A idade da turbulência: A família com
adolescentes
A adolescência é uma
fase de reconhecida vulnerabilidade para as famílias.
A família funcional,
em princípio, terá capacidade em lidar com a adolescência dos filhos. No
entanto, se se instala uma crise que poderá ser de ordem muito diversa, tal
como a perda de alguém significativo ou o surgimento de uma doença grave
incapacitante, o equilíbrio instável em que vive pode desmoronar-se.
A família é um espaço
privilegiado onde o adolescente pode experimentar viver com o coração
desarmado, sem necessidade de concorrer com os outros, e perceber que não perde
nada com isso. A escola poderia também funcionar como um espaço onde esta
aprendizagem fosse possível. Infelizmente, nem sempre consegue desempenhar esse
papel.
Há quem compare a
família à sinalização da estrada em dia de nevoeiro. Quando percorremos uma
estrada já nossa conhecida, em dia claro, nem reparamos na sinalização. No
entanto, ao percorrermos essa mesma estrada em dia de nevoeiro, quando o piso
está escorregadio e não vemos dois palmos à frente do nariz, quanto agradecemos
a sua presença!
As famílias vivem em
equilíbrio precário entre os agentes stressantes e tensões, por um lado, e as
suas capacidades e recursos, por outro. Ao longo da vida, com maior ou menor
dificuldade, a família vai sendo capaz de se adaptar às múltiplas tensões e ao
stress do dia a dia através dos próprios recursos e da capacidade em lidar com
as situações difíceis, reencontrando sucessivamente novos equilíbrios. No
entanto, quando uma crise se instala, há um desequilíbrio dos pratos da balança
para o lado dos agentes stressantes. Voltar a reequilibrar a balança irá passar
pelo reforço das capacidades.
Os técnicos de saúde
poderão contribuir de um modo decisivo para esse reajuste, ajudando a encontrar
um novo ponto de equilíbrio. No entanto, o técnico de saúde revela por vezes
alguma dificuldade em passar de uma ótica individual para uma ótica familiar.
Da nossa experiência, há situações complexas em que a utilização de modelos
menos clássicos de intervenção, onde a ótica individual é substituída pela
ótica familiar, se tem revelado bastante eficaz.
É incontestável que a
maneira de educar afeta o desenvolvimento do adolescente. Importa que os pais
concordem entre si no estilo educacional que pretendem para os seus filhos. O
que os pais fazem é importante, mas também é importante o modo como o fazem. Os
pais necessitam e desejam linhas orientadoras que os ajudem na tarefa de
educar. O desafio está em descobrir maneiras de ajudar os pais a educarem com
autoridade sem serem autoritários. Para educar é necessária uma tolerância
firme que permita ir de encontro às necessidades reais do adolescente. A falta
de limites não permite respeitar o outro como pessoa e dificulta o crescimento.
De que modo é que a
família pode ser um fator protetor para o desenvolvimento do adolescente?
Promovendo a autoestima, abolindo o discurso negativista, deixando que os
sentimentos se expressem, para permitir dar espaço a que o adolescente descubra
qual é o tipo de adulto que gosta para si. Se a uma reação agressiva do
adolescente respondermos também de modo agressivo, gera-se um ciclo difícil de
quebrar. Se, por outro lado, houver demasiada tolerância, sem definição de
regras e limites, o adolescente vê-se privado de linhas orientadoras, o que irá
prejudicar o seu desenvolvimento. Se o adulto conseguir não abdicar das suas
responsabilidades parentais e procurar manter essa tolerância firme, o
adolescente sairá beneficiado desta regulação.
Na sociedade atual,
dada a grande diversidade de atitudes e valores parentais, será possível
definir o que é uma boa prática em termos de modelo parental? Haverá modos de
educar melhores do que outros?
Steinberg classificou
os estilos parentais em quatro tipos de acordo com a sua distribuição por
quatro quadrantes definidos em função de dois eixos, o eixo do grau de
envolvimento parental e o da capacidade em estabelecer regras e limites.
1 – Estilo
Autoritário, quando os pais estabelecem limites com firmeza, mas são desligados
e distantes;
2 – Estilo Com
Autoridade, quando são predominantemente afetivos e conectados, mas
simultaneamente firmes e consistentes no estabelecimento e reforço das linhas
orientadoras e dos limites;
3 – Estilo Permissivo,
quando também são afetivos mas os limites são ténues e inconsistentemente
definidos;
4 – Estilo Desligado,
quando predominam a falta de laços, o distanciamento e os limites são mal
definidos.
Há evidência, baseada
em múltiplos estudos longitudinais, que os adolescentes beneficiam em serem
educados segundo um modelo com autoridade, que se associa a melhores resultados
psicossociais, torna mais fácil o processo de autonomização, permite melhores
resultados escolares, uma autoestima e saúde mental mais estáveis e positivas.
Adolescentes educados segundo este modelo revelaram resultados mais positivos
em todos os indicadores psicológicos de saúde estudados.
Tudo indica também que
os pais cujo estilo educacional predominante é o ‘com autoridade’ têm
expectativas mais adequadas face ao adolescente e encorajam-no a desenvolver as
suas próprias opiniões, colocando-o assim em melhor posição para uma real
autonomia psicológica. No outro extremo, os adolescentes que tenham
experienciado modelos parentais desligados, inconsistentes e ativa ou
passivamente hostis estão no máximo de risco para problemas escolares,
comportamentos problemáticos, consumo de álcool e outras drogas, delinquência e
funcionamento psicológico global mais precário.
Ao conduzirmos a
entrevista clínica em Medicina do Adolescente tentamos sempre perceber com quem
é que o adolescente vive, como são as relações no seio da família, se existem
relações particularmente conflituosas, quem é a pessoa de referência. De seguida,
procede-se à delineação do problema, análise das soluções já tentadas,
definição da mudança concreta a efetuar e formulação e aplicação de um plano
para obter a mudança.
Em termos de prevenção
primária, temos essencialmente dois objetivos: ajudar a família a entrar numa
fase nova do ciclo de vida e ajudar o adolescente a realizar as tarefas da
adolescência.
Na prevenção
secundária, temos como objetivos fazer a deteção precoce de quadros
psicopatológicos e proceder a um encaminhamento e seguimento adequados.
É um desafio para os
cuidados de saúde sermos capazes de construir um modelo mais flexível e
maleável em que o relacionamento com a equipa seja construído em função das
necessidades reais do adolescente e da família. Urge descobrir abordagens
inovadoras que nos permitam ir ao encontro das reais necessidades das famílias.
Fonte: Pela pediatra
Helena Fonseca, em 7Margens
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