quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Liszt Vieira: Meio ambiente - prioridade negada, futuro ameaçado

Tradicionalmente, a questão ambiental foi negada no Brasil e em quase todo o mundo; considerada como inexistente. Os políticos, sejam de direita, centro ou esquerda, sempre rejeitaram o meio ambiente como questão política merecedora de atenção especial dos governos e das sociedades. Os políticos de esquerda diziam que, no Brasil, a questão era social. Meio ambiente era um modismo importado da Europa. Chamavam os ecologistas e ambientalistas de “bicho grilo”. Os de direita diziam que o problema no Brasil era econômico. A questão ambiental era bobagem, “coisa de viado”. A mídia, em geral, chamava os ambientalistas de “alfacinha”. Isso atingia os professores universitários e cientistas que alertavam, décadas atrás, para a importância da proteção ambiental.

Nos últimos anos, principalmente a partir do início deste século, a situação começou a mudar. A percepção de que a questão ambiental era muito séria e podia trazer consequências desastrosas passou a superar a ignorância alimentada pelos interesses econômicos. Os cientistas de toda parte, principalmente os reunidos no órgão da ONU chamado Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, IPCC na sigla em inglês, divulgaram suas pesquisas e alertaram para a necessidade urgente de medidas de proteção ambiental para combater a emissão de gases de efeito estufa (GEE) provocada pelo uso abusivo dos combustíveis fósseis – petróleo, gás, carvão – e pelo desmatamento e destruição dos recursos naturais. Os cientistas ambientais e ecologistas, antes vistos como bobos da corte, passaram a ser levados a sério, mas os poluidores continuaram destruindo a natureza para sua produção econômica visando a lucro.

Em todo o mundo, aumentou de forma assustadora o número de eventos climáticos extremos, como inundações, secas, calor extremo, furacões, incêndios etc. Vivemos no período de maior aquecimento em mais de 2.000 anos. A última década foi a mais quente já registrada.  O mês de junho de 2024 torna-se o décimo terceiro mês consecutivo a ultrapassar o limite de 1,5°C do Acordo de Paris. As alterações climáticas recentes são sem precedentes em milhares de anos.

O primeiro quadro abaixo mostra o aumento da temperatura global em relação ao nível pré-industrial. A seguir, o segundo quadro mostra os maiores países responsáveis historicamente pelas mudanças climáticas. É curioso observar que os dois maiores responsáveis, EUA e China, foram os dois primeiros na Olimpíada de Paris de 2024, assim como em Olimpíadas anteriores.

Como se vê, o Brasil ocupa o quarto lugar, depois dos EUA, China e Rússia. No Brasil, o grande vilão é o desmatamento provocado pelo agronegócio – agricultura, pecuária, mineração, madeireiras, garimpeiros. Ao ser desmatada, a floresta libera GEE que vão contribuir para o aquecimento global e mudanças climáticas, bem como libera vírus, antes estocados em plena floresta. Em julho/agosto de 2024, o fogo atingiu santuários de animais no Pantanal. As cenas de bichos carbonizados repetem a tragédia de 2020, considerada o recorde de destruição do bioma. As secas na Amazônia e as queimadas no Pantanal tornam-se repetitivas e apontam para um futuro sombrio.

Segundo o cientista Carlos Nobre, a Amazônia tem sofrido intensa degradação nos últimos 50 anos, com a taxa de desmatamento mais alta entre as florestas tropicais do mundo. Anualmente, 16.000 km² de floresta são derrubados, totalizando mais de 1 milhão de km² desmatados e outro milhão em degradação. A Amazônia se aproxima de seu “ponto crítico”, de seu ponto de não retorno, a partir do qual a floresta vai se transformando em savana. Para impedir isso, segundo o cientista, é essencial eliminar todo desflorestamento e degradação florestal.

Cerca de 13% de todas as espécies vegetais e animais conhecidas no planeta Terra são encontradas na Amazônia, sendo cerca de 50 mil espécies de plantas, 16 mil de árvores, 350 de primatas, 800 de anfíbios e répteis, 1.330 de aves e mais 100 mil insetos, entre muitos outros que são descobertos todos os anos. A floresta armazena cerca de 150 bilhões a 200 bilhões de toneladas de carbono no solo e na vegetação acima do solo, além de ser um grande exportador de vapor d’água para fora da Bacia Amazônica. Esses “rios voadores”, que liberam quantidade quase idêntica à vazão do rio Amazonas, cerca de 200 mil metros cúbicos por segundo, alimentam os sistemas hidrológicos das savanas tropicais do sul da Amazônia e até mesmo do centro-leste da América do Sul, um serviço ecossistêmico importante para o planeta.

O relatório “Violência contra povos indígenas no Brasil”, divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em julho de 2024, aponta que 208 indígenas foram assassinados em 2023, um aumento de 15,5% em comparação com 2022, quando 180 assassinatos foram registrados. O número de suicídios aumentou 56%. No total, os casos de “violência contra a pessoa” – que abrange assassinatos, homicídios culposos, abuso de poder, ameaças, lesões corporais, racismo, tentativa de assassinato e violência sexual contra povos originários – recuaram, mas os números não refletem promessas do atual governo.

Um dos principais conflitos enfrentados pelos povos indígenas nos últimos anos é o Marco Temporal, segundo o qual apenas as terras que eram ocupadas até 5 de outubro de 1988 – data da promulgação da Constituição Federal – podem ser reivindicadas pelos povos originários. O Supremo Tribunal Federal havia julgado a tese como inconstitucional em setembro de 2023, mas, dias depois, o Senado aprovou a lei do Marco Temporal. O Presidente Lula vetou, mas o veto foi revogado pelo Congresso.

As tragédias climáticas recentes no Brasil, como as grandes enchentes que inundaram novamente o Rio Grande do Sul em maio de 2024, mostram que o país não está adotando as políticas públicas necessárias para garantir a proteção ambiental. Essas políticas exigem visão de longo prazo. Mas o mercado e os governos têm geralmente visões de curto prazo, o primeiro visando a lucro, os segundos visando às eleições.

Para evitar essas catástrofes climáticas que tendem a aumentar, é necessário zerar desmatamentos, degradação florestal e incêndios da vegetação em todos os biomas, e estabelecer uma política de transição energética para superar o uso de combustíveis fósseis em favor de energia renovável. Ondas de calor, inundações, secas e incêndios atingiram, por vezes simultaneamente, todos os continentes em 2024. Efeito direto do aquecimento global causado pelo homem, acentuado pelo fenômeno El Niño, o meio ambiente arde, sufoca, seca ou morre. Durante semanas, senão meses, os desastres climáticos têm ocorrido um após o outro, atingindo todos os países, às vezes ao mesmo tempo.

Hoje, lançamos carbono na atmosfera a um ritmo 100 vezes mais rápido do que em qualquer época anterior ao início da industrialização. Metade do carbono lançado na atmosfera devido à queima de combustíveis fósseis foi emitido apenas nas últimas três décadas. Mantendo o atual padrão de emissões, chegaremos a mais de 4ºC de aquecimento até o ano 2100. Isso significa que muitas regiões do mundo ficariam inabitáveis devido ao calor direto, à desertificação e às inundações.

Pelas projeções das Nações Unidas, teremos 200 milhões de refugiados do clima até 2050. Outras estimativas são ainda mais pessimistas: 1 bilhão de pobres vulneráveis sem condições de sobrevivência. Os desastres climáticos levaram ao deslocamento de mais de 43 milhões de crianças em seis anos.

A atual era geológica está sendo chamada Antropoceno, pois é a ação humana que provoca a redução drástica da capacidade natural de o planeta absorver o carbono e transformá-lo em oxigênio, o que implica temperaturas mais elevadas, mais incêndios florestais, menos árvores, mais carbono na atmosfera, um planeta mais quente.

É claro que os pobres são mais vulneráveis e vão sofrer mais do que os ricos. Trata-se de um problema de justiça ambiental ou, em outras palavras, de apartheid ambiental. Os países com menor PIB serão os mais quentes. Desastres naturais e eventos climáticos extremos constituem hoje os maiores riscos para a vida humana. Os cinco principais riscos a longo prazo são os seguintes: falha em mitigar as mudanças climáticas, falha em se adaptar às mudanças climáticas, desastres naturais e eventos climáticos extremos, perda da biodiversidade e destruição do ecossistema e crises de imigração em massa de refugiados.

O mundo, no atual estado de coisas, está sendo catapultado para uma nova fase ecológica – menos propícia à manutenção da diversidade biológica e de uma civilização humana estável. As condições de existência de milhões ou talvez bilhões de pessoas serão destruídas e a própria base da vida como a conhecemos hoje ficará sob ameaça. pondo em risco a vida das populações mais vulneráveis do planeta. Temos de reconhecer que é a lógica de nosso modo de produção – o capitalismo – que impede a criação de um mundo de desenvolvimento humano sustentável que transcenda o desastre que aguarda a humanidade. Para nos salvar, devemos criar uma lógica socioeconômica diferente, que aponte para outro modelo de civilização baseado no projeto de uma revolução ecossocialista.

A civilização do combustível fóssil ameaça a sobrevivência humana no planeta. Produz calor letal, fome pela redução e encarecimento da produção agrícola, destruição das florestas por incêndios, esgotamento da água potável, morte dos oceanos, tufões, inundações, ar irrespirável, pragas, secas, colapso econômico, conflitos climáticos, guerras, crise de refugiados. As fontes de energia renováveis tornaram-se competitivas, mas as forças econômicas do mercado e os governos por elas controlados sabotam a transformação da energia fóssil poluidora em energia renovável que, entretanto, vem crescendo consideravelmente. Os combustíveis fósseis – petróleo, gás e carvão – deverão constituir ainda três quartos da matriz energética mundial em 2040.

Por outro lado, o conceito de crescimento econômico baseado na destruição de recursos naturais vem sendo questionado em toda parte por movimentos ambientalistas, com fundamento em novos conceitos como, entre outros, o Ecossocialismo e o Decrescimento. O homem é o único animal que destrói seu habitat, o que coloca em questão sua racionalidade de homo sapiens. Tudo em função da produção econômica baseada na busca do lucro máximo. Trata-se de uma crise de civilização. O estilo de vida que herdamos da sociedade industrial está ameaçado. O futuro será baseado em energias renováveis ou não haverá futuro.

Mas a mudança para uma economia global com base na transição energética levará a conflitos, com implicações geopolíticas por afetar as fontes do poder nacional, o processo de globalização, as relações entre as grandes potências e entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

De qualquer forma, a transição energética, por si só, tampouco será suficiente. A ameaça da crise ecológica, motivada pela destruição da biodiversidade e pelo aquecimento global causado pelas mudanças climáticas, aponta para uma verdadeira crise de civilização, para a necessidade de um novo modo de vida e de produção, ou seja, de uma profunda transformação ecológica para garantir a sobrevivência da humanidade no planeta.

 

•                                        Uma ação para barrar a ameaça silenciosa dos agrotóxicos. Por Leonardo Ferreira Pillon

Mobilizações com organizações da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida estão promovendo uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra o Pacote do Veneno no Supremo Tribunal Federal. O objetivo é por uma estrutura regulatória que priorize a saúde e o meio ambiente, e não os interesses das corporações agroquímicas e do lobby ruralista.

A manutenção dessa legislação, aprovada pelo Congresso Nacional, pode trazer sérios danos à saúde da população brasileira e enfraquecer a estrutura regulatória responsável pela proteção de consumidores. Apenas uma estrutura regulatória independente e comprometida com a ciência e o bem-estar público poderá garantir a segurança necessária para a saúde e o ambiente no Brasil.

A Lei nº 14.785/2023, também conhecida como Pacote do Veneno, foi sancionada com o objetivo de regulamentar o uso de agrotóxicos no Brasil, substituindo totalmente a Lei nº 7.802/1989. Enquanto em algumas políticas públicas a mudança de governo realmente foi refletida nas decisões nestes um ano e meio de mandato presidencial, o tema dos agrotóxicos seguiu com o mesmo ritmo de liberação de venenos do governo anterior e encerrou o primeiro ano com o erro governamental que foi a sanção da Lei.

Desde a sua discussão, esse texto tem gerado preocupações significativas sobre a saúde pública e o meio ambiente. Até mesmo as Relatorias Especiais da ONU recomendaram ao Senado Federal que rejeitasse o Pacote do Veneno, considerando que o texto permite o uso de agrotóxicos cancerígenos e substâncias que trazem risco de problemas reprodutivos e hormonais, além de malformações em bebês. Nada disso foi capaz de convencer o governo federal de que a sanção dessa lei traria seríssimas consequências para a saúde da população brasileira e graves fragilizações sobre o controle de agrotóxicos no nosso país, que ostenta o lamentável posto de campeão de uso de agrotóxicos no mundo, com mais de 720 mil toneladas usados em 2021, segundo dados da FAO (2023).

Durante todo o processo legislativo, diversas instituições aportaram manifestações e sugestões para que o texto não fosse aprovado, como o Conselho Nacional de Saúde, Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Conselho Nacional de Direitos Humanos, a própria Anvisa, Abrasco, Fiocruz, ABA, o Colegiado Nacional de Presidentes de Conselhos Estaduais de Segurança Alimentar, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Greenpeace, Idec, entre outros.

A Lei nº 14.785/2023 abre brecha para o registro eterno de agrotóxicos que causam danos ao aparelho reprodutivo, que desregulam o sistema endócrino ou que sejam mais perigosos nas condições reais de uso do que os testes de laboratório puderam provar, dentre produtos cancerígenos, teratogênicos ou mutagênicos.

Ainda, com a derrubada dos vetos, o texto da lei concentra poderes no Ministério da Agricultura, submetendo etapas que antes eram da Anvisa à decisão do órgão da agricultura como a reavaliação de agrotóxicos. A reavaliação é a etapa necessária para o cancelamento de um produto. Com isso, agrotóxicos banidos em outros países dificilmente serão proibidos aqui.

Para pessoas consumidoras, enquanto esse Pacote do Veneno continuar produzindo efeitos, a tendência é que sejam cada vez maiores as quantidades de veneno que o agronegócio utiliza, inclusive de agrotóxicos proibidos em outros países por serem cancerígenos, desreguladores endócrinos, entre outras características que até então eram suficientes para impedir seu registro aqui no Brasil.

Na prática, o Pacote do Veneno cria no território brasileiro uma “zona de sacrifício”, em que todos os venenos podem ser produzidos aqui quando forem para exportação, sem sequer passar por avaliações prévias por órgãos públicos. Essa liberação automática para fábricas de agrotóxicos soma-se a novas hipóteses de autorizações para uso fora dos permitidos pelos órgãos reguladores. Além da possibilidade de que a aplicação de agrotóxicos, desnecessariamente pelo uso preventivo, ser recomendada por profissionais da agronomia.

Todos esses fatores devem servir de catalisador tóxico para um salto no descontrole dessas substâncias químicas no Brasil. Para corrigir essas falhas, é essencial que haja uma revisão judicial rigorosa da Lei nº 14.785/2023.

 

Fonte: Le Monde

 

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