Análise de documentos sigilosos da Abin e Coaf devem indicar rumo da
CPMI do 8 de janeiro
Depois de dois meses de funcionamento, a Comissão Parlamentar
Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro fez uma pausa durante o recesso
parlamentar informal, que termina em 1º de agosto. Para o segundo semestre, a
expectativa do governo e da oposição é que os documentos requeridos indiquem os
rumos da investigação.
Em 11 de julho, última sessão da primeira parte da
comissão, foram aprovados requerimentos que podem trazer mais informações sobre
aliados bolsonaristas, como o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens
de Jair Bolsonaro (PL), que ficou em silêncio em sua oitiva — a CPMI solicitou
e já recebeu o compartilhamento da investigação da Polícia Federal (PF) a
respeito dele.
A CPMI já tem em mãos também os relatórios de
inteligência financeira produzidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras
(Coaf) sobre Mauro Cid e George Washington, condenado pela tentativa de ataque
à bomba no Aeroporto de Brasília no final do ano passado.
Parte desses documentos, acessados pela Agência Pública, indica que o
Coaf teria encontrado ao menos cinco “movimentações de recursos incompatíveis
com o patrimônio, a atividade econômica ou a ocupação profissional e a
capacidade financeira” de Mauro Cid e outras duas de George Washington.
No caso de Washington, ele aparece ainda com duas
“movimentações com indícios de financiamento ao terrorismo” e, ao menos uma
vez, teria feito “operações ou prestação de serviços, de qualquer valor, a
pessoas ou entidades que reconhecidamente tenham cometido ou intentado cometer
atos terroristas, ou deles participado ou facilitado o seu cometimento”.
Além das informações sobre Cid e George Washington,
a CPMI já recebeu quebras de sigilo de Jean Lawand, coronel do Exército que
pediu a Cid que Bolsonaro desse um golpe; além relatórios da Abin e relatórios
de inteligência da Polícia Civil sobre os participantes do QG e sobre os atos
de vandalismo de 12 de dezembro de 2022.
Investigação da Pública com base em documentos da Agência Brasileira de
Inteligência (Abin) recebidos pela CPMI mostrou ontem que o deputado Delegado Ramagem (PL-RJ),
ex-chefe da Abin, contratou um militar reformado que aparece nos relatórios da
pasta por sua “disposição para envolvimento em ações violentas” durante a
transição de governo. Segundo a Abin, o militar seria um “boina vermelha” –
definido pela agência como “um grupo extremista composto por reservistas do
Exército” conectado a outros movimentos extremistas no país, como o Ucraniza
Brasil.
Nesta semana, a sala-cofre da CPMI recebeu os
primeiros documentos sigilosos enviados para atender a requerimentos aprovados
por congressistas.
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“Provas” de outra
CPI foram compartilhadas
A CPMI já tem acesso também ao “acervo
probatório” juntado pela Comissão Parlamentar de Inquérito dos Atos
Antidemocráticos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), que conduz
uma investigação própria desde fevereiro. A possibilidade de compartilhamento
de informações entre as duas comissões foi adiantada pela Pública em maio e os dados já foram recebidos.
Parlamentares do governo e da oposição, além da
própria relatora, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), disseram à reportagem que
pretendem utilizar o recesso parlamentar para analisar os documentos e trazer
as novidades já na volta da CPMI. “Há relatórios de inteligência, quebras de
sigilo e outros dados que darão suporte para as próximas oitivas”, explicou a
assessoria da senadora.
A falta de documentação base para a investigação
foi uma das críticas feitas por integrantes da comissão nas últimas semanas.
“Uma CPI só chega a algum lugar se ela tiver quebra de sigilo. Eu nunca presidi
uma CPI que tivesse resultado que eu não convocasse alguém pra depor quando eu
já tinha tudo na mão”, argumentou na sessão de 11 de julho o senador Magno
Malta (PL-ES), segundo vice-presidente da CPMI, do grupo da oposição. Deputados
alinhados ao governo concordaram.
Um dos exemplos citados pelos parlamentares foi a
oitiva de Lawand, que teria mentido em seu depoimento. Ele negou que pediu um
golpe a Cid, quando as mensagens encontradas pela PF em seu celular mostram o
contrário — mas só agora a CPMI tem acesso direto aos documentos que podem
provar isso.
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Avaliações dos
membros
Para lideranças da oposição, como o senador bolsonarista Eduardo Girão
(Novo-CE), os primeiros atos da comissão mostram que ela foi “sequestrada” pelo
governo. “[A comissão] foi tomada de assalto pelo governo Lula, que não queria
[uma CPMI] de jeito nenhum. Eles ocuparam [a comissão] com os senadores e
deputados que sequer assinaram [o requerimento de criação da] CPMI”, avaliou em
entrevista à Pública.
Já apoiadores do governo petista, como a deputada
Jandira Feghali (PCdoB-RJ), avaliam os acontecimentos até aqui como
“positivos”. Ela considera que a comissão está dividida entre “democratas e
golpistas”, mas “o campo democrático tem maioria de votos”, o que explica por
que tem conduzido as investigações.
De acordo com ela, o governo trabalha para mostrar
à sociedade que houve um “planejamento” dos atos golpistas do 8 de janeiro.
“Estamos tentando de fato construir a lógica de que havia um planejamento que
se caracterizou não só nos quatro anos [de governo Bolsonaro], mas, de um tempo
pra cá, com atos muito planejados e articulados.” A deputada argumenta que os
apoiadores de Bolsonaro tentaram “criar um caos social pra provocar uma
intervenção de fato das Forças Armadas, o que não logrou êxito”.
Para o futuro, Girão aponta que a oposição seguirá
na linha de defender que a culpa pela invasão dos prédios públicos é de uma
suposta omissão do atual governo federal, que foi vítima dos ataques.
Um dos novos focos do grupo bolsonarista, que diz
que a segunda parte da CPMI vai “ouvir o outro lado”, é a viagem do atual
presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a Araraquara (SP). Girão considera
a viagem “estranha”, mas o presidente foi à cidade no dia 8 de janeiro para
avaliar os danos causados pela chuva na região.
Na sessão de 11 de julho, foram aprovados vários
requerimentos que pedem à Força Aérea Brasileira (FAB), ao Gabinete de
Segurança Institucional (GSI) e ao Gabinete Pessoal do Presidente da República
informações referentes aos planos de voos e de proteção (chamado Plano Escudo)
feitos para a visita à cidade paulista.
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Acabou o acordo
O deputado Duarte Júnior (PSB-MA), alinhado ao
governo, também considera que “os trabalhos têm avançado”, mas faz uma crítica
ao presidente da CPMI, Arthur Maia. “O presidente tem que agir com mais
firmeza, com mais rigor, com mais pulso. Tem sido permissivo demais com bagunças,
com badernas dentro da audiência, das reuniões da CPMI, e isso tem prejudicado
um pouco os trabalhos. Era para estar muito melhor do que está”, avaliou.
Por conta da experiência com a oposição, que
estaria tentando “tumultuar” as sessões, Jandira Feghali afirmou em entrevista
que o bloco governista vai mudar de postura e que a polarização vai aumentar a
partir de agosto.
“O campo democrático tem maioria de votos, mas nós
temos tentado o exercício de, mesmo tendo maioria de votos, fazer com que o trabalho
vá sem muita polarização. Mas está difícil, porque, quando a gente tenta fazer
acordos, os acordos não acontecem como a gente achava que deveriam acontecer.
Então, para nós acabou essa história de acordo, agora vai pra polarização
mesmo. Vamos agora pra polarização direta desse processo”, afirmou a deputada
à Pública.
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Os depoimentos
Na primeira parte de investigações, a CPMI ouviu
oito depoentes, a maior parte deles bolsonaristas, como Mauro Cid, George
Washington, Jean Lawand, e Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da
Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Cid ficou em silêncio durante as oito horas de
duração da sessão, o que levou a CPMI a apresentar uma denúncia contra ele por
“uso excessivo de silêncio” no Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão que
lhe garantiu o direito de não responder às perguntas dizia que ele poderia se
negar em casos que o incriminassem, mas o ex-ajudante de ordens não respondeu
nem mesmo sua idade, 44 anos.
George Washington também se calou na maior parte de
seu depoimento. Já Silvinei negou que utilizou a PRF para impedir eleitores de
Lula de votar no Nordeste; e Lawand contradisse o conteúdo de suas mensagens
para Cid.
Nomes considerados chave, seja pelo governo ou
oposição, ficaram de fora, ao menos por enquanto. Anderson Torres, ex-ministro
da Justiça de Bolsonaro e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal; Saulo
Moura da Cunha, ex-diretor-adjunto da Abin; e general Gonçalves Dias,
ex-ministro do GSI do atual governo, estão entre os que já foram convocados,
mas ainda não compareceram.
As datas para os depoimentos deles e de outros
convocados devem ser definidas já na primeira sessão após o recesso, no início
de agosto.
Ainda faltam cerca de 120 dias para o fim da CPMI,
que deve durar ao menos até a segunda semana de novembro, quando completará 180
dias de funcionamento. Parlamentares da base governista ouvidos pela reportagem
defendem que a investigação acabe no prazo, sem que seja prorrogada por mais
180 dias, o que estenderia a comissão até o início de junho de 2024.
Caso a oposição queira mais tempo, precisará reunir assinaturas de 27 senadores e 171
deputados, além da leitura em plenário do requerimento pelo presidente do
Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Ø CPI acha provas contra Cid e
Torres
A Comissão Parlamentar de Inquérito Mista (CPMI)
dos atos golpistas entrará em uma nova fase após a volta do recesso, com a
análise de documentos relacionados a quebra de sigilos de investigados e
depoimentos do ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques
e do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro Mauro Cid. A partir do dia 1º de
agosto, quando vai retomar os trabalhos, o colegiado também focará na atuação
dos suspeitos de financiar os ataques e em personagens-chave dos episódios
ocorridos no dia 8 de janeiro, como o ex-ministro da Justiça e então secretário
de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres.
Embora tenha sido convocado, Torres ainda não foi
chamado para depor à comissão. A expectativa é que ele seja ouvido logo na
primeira semana da volta dos trabalhos do Congresso, a partir de 1º de agosto.
— Vão chegar dados importantes para criar novas
estratégias. Os relatórios de inteligência financeira serão fundamentais para o
trabalho. Com os dados na mão, a gente reorienta os próximos depoimentos e
acelera processos — afirmou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) ao GLOBO.
A parlamentar se referia aos documentos produzidos
pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que indicam
movimentações consideradas atípicas de suspeitos de envolvimento nas investidas
antidemocráticas.
A ideia é que, até o fim do recesso, os integrantes
da CPI já tenham analisado documentos importantes. Os papéis trazem dados
telemáticos, telefônicos e bancários de pessoas envolvidas em atos de cunho golpista.
Os pedidos de informação foram aprovados no início
de julho. Também foram solicitados dados de parentes dos alvos da CPI.
O colegiado já recebeu, por exemplo, relatórios
sobre as atividades bancárias de Mauro Cid. Interlocutores que tiveram acesso ao
documento identificaram a movimentação de grandes volumes de dinheiro. Os
mesmos dados relativos a Silvinei foram requisitados.
Uma parte da base do governo deseja focar na
análise dos dados sigilosos para preparar melhor.
— Há uma necessidade de estudar melhor os
documentos sigilosos liberados para seguir com a investigação — declarou o
deputado Rafael Britto (MDB-AL).
Procuradas sobre as quebras de sigilo, a defesa de
Cid não retornou. Já o advogado de Vasques, Eduardo Simão, diz que a ação da
CPI é “uma cortina de fumaça para desviar o foco”.
A data do depoimento de Torres envolve uma queda de
braço entre a relatora da CPI, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), e o
presidente do colegiado, deputado Arthur Maia (União-BA). Ela gostaria de ter
ouvido Torres antes do recesso, mas Maia atendeu a um pedido da oposição e do
próprio ex-ministro, que alega depressão, e adiou a oitiva para o segundo
semestre.
Maia também sinalizou que Saulo Cunha, que
comandava a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o 8 de janeiro,
será o primeiro a ser ouvido na comissão em agosto, quando o Congresso voltar
do recesso. Eliziane Gama prevê que Torres seja o segundo.
O cronograma dos depoimentos ainda não foi fechado,
mas pode ser finalizado na próxima semana.
Saulo Cunha é nome de interesse da oposição, que
tenta construir uma tese de que o governo se omitiu durante os ataques. A maior
parte dos depoimentos prestados antes do recesso parlamentar foram articulados
pelo governo, que quer emparedar o ex-presidente Jair Bolsonaro.
No comando da CPI, Arthur Maia tem acenando tanto à
base de Lula, quanto a bolsonaristas.
O plano de trabalho apresentado pela relatora segue
a linha do tempo dos acontecimentos a partir do segundo turno das eleições até
o 8 de janeiro.
Outra quebra de sigilo que já chegou às mãos da
CPMI foi o bancário de George Washington Oliveira, preso após uma tentativa com
ataque a bomba nas imediações do aeroporto de Brasília em dezembro.
Integrantes da CPI, contudo, miram nas figuras que
deram suporte ao movimento golpista.
— O foco agora são os financiadores. Esperamos
agora a quebra de sigilo não só desses personagens, mas das empresas que
financiaram o golpe —afirmou o deputado Rubens Pereira Junior (PT-MA).
A CPI também pediu quebras dos sigilos bancário, telefônico,
fiscal e telemático de Daniel Cid, irmão do ex-ajudante de ordens de Jair
Bolsonaro, além de informações sobre empresas estrangeiras que podem ter sido
usadas por golpistas que atacaram os três Poderes.
Ø Bolsonaro quer manifestações para libertar vândalos de 8/1
Em discurso no qual chamou o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) de “analfabeto” e “jumento”, o ex-presidente Jair Bolsonaro
(PL) citou nesta terça-feira (25/7) a possibilidade de participar de “um
movimento de rua” organizado por seus apoiadores para pedir a solutura dos
presos pelos ataques às sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro, em
Brasília.
As declarações de Bolsonaro foram feitas para uma
plateia de bolsonaristas e membros do PL da capital paulista em evento de
filiação do vereador paulistano Fernando Holiday, ex-membro do Movimento Brasil
Livre (MBL), ao partido, na Câmara Municipal de São Paulo.
Diante de um auditório lotado, Bolsonaro citou
casos de perseguição a padres na Nicarágua, comandada por uma ditadura de esquerda,
e em outros países latinos para dizer que, no Brasil, o “sistema” havia optado
por impedir que ele se elegesse novamente presidente da República.
“Aqui, o sistema resolveu se antecipar. Vamos
tornar o cara (ele) inelegível. Agora, o que torna inelegível? Você tem que ter
feito alguma coisa. ‘Ah, reuniu-se com embaixadores.’ A Dilma se reuniu em 2016
e pediu apoio contra o impeachment”, disse Bolsonaro.
O ex-presidente mencionou também as cerca de 250
pessoas presas desde janeiro, acusadas de participação nos atos de vandalismo
que depredaram as sedes do Supremo Tribunal Federal (STF), do Palácio do
Planalto e do Congresso, em 8 de janeiro. Ele questionou a prisão de dois de
seus assessores e do seu ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel do Exércio Mauro
Cid.
“Não vamos nos esmorecer”, disse Bolsonaro ao
público. “Ninguém vai pedir para que ninguém faça nada que ia colocá-lo em
risco”, afirmou, ao comentar possíveis reações a esse cenário. Em seguida, ele
complementou.
“Se se falar em movimento de rua, se tiver um dia,
tem que ser para pedir a liberdade do pessoal que está lá. Todas as pessoas que
estão presas já há dias, de forma covarde”, disse o ex-presidente.
Fonte: Por Laura Scofield da Agência Pública/O
Globo/Metrópoles
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