Saiba como diferenciar os sintomas de
dengue e de leptospirose
O Rio Grande do Sul
sofreu as consequências das enchentes e das inundações decorrentes das fortes
chuvas que atingiram o estado no final de abril. Além dos problemas com a
destruição das cidades e da infraestrutura, de ter milhares de desabrigados e
centenas de mortos, os gaúchos ainda precisam lidar com o avanço de doenças que
se espalham mais facilmente diante de cenários como esse, especialmente a
leptospirose e a dengue. Ambas apresentam sintomas muito semelhantes, o que
pode dificultar o diagnóstico correto. Como diferenciá-las?
A leptospirose é
causada pela bactéria do gênero Leptospira e a transmissão acontece pelo
contato com a urina de ratos contaminados. No caso de enchentes, o simples
contato da pele e de mucosas com a água suja e a lama pode ser o suficiente
para causar a infecção. Os primeiros sintomas são febre alta (acima de 38oC),
que começa de maneira súbita, associada a calafrios, dores de cabeça e
musculares (principalmente na região da panturrilha), falta de apetite, náusea
e vômito e olhos vermelhos. É considerada pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) uma doença negligenciada e subnotificada: a estimativa é de que, a cada
ano, 500 mil novos casos ocorram em todo o mundo, com uma mortalidade que pode
variar de 10 a 70% em casos graves.
“A leptospirose é uma
doença de notificação compulsória em todo o território nacional. Ela deve ser
feita já na suspeita tanto em casos de surtos quanto de um único caso, e o
quanto antes, para que as ações de vigilância epidemiológica sejam iniciadas. Essas
ações têm como objetivo controlar o foco para evitar que mais pessoas
desenvolvam a doença. Em situações de catástrofes como a do Rio Grande do Sul,
todo o sistema de saúde está em alerta para os casos suspeitos”, explica Emy
Akiyama Gouveia, infectologista do Hospital Israelita Albert Einstein.
Já a dengue é
transmitida pela picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti. Os sintomas surgem
depois de três a cinco dias e começam com febre alta repentina (entre 38º e
40oC), acompanhada de dores de cabeça, nas articulações e atrás dos olhos,
prostração, falta de apetite e náusea. A piora do quadro acontece se a pessoa
apresentar ainda manchas vermelhas pelo corpo e sangramento das mucosas (sinal
de que há a diminuição das plaquetas). O mosquito se adaptou ao ambiente urbano
e se reproduz facilmente, inclusive em água parada com matéria orgânica – como
é o caso na Região Sul atualmente.
Um detalhe importante,
destaca a infectologista do Einstein, é que o período de incubação da
leptospirose pode ser longo (chegando a 30 dias, apesar de a média ser de sete
a 14 dias) e a contaminação também pode ocorrer de forma direta, pela ingestão
de alimentos que entraram em contato com a urina contaminada.
“Por isso, podem
existir situações em que o indivíduo não entrou em contato direto com a água da
enchente, mas acaba desenvolvendo a infecção. Nas situações de catástrofes que
envolvem inundações, a segurança dos alimentos é crítica, pois a contaminação pode
ocorrer pelas condições inadequadas de armazenamento pela proliferação de
roedores no local”, alerta Gouveia.
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Diagnóstico correto é essencial
Como as duas doenças
apresentam sinais muito semelhantes que podem ser confundidos, é importante
procurar o atendimento médico e realizar o teste para confirmar o diagnóstico.
“Há um ponto crítico: no momento epidemiológico que o Rio Grande do Sul enfrenta,
as duas infecções podem coexistir no paciente. Por isso é tão importante que as
pessoas procurem o atendimento médico diante de qualquer sintoma sugestivo,
para poder descartar os quadros de gravidade”, orienta a médica.
O diagnóstico da
leptospirose é feito com a coleta de amostra de sangue para a avaliação da
presença de anticorpos. Também é possível realizar a pesquisa direta da
bactéria, cultura ou exame de biologia molecular com a pesquisa da presença do
DNA. De acordo com Gouveia, outros exames inespecíficos auxiliam na avaliação
da gravidade, como exames de sangue para a avaliação da coagulação, do rim e do
fígado e o eletrocardiograma, entre outros, que podem ser indicados de acordo
com a condição clínica do paciente.
Já para a confirmação
de dengue, é levado em conta o quadro clínico do paciente e, em alguns casos,
são realizados exames laboratoriais, como hemograma, pesquisa de anticorpos
produzidos contra o vírus, pesquisa de antígenos e exames bioquímicos.
A leptospirose pode
resultar em quadros assintomáticos, leves (que só requerem o tratamento
ambulatorial) ou graves, com o comprometimento do fígado (pele amarelada), dos
rins, com quadros de insuficiência renal (eventualmente com a necessidade de
hemodiálise), dos pulmões e do sistema nervoso. “No caso da leptospirose,
quanto antes o tratamento antibiótico for iniciado, melhor. Em casos mais
leves, o paciente pode receber a medicação em casa, por via oral. Nos casos
graves, é preciso usar antibióticos endovenosos”, orienta Gouveia.
Pesquisadores do
Instituto Butantan, em São Paulo, estão trabalhando para desenvolver um novo
método de diagnóstico da leptospirose, superior ao teste- padrão usado
atualmente, e que será capaz de detectar a doença ainda na fase inicial. Em
estudo publicado recentemente na revista Tropical Medicine and Infectious
Disease, a estratégia conseguiu detectar a doença em mais de 70% dos pacientes
que tinham obtido resultados falso- negativos nos primeiros dias de sintomas.
De acordo com o Butantan, o novo diagnóstico mostrou 99% de especificidade e
não apresentou uma reação cruzada com outras doenças infecciosas, como dengue,
malária, HIV e doença de Chagas.
Já nos casos de
dengue, muitos serão assintomáticos ou leves. Não há um antiviral específico
para combater o vírus e o tratamento consiste basicamente em hidratação,
repouso e uso de medicamentos para o controle da febre e da dor. O paciente
pode usar o paracetamol ou a dipirona (quando não houver a contraindicação de
uso).
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Raio-X das doenças no Brasil
Em 2023, o país
registrou 3.338 casos confirmados de leptospirose, com 281 mortes, segundo o
Ministério da Saúde. Neste ano, considerando apenas os quatro primeiros meses
foram confirmados 743 casos da doença e 72 mortes – números contabilizados até
14 de abril, ou seja, sem considerar os casos no Rio Grande do Sul. A dengue
também é um problema nacional: o governo federal já somou mais de 5 milhões de
casos e mais de 3 mil mortes pela doença.
A Secretaria de Estado
da Saúde do Rio Grande do Sul informou o registro de 3.030 casos de
leptospirose até o último dia 3 de junho. Desses, 206 deram positivo para a
doença. Oito mortes foram confirmadas e 12 esperam os resultados de exames
comprobatórios. O estado também notificou 231.497 casos de dengue, sendo
146.772 confirmados e 27.037 ainda em investigação. Ao todo, 205 pessoas
morreram da doença.
Após um evento
climático catastrófico como o que atingiu o Rio Grande do Sul, a população pode
se deparar com desequilíbrios ambientais que favorecem a disseminação de
doenças infectocontagiosas e, por isso, é preciso estar atento às medidas de
prevenção. “Nos casos de dengue, os focos de água parada que surgirão com a
baixa progressiva das águas resultarão num momento de atenção para o possível
aumento de casos, apesar de as baixas temperaturas desfavorecerem o ciclo do
mosquito. Lembrando que os ovos contaminados do mosquito podem permanecer por
longos períodos no ambiente, havendo a eclosão quando surgirem as condições
favoráveis”, explica a infectologista do Einstein.
Para a prevenção da
leptospirose, a especialista destaca a importância do uso de materiais
impermeáveis (como botas e luvas) ao entrar em contato com água da enchente,
lama e ambientes que foram inundados. “Também é importante ficar atento à
higiene de mãos e do ambiente, ingerir somente água potável, armazenar
adequadamente os alimentos e manter o controle de roedores”, completa. Não há
vacinas para humanos no Brasil.
Nos locais que foram
invadidos por água de chuva, recomenda-se fazer a desinfecção do ambiente com
hipoclorito de sódio a 2,5%, presente na água sanitária (um copo de água
sanitária para um balde de 20 litros de água). Manter os alimentos guardados em
recipientes bem fechados, manter a cozinha limpa, retirar as sobras de
alimentos ou a ração de animais domésticos antes do anoitecer, manter o terreno
limpo e evitar entulhos e acúmulo de objetos nos quintais são práticas que
ajudam a evitar a presença de roedores.
Em nota técnica
emitida no início do mês, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) não
recomenda a quimioprofilaxia (o uso de antibióticos) como rotina, prevenção e
medida de saúde pública para toda a população. O documento recomenda o uso
profilático da medicação somente por pessoas com alto risco de contágio, como
equipes de socorristas e voluntários com exposição prolongada à água de
enchente. A nota ressalta que o uso dos antimicrobianos não é 100% eficaz, com
a pessoa ainda podendo ser contaminada.
Fonte: CNN Brasil
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