciclo de expansão econômica com inclusão social,
estabilidade política e paz. Com o desmoronamento da União Soviética, não se
concretizou o anúncio de um “novo século estadunidense”, assentado no retorno
aos anos de ouro do capitalismo, como na experiência passada no fim da Guerra
Mundial, diante da derrota do nazifascismo.
Após
quase quatro décadas da globalização liderada pelos Estados Unidos, a ilusão
foi desfeita. A prevalência da unipolaridade e unilateralidade como governança
neoliberal do mundo fez valer o crescente poder das altas finanças e das
grandes corporações transnacionais.
Com
isso, uma espécie de neocolonização financeira e extrativa da natureza foi
posta em marcha no mundo com elevada expropriação do trabalho humano. Pelo
Consenso de Washington (1989), por exemplo, a desindustrialização no Ocidente
avançou de forma compatível com o esvaziamento da capacidade de governança
interna em grande parte dos países, cada vez mais subordinados aos ditames dos
donos do dinheiro.
As
próprias instituições multilaterais do sistema das Nações Unidas foram
enfraquecidas e desconectadas da atuação para a qual foram constituídas ainda
no segundo pós-guerra mundial. Ao mesmo tempo, deu-se o reaparecimento de uma
outra Divisão Internacional do Trabalho amplamente apoiada na precarização do
mundo do labor.
Simultaneamente,
a generalização da combinação das dívidas financeiras com a difusão das
privatizações tornou os EUA uma economia de elevado custo. O resultado foi a
própria desindustrialização interna, o que lhe retirou a posição de liderança
industrial, comparável ao declínio do Reino Unido ocorrido desde o final do
século 19.
Assim,
o encerramento da fase de expansão produtiva foi sucedido pelo ciclo de ganhos
financeiros (juros, lucros de investimentos estrangeiros e créditos dos bancos
centrais a inflar ganhos de capital). Sem gerar riqueza assentada no trabalho
pelo complexo industrial, coube à globalização unipolar e unilateral operar com
a forma financeira neocolonial em paralelo ao uso recorrente de forças
militares e dos esquemas de cancelamentos e sanções econômicas.
Para
além das questões econômicas, financeiras e comerciais referentes à gestão
conjuntural e emergencial no conjunto dos países da atualidade, emergiu como
centralidade a estruturação de uma nova Divisão Internacional do Trabalho em
plena Era Digital. O avanço do processo de digitalização das economias e
sociedades conduz à separação do mundo em dois agrupamentos distintos de
países.
De
um lado, as nações que produzem e exportam bens e serviços digitais. De outro,
os países que dependem fundamentalmente das importações de bens e serviços
digitais, pois os consomem sem produzi-los internamente.
Na
maior parte das vezes, as economias importadoras de bens e serviços digitais
terminam financiando o consumo moderno com a produção e exportação de commodities minerais
e vegetais. Isso muitas vezes é combinado à pobreza e baixos salários de ampla
parcela da população com a intensa agressão ao meio ambiente.
Por
ser de maior valor agregado e conteúdo tecnológico, a produção de bens e
serviços digitais tem concedido aos países exportadores maiores vantagens
comparativas no comércio internacional. Isso tem ocorrido, muitas vezes, devido
à deterioração dos termos de troca que impulsiona o deslocamento de renda e
riqueza gerada pela estrutura produtiva primário-exportadora dos países
importadores aos exportadores de bens e serviços digitais.
Com
isso, o curso da Divisão Internacional do Trabalho se assenta no retomo às
condições de produção e reprodução do subdesenvolvimento. Pelo deslocamento do
antigo centro dinâmico do Ocidente para o Oriente, acontece a reconfiguração
periférica dos países em novas bases, permeada pela desigualdade econômica e
pela emergência climática.
Nos
dias de hoje, contudo, a prevalência do enorme desequilíbrio relacionado à repartição
da renda, riqueza e poder se relaciona ao avanço da própria desordem em
dimensão global. O seu enfrentamento, ademais de urgente, precisa ocorrer em
nova base geopolítica e econômica mundial.
Isso
dificilmente ocorrerá de forma espontânea. A redefinição geopolítica é parte
das tarefas que o BRICS pode e deve perfeitamente conduzir neste final do
primeiro quarto do século 21. Para tanto, o desenvolvimento deve ser alcançado
sem que se reproduza de forma desigualmente combinada.
Fonte:
A Terra é Redonda/Terapia Política
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