domingo, 25 de junho de 2023

Abulia e passividade de Bolsonaro frustram seus aliados, que esperavam maior reação

Os livros mais lidos nas bibliotecas das cadeias brasileiras são clássicos da literatura. O campeão é “Crime e Castigo”, do escritor russo Fiodor Dostoiévski (1821-1881), por motivos óbvios. Fazem parte desse ranking “Incidente em Antares”, do gaúcho Érico Veríssimo (1905-1975); “Sagarana” e “Grande Sertão: Veredas”, do mineiro Guimarães Rosa (1908-1967); e “Dom Casmurro”, do carioca Machado de Assis (1839-1908), considerado um clássico da literatura universal.

A razão é simples: com base na legislação penal, cada livro resenhado vale por quatro dias de cadeia. Apesar de um certo oportunismo, muitos presos acabam adquirindo o saudável hábito da leitura.

Poderia haver preferência pelos livros de autoajuda. Sem preconceito, “Poder do Hábito” (Charles Duhigg) ajudaria a recuperar estelionatários, traficantes, homofóbicos, racistas e até homicidas, concomitante ao cumprimento das penas, é claro. Esse livro explica a formação dos hábitos e comportamentos e como mudá-los.

Há outros: “Hábitos Atômicos” (James Clear), pequeno manual para transformação de hábitos; “Mude seus horários, mude sua vida” (Suhas Kshirsagar), ajuda a sintonizar o relógio biológico com os afazeres do dia a dia; e “Pequenas Atitudes, Grandes Mudanças” (Caroline R. Arnold), decisões que criam novas rotinas.

Mas a preferência nas cadeias por Crime e Castigo, e não por livros de autoajuda, tem explicação: o sentimento de culpa. O protagonista é Raskólnikov, um ex-aluno brilhante, que por razões econômicas não pode mais estudar e tenta se manter em São Petersburgo. Quando o seu desespero aumenta, surge a ideia de matar a velha agiota Alyona Ivanovna, que lhe aluga um quarto e ameaça colocá-lo para fora, se não lhe pagar o que deve.

Seus pertences mais valiosos foram entregues como pagamentos de suas dívidas. Não sobrou nada. O que fazer? Raskólnikov dividia os indivíduos em ordinários e extraordinários, numa tentativa de explicar a quebra das regras em prol do avanço humano. Seguindo esse preceito, Raskólnikov planeja e executa o crime. Flagrado pela sobrinha da vítima, comete mais um assassinato. Rouba joias, mas não chega a se beneficiar disso; com medo de ser descoberto, as esconde.

Para ele, não houve crime, não matou um ser humano, matou um “princípio”. No entanto, aos poucos, cai numa ciranda de culpa e insanidade. O gatilho é um maluco inocente, em busca de notoriedade e realização, que assume o crime.

Até então insuspeito, Raskólnikov é tomado de remorsos, influenciado pela descrição da ressurreição de Lázaro no Novo Testamento. Acaba por confessar o crime. O peso da própria consciência e as suspeitas de parentes foram insuportáveis. Não era uma daquelas pessoas que julgava extraordinárias, porque seriam capazes de tudo sem culpa alguma. Graças à confissão, ao arrependimento e à falta de antecedentes criminais, porém, sua pena é reduzida a oito anos em uma cadeia na Sibéria.

 Curiosamente, “Recordações da Casa dos Mortos”, o livro de Dostoiévski que fala da cadeia, não faz o mesmo sucesso nos presídios. Seria como falar de corda em casa de enforcado. Ele havia passado quatro anos encarcerado na Sibéria, dos 10 em que esteve no exílio.

Como os prisioneiros eram proibidos de escrever memórias e relatos, Dostoiévski disfarçou a obra como ficção, dizendo-a ser o diário de um homem preso por assassinar a esposa em crise de ciúmes.

Aqui no Brasil, em nosso tempo, aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro estão inconformados com a sua abulia, isto é, a falta de interesse pela sua própria situação política, diante da iminente condenação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por atentar contra a realização das eleições presidenciais do ano passado.

Segundo eles, o ex-presidente deveria esbravejar e mobilizar seus apoiadores. Grosso modo, a abulia se traduz pela falta de atividade e a ausência de respostas emocionais. Quando uma pessoa sofre de abulia, perde a vontade de agir, é tomada por indecisão e sentimento de impotência. Sente apatia e indiferença por questões que antes lhe costumavam proporcionar satisfação.

Relator do processo de Bolsonaro, o ministro Benedito Gonçalves já tem apoio da maioria dos colegas do TSE à tese de que é preciso levar em conta, no julgamento, as “circunstâncias relevantes ao contexto dos fatos, reveladas em outros procedimentos policiais, investigativos ou jurisdicionais ou, ainda, que sejam de conhecimento público e notório”.

Entre eles, estão as revelações constantes no relatório da Polícia Federal sobre o celular do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, que preparava um golpe militar. Ninguém ainda sabe qual o verdadeiro envolvimento de Bolsonaro nos fatos, mas ele sabe. Puro Dostoiévski.

·         Em meio ao julgamento da inelegibilidade, Bolsonaro fala em se candidatar a vereador

Dois dias após o início do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pode deixá-lo inelegível, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) disse que as eleições de 2022 são “uma página virada”. Em evento do PL Mulher em Rondônia neste sábado, do qual participou por meio de uma vídeochamada, o ex-presidente convocou as mulheres filiadas ao partido a se candidatarem a vereadoras nas eleições do ano que vem.

Para ele, “é hora de pensar no futuro”. Na próxima terça-feira, o TSE retomará o julgamento que pode impedi-lo de concorrer nas próximas eleições.

“Nas eleições do ano passado, tive uma aceitação enorme junto ao povo brasileiro, costumo dizer que a minha popularidade era no mínimo o dobro daquela de 2018, mas isto é uma página virada. Vamos pensar no futuro. Nossa bandeira é a defesa da propriedade privada. Na política, a base é o vereador e, por isso, peço para que as mulheres estejam concorrendo conosco nesse estado. É daí que surgirão os futuros e futuras líderes” — disse.

Nesta sexta-feira, Bolsonaro afirmou que considera ser candidato a vereador no Rio de Janeiro, caso esteja elegível.

“Estou pensando em ser candidato a vereador no Rio de Janeiro. Qual é o problema? Não há demérito nenhum. Até vou me sentir jovem, geralmente a vereança é para a garotada, para o mais jovem, é o primeiro degrau da política”.

Caso a condenação de Bolsonaro se confirme, o plano do PL é apresentá-lo como um “injustiçado” que foi retirado do páreo pela ameaça que representaria à reeleição de Lula. O modelo a ser seguido é o do próprio petista, que foi preso em 2018, ficou fora da eleição daquele ano, mas manteve a presença no debate e deu a volta por cima ao conseguir o terceiro mandato, em 2022.

O colegiado vai analisar uma ação apresentada pelo PDT que trata de uma reunião com embaixadores realizada em 2022 em que, sem provas, Bolsonaro atacou a lisura do processo eleitoral. A Procuradoria-Geral Eleitoral pediu a condenação por abuso de poder político e, no parecer, afirma que o ex-mandatário mobilizou a população contra as urnas e usou o Estado para benefício pessoal.

 

       Noblat: Bolsonaro volta a cuspir marimbondos às vésperas de ser cassado

 

Jairzinho Paz & Amor, edição revista e atualizada, desembarcou no Brasil depois de 100 dias em Miami e manteve-se em silêncio obsequioso. Edição revista e atualizada porque a original data de 7 de setembro de 2021, quando ele chamou de canalha o ministro Alexandre de Moraes, teve que se desculpar e passou a miar.

Aconselhado por amigos e advogados, adotou desde então uma postura discreta. Bolsonaro atendeu aos chamados da Polícia Federal para depor sobre joias que recebeu de presente, carteiras de vacinação falsificadas e o golpe do 8 de Janeiro. Tudo para não irritar Moraes e seus colegas, que em breve o julgariam.

Quem sabe assim eles não seriam mais complacentes com ele; quem sabe assim não lhe aplicariam apenas uma multa ao invés de cassar os direitos políticos dele sob a acusação de abuso do poder e atos hostis à democracia? Ao concluir que não adiantou comportar-se tão bem, agora volta a cuspir marimbondos.

Em visita a Porto Alegre, carente de afagos, ele cuspiu os primeiros:

“Hoje [ontem], começa o meu julgamento político. Ou melhor, não é político, é politiqueiro. Da mais baixa intenção por parte de alguns. Não estou atacando o TSE. Mas a fundamentação é inacreditável: ‘Reuniu-se com embaixadores’. O outro cara, no ano passado, se reuniu com a nata do PCC no Complexo do Alemão, no Rio, e vai se reunir com a nata do Foro de São Paulo”.

Sobre o Supremo Tribunal Federal, a quem cabe julgar se leis aprovadas pelo Congresso estão de acordo com a Constituição:

“Não pode 594 pessoas [a totalidade de senadores e deputados federais] decidirem de um jeito e outras 11 [os ministros do STF] decidirem diferente”.

Ora, segundo a Constituição, só pode. Na sequência, Bolsonaro revelou ter sido alvo de uma nova investida da Justiça, na quarta-feira (21):

“Foram na minha casa querer saber como está a minha filha, de 12 anos de idade. Os caras, inclusive, não têm limite. […] Não tem nenhuma denúncia, nada contra ela. Foram lá para saber como é que está o cartão de vacina dela”.

“Os caras” são agentes do Ministério Público Federal. A carteira de vacinação de Laura foi falsificada. O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordem da Presidência, falsificou carteira para Bolsonaro e para sua própria mulher. Mauro Cid está preso. Encontraram uma minuta de golpe no seu celular.

Valdemar Costa Neto, presidente do PL, foi um dos promotores da reaparição do Jairzinho Paz & Amor. Mas ontem, à primeira cuspidela de marimbondos, subiu nos tamancos e convocou o partido para que saia em defesa de Bolsonaro:

“É um momento em que precisamos nos unir, o PL é um partido de direita. Faremos reuniões com nossos deputados por todo o país. Isto começará na segunda, em São Paulo, onde Bolsonaro estará para uma visita à Assembleia Legislativa do estado”.

Em apelo dirigido aos bolsonaristas, elevou o tom:

“Não vamos admitir injustiças com o nosso capitão. Não acredito que um presidente da República fique inelegível pelo que falou. Isso não existe em nenhum lugar do mundo. Bolsonaro vai seguir firme e será o nosso candidato nas próximas eleições”.

O que deu em Valdemar, tão pacífico até aqui? Deve ter levado ferroada de marimbondo.

 

Ø  Inacreditável: Com R$ 2,3 mi declarados ao TSE e salário de R$ 86,5 mil, Bolsonaro pede Pix a apoiadores

 

Com R$ 2,3 milhões declarados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas últimas eleições, em 2022, e um salário de cerca de R$ 86,5 mil - que ultrapassa os R$ 100 mil quando somado aos valores recebidos pela esposa, Michelle Bolsonaro -, Jair Bolsonaro (PL) começou uma campanha pedindo Pix aos apoiadores.

Para obter as doações, o ex-presidente divulgou seu CPF, que é o número do Pix. A campanha foi propagada pelo ex-secretário de Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten, na noite desta sexta-feira (23), que faz parte da banca de .

"Tendo em vista inúmeros questionamentos que recebemos, afim de eliminar qualquer dúvida  e afastar oportunistas, seguem dados do Pr @jairbolsonaro", escreveu Wajngarten, divulgando o CPF e o banco em que o ex-chefe possui conta.

O deputado federal André Janones (Avante-MG) ironizou a ação e chamou de "golpe do Pix".

"Manda vender as mansões, ou parcelar com o salário de quase 100 mil que ganha por mês. Não bastasse todo mal que já fez, agora vai dar golpe do pix? Vale nada mesmo", tuitou.

"Tem as joias que ele também pode vender", emendou a seguidora identificada como Belinha.

No entanto, a campanha já ganhou adesões entre bolsonaristas radicais, como os deputados André Fernandes (PL-CE), que divulgou comprovante do Pix, e Nikolas Ferreira (PL), que gravou vídeo pedindo dinheiro para o ex-presidente.

 

Fonte: Correio Braziliense/O Globo/Metrópoles/Fórum

 

Nenhum comentário: