Pouca flexibilidade
do corpo está associada com morte precoce, aponta estudo
O
quanto você consegue "esticar" e usar toda a amplitude de movimentos
das articulações, dos tendões e dos músculos de todo corpo?
A
resposta a essa pergunta pode trazer indícios de quantos anos você vai viver.
Essa
é uma das principais conclusões de uma pesquisa realizada no Brasil que foi
publicada nesta quarta-feira (21/8) no periódico acadêmico Scandinavian Journal
of Medicine & Science in Sports.
O
trabalho, realizado na Clínica de Medicina do Exercício (Clinimex), no Rio de
Janeiro, em parceria com instituições de Reino Unido, Estados Unidos, Finlândia
e Austrália, reuniu dados de 3.139 homens e mulheres com idades entre 46 a 65
anos.
Todos
passaram por avaliações de flexibilidade. Após um acompanhamento médio de 12
anos, 302 participantes do estudo haviam morrido.
Após
uma série de ajustes estatísticos — e a exclusão dos óbitos por covid-19 ou
causas externas, como episódios de violência e acidentes — os autores
concluíram que a flexibilidade está "inversamente associada" à
mortalidade.
Em
outras palavras, os participantes com uma baixa flexibilidade corporal, de
acordo com um teste realizado em consultório, tendem a morrer mais cedo em
comparação com aqueles que apresentam uma boa amplitude de movimentos.
Segundo
os dados compilados no estudo, homens e mulheres com baixos índices de
flexibilidade tinham 1,87 e 4,78 vezes mais risco de morrer, respectivamente,
quando comparados aos participantes que obtiveram bons resultados nessa
avaliação.
Mas
o que realmente significa ser flexível? E é preciso prestar mais essa atenção
neste aspecto durante a atividade física?
• A
elasticidade diminui com o tempo
O
médico Claudio Gil Araújo, autor principal da pesquisa recém-publicada e
diretor da Clinimex, explica que a flexibilidade "é uma das pouquíssimas
variáveis que a gente começa a perder logo depois de nascer".
"Uma
criança de 2 anos chega praticamente ao pico de flexibilidade. Depois, a
tendência é só piorar", compara ele.
Além
disso, a flexibilidade não é um conceito único, que vale para o corpo inteiro.
Uma pessoa pode ter um ombro muito flexível e um quadril totalmente rígido,
pontua o especialista.
"Vemos
isso, inclusive, em atletas profissionais. Nadadores, por exemplo, têm muita
flexibilidade nos ombros e nos tornozelos, mas praticamente não usam o tronco.
Já para ginastas, o tronco é fundamental para realizar movimentos
bonitos."
No
estudo, a equipe definiu a flexibilidade como "a amplitude máxima de
movimento de uma determinada articulação".
Ou
seja, o quanto determinada junta do corpo — como tornozelos, punhos e joelhos —
é capaz de se dobrar, abrir, esticar e mexer.
Para
avaliar esse atributo dos pacientes, a equipe usou o chamado Flexitest, um
método desenvolvido pelo próprio Araújo durante o doutorado na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) nos anos 1980.
Em
suma, o teste avalia 20 movimentos realizados por sete articulações diferentes
— tornozelo, joelho, quadril, tronco, punho, cotovelo e ombro.
Para
cada um deles, o profissional de saúde atribui uma nota de zero a quatro.
Não
há nenhum aparelho ou tecnologia envolvidos no exame. O especialista precisa
apenas analisar no próprio consultório cada uma das juntas do paciente, algo
que leva poucos minutos, segundo Araújo.
"A
nota dois é a média, dada para a maioria das pessoas. Um representa uma
amplitude um pouco menor, e três, um pouco maior", detalha o médico.
"O
zero é raro, porque significa que aquele indivíduo não possui praticamente
nenhuma mobilidade naquela articulação. Já o quatro é algo muito acima, uma
flexibilidade digna de integrantes do Cirque Du Soleil."
Todas
essas notas são somadas para obter o resultado final, que representa um índice
global de flexibilidade do corpo.
Esse
número pode ser comparado aos valores esperados para cada faixa etária e indica
se a pessoa está acima, abaixo ou dentro da média.
• Relação
entre flexibilidade e longevidade
Mas
o que a flexibilidade tem a ver com a longevidade?
Afinal,
por que os participantes do estudo que eram "rígidos" viveram
proporcionalmente menos em comparação com os "flexíveis"?
Araújo
diz que a forma como a pesquisa foi feita não permite avaliar os mecanismos e
estabelecer uma relação de causa e efeito entre as duas coisas — embora seja
possível fazer algumas especulações.
"As
pessoas que são mais rígidas têm menos mobilidade e autonomia, perdem
independência e caem com maior frequência", observa ele.
"É
um círculo vicioso, uma bola de neve: esse sujeito deixa de realizar atividades
porque tem medo de cair e se machucar. A inatividade física, por sua vez,
prejudica a flexibilidade, que piora cada vez mais."
Aliás,
a escolha da faixa etária dos 46 aos 65 anos para o estudo teve um propósito
claro.
"Costumo
brincar que, até os 45 anos de idade, ainda estamos na 'garantia de fábrica'.
Mesmo se fizermos alguma coisa errada em termos de saúde, dificilmente
morreremos", conta Araújo.
"Geralmente,
pagamos a conta de um estilo de vida ruim na quinta ou na sexta década de vida.
Por isso, escolhemos esse público para avaliar as questões de flexibilidade. É
na meia idade que as coisas começam a dar errado."
O
fisiologista do exercício Bruno Gualano, que não esteve envolvido com a
pesquisa recém-publicada no Scandinavian Journal of Medicine & Science in
Sports, avalia que a longevidade pode ser influenciada por outros atributos
físicos que vão além da flexibilidade.
"Quando
um indivíduo treina a parte aeróbica, ao fazer caminhada, corrida, bicicleta,
ou trabalha a força, com a famosa musculação, ele também melhora a
flexibilidade. É algo que vem de bônus", aponta o especialista, que é
professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (USP).
Segundo
o pesquisador, existe uma "plausibilidade biológica" por trás da
relação entre os exercícios aeróbicos ou de força com o aumento da expectativa
de vida.
"Mas
ainda não temos uma lógica muito clara entre um eventual aumento da
flexibilidade e uma melhora em índices globais de saúde", pontua Gualano.
"Será
que os indivíduos que apresentam maior flexibilidade também já não são
fisicamente mais ativos? E será que esse nível de atividade física os predispõe
a uma longevidade ampliada? Será que não há outras variáveis que podem estar
por trás dessa correlação?"
Para
o professor da USP, a comprovação do papel da flexibilidade na expectativa de
vida só poderia ser consolidado com um estudo controlado e randomizado.
"Seria
necessário dividir de forma aleatória um grupo de voluntários com
características parecidas. Uma parte faria treinos de flexibilidade, enquanto a
outra parcela não passaria por essas sessões. Depois de algum tempo, os
resultados dos dois grupos poderiam ser comparados para checar se houve alguma
diferença", diz Gualano.
"Claro
que fazer uma pesquisa dessas não é uma coisa trivial e envolve muito tempo e
dinheiro."
Araújo
lembra que o estudo recém-publicado reúne dados compilados desde 1994 — e,
portanto, só foram incluídas variáveis quantificadas a partir do início do
trabalho, como idade, sexo e índice de massa corporal (IMC) dos participantes.
"Nos
últimos 30 anos, a forma de recomendar exercícios físicos mudou muito. Treinos
resistidos, de musculação, eram praticamente contraindicados para quem tinha
doenças cardíacas até o início dos anos 2000", lembra o especialista.
"Não
haveria como ter registrado de forma sistemática o padrão de exercícios
aeróbicos, resistidos e de flexibilidade em todos os indivíduos, que entraram
no estudo em períodos diferentes, como nos anos 1990, no início dos 2000 e até
recentemente, em 2021."
• Dá para
melhorar a flexibilidade?
Para
Gualano, um exercício específico de flexibilidade, como sessões de alongamento,
por exemplo, "vai ter como resultado a melhora da capacidade de se alongar
e ter mobilidade".
"Isso
pode ser importante em algumas condições específicas e garantir a realização de
atividades cotidianas de indivíduos que têm pouca flexibilidade, estão
'encurtados' e apresentam dificuldade para fazer tarefas como amarrar o próprio
tênis."
No
entanto, o pesquisador teme que dar foco num atributo físico específico — como
a flexibilidade — pode complicar ainda mais as coisas em um cenário em que o
sedentarismo reina absoluto.
"Em
termos de saúde pública, precisamos levar em conta que o tempo das pessoas é
escasso para a prática de atividade física. O Brasil tem uma das populações
mais inativas do mundo", aponta ele.
Gualano
acredita que modelos de treinamento para a população geral que lidam com várias
capacidades ao mesmo tempo em vez de focar em uma só questão podem ser mais
eficazes.
"Os
treinos de força, por exemplo, também trabalham a amplitude dos movimentos e
isso vai melhorar o índice de flexibilidade de um indivíduo", afirma o
fisiologista.
"Será
que precisamos de um treinamento específico de flexibilidade? O meu palpite
seria que não."
Araújo
tem outra perspectiva. "Um dos conceitos mais clássicos do treinamento
físico é o da especificidade. Para melhorar 'algo', é preciso treinar esse
'algo'", pontua o pesquisador.
Ele
diz que há vários exemplos disso, especialmente quando pensamos em esportes e
outras atividades físicas.
Um
triatleta, modalidade predominantemente aeróbica, precisa fazer natação,
corrida e ciclismo, porque o efeito de um treino no outro é pequeno, explica
Araújo.
Já
corredores de longa distância e halterofilistas são fisicamente muito ativos,
mas costumam ser menos flexíveis que a população geral.
Por
sua vez, bailarinas são muito flexíveis, mas provavelmente não se sobressaem
tanto assim em atributos como as capacidades aeróbica e força, diz Araújo.
"Na
população geral que se exercita de forma correta, as capacidades aeróbica, de
força, de flexibilidade e de equilíbrio são trabalhadas, e pode haver alguma
associação de resultados favoráveis. Mas somente porque cada um desses aspectos
é exercitado, e não porque os outros três são treinados", argumenta ele.
Araújo
vê a necessidade de personalizar as recomendações de exercício conforme a
aptidão física de cada um.
"Por
que eu preciso oferecer um prato feito para todo mundo? Deveríamos inverter
essa moeda e adaptar a atividade às necessidades individuais."
Atualmente,
diversas entidades de saúde, como a própria Organização Mundial da Saúde (OMS),
indicam pelo menos 150 minutos de atividade física aeróbica de intensidade
moderada a vigorosa por semana — algo em torno de 30 minutos diários durante
cinco dias da semana.
O
exercício considerado "moderado a vigoroso" é aquele que gera um
aumento nos batimentos cardíacos e na respiração, mas não chega a ser
extenuante.
São
atividades que deixam alguém ofegante, mas não impedem de conversar com alguém
próximo.
Outro
aspecto importante das orientações das autoridades de saúde envolve os treinos
de força, que trabalham os músculos.
Segundo
a OMS, o Ministério da Saúde e outras entidades da área, é importante fazê-los
ao menos duas vezes por semana.
Por
fim, as evidências também apontam para a necessidade de interromper os chamados
"comportamentos sedentários prolongados", como ficar horas na
televisão, no celular ou no computador.
A
cada uma hora sentado, é importante levantar e mexer o corpo por cerca de três
a cinco minutos.
Vale
lembrar aqui que o sedentarismo é encarado hoje como um dos maiores vilões da
saúde e está relacionado a uma série de doenças — de obesidade a câncer.
A
OMS estima que um terço dos adultos e 81% dos adolescentes não praticam
atividade física suficiente.
Fonte:
BBC News
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