Paulo Kliass: ‘A Selic e o terror do
financismo’
O roteiro é um velho
conhecido de quem acompanha a evolução da política monetária em nosso País. No
intervalo de 45 dias que separa as reuniões do Comitê de Política Monetária
(COPOM), a nata do sistema financeiro começa a lançar seus balões de ensaio a respeito
daquilo que pretende que seja definido como o futuro patamar da SELIC. O
próximo encontro do colegiado está marcado para 17 e 18 de setembro. Ali, mais
uma vez, os nove diretores do Banco Central (BC) deverão trocar de boné e
assumir a condição temporária de membros do órgão responsável por estabelecer a
taxa referencial de juros.
Com a recente decisão
de manter a SELIC em 10,50%, tal como adotada na 264ª reunião do COPOM de 30 e
31 de julho, o Brasil segue ocupando a segunda posição no ranking mundial das
maiores taxas reais de juros. Atualmente, estamos apenas atrás da Rússia neste
quesito, cujo cálculo subtrai a taxa de inflação da taxa nominal de juros.
Assim, faz muito tempo que estamos disputando o pódio com outros países, tais
como México e Turquia. Esta é apenas mais uma das inúmeras manifestações que
caracterizam nosso espaço como um verdadeiro paraíso para o financismo.
Pois agora estamos em
meio a mais uma tentativa de promover outra elevação da SELIC na próxima
reunião daquele comitê. Para o pessoal do financismo pouco importa que a
inflação esteja em níveis reduzidos e sob controle. Para os que raciocinam com
os modelos econométricos da ortodoxia e do monetarismo, não é relevante a
existência de um nível de desemprego ainda próximo a 7% da população
economicamente ativa. Para eles tampouco interessa que os níveis elevados da
remuneração financeira atuem como um freio para qualquer processo de retomada
de necessário processo voltado ao desenvolvimento econômico, social e
ambiental.
• Modo terror para aumento da SELIC.
Os argumentos que
voltam a ser esgrimados referem-se aos “riscos” apresentados pela recuperação
da atividade econômica de forma geral e pelos aumentos identificados na massa
salarial e nos componentes da demanda de consumo de forma geral. Aqui e ali são
plantadas notícias e opiniões a respeito da necessidade de um novo aumento na
taxa referencial de juros. O próprio diretor de política monetária do BC tem
adotado esse discurso. Gabriel Galípolo chegou ao governo do terceiro mandato
de Lula na condição do segundo cargo do Ministério da Fazenda, responsável pela
Secretaria Executiva da pasta. Pouco mais de 6 meses, em julho de 2023, ele foi
nomeado para o novo posto da autoridade monetária.
Atualmente, ele é
considerado como um dos possíveis nomes à disposição Presidente para substituir
o chefe do BC, Roberto Campos Neto. No entanto, desde que passou a integrar o
quadro diretivo do órgão responsável pela regulação e pela fiscalização dos sistemas
bancário e financeiro, Galípolo passou a se comportar de acordo com o figurino
proposto por Campos e sugerido pelos representantes do povo das finanças. As
expectativas de que haveria uma mudança significativa na condução das políticas
monetária e cambial a partir das nomeações do novo Presidente da República
foram sendo frustradas a cada novo período. Algumas das declarações mais
recentes do economista colaboram para reforçar o pessimismo de setores
progressistas com relação ao seu futuro no comando da economia.
Comentando a respeito
das possibilidades de um novo aumento na SELIC e mesmo quanto ao comportamento
futuro dos juros, Galipolo afirmou:
(…) “A função do BC é
ser o chato na festa. Quando a festa está ficando legal, pede para os outros
abaixarem o volume” (…)
Ora esse diagnóstico
não é compatível com as visões que têm sido expressas pelo Presidente Lula. Na
verdade, o BC deveria se “o chato” na sua relação com os operadores do universo
do financismo. Mas a “festa” a que o diretor do banco se refere é o cenário
desejado pela grande maioria da população, ou seja, de crescimento das
atividades, de aumento da oferta de trabalho e de recomposição dos ganhos
salariais. Ocorre que o indicado pelo ocupante do Palácio do Planalto incorpora
o discurso e a narrativa das elites financistas e se refere a esse quadro
bastante positivo do cenário econômico como sendo um problema. Uma completa
inversão de valores e de prioridades.
• Nome de Lula no BC deve ser para
mudança.
Na verdade, caso
continue por essa via conservadora, não falta muito para que o cotado a
substituir Campos Neto comece a reverbar as teses austericidas quanto à
necessidade de elevar o desemprego e de reduzir salários para que os riscos
inflacionários sejam afastados do horizonte. Uma loucura! Caso o governo
concorde com tal avaliação, tornar-se-á praticamente impossível que o
Presidente Lula consiga cumprir suas promessas de campanha de “realizar 40 anos
em 4” e de “fazer mais e melhor do que nos dois primeiros mandatos”. Se a cada
melhoria no cenário econômico e social o BC voltar a subir a SELIC, todos os
ganhos tendem a ser reduzidos pelo impacto negativo de uma política monetária
restritiva.
Esse quadro torna-se
ainda mais dramático se agregarmos a essa rigidez na política monetária o
garrote que o Ministro da Fazenda mantém, cheio de orgulho, na política fiscal.
A insistência de Haddad em cumprir à risca as metas de austeridade fiscal extremada
que ele mesmo propôs ao governo atua como um elemento de impedimento da
recuperação do protagonismo do Estado. Com a conhecida obsessão em reduzir
gastos públicos e inviabilizar a realização de um plano de desenvolvimento que
exige investimento público de vulto, o caminho que resta é se contentar com
taxas de crescimento do PIB entre 2 % e 3% ao ano, muito aquém das nossas
necessidades e das possibilidades potenciais que o Brasil contempla.
Galipolo tem uma parte
de razão apenas quando se refere à missão oferecida pelo governo à autoridade
monetária. Como a meta de inflação é determinada pelo Conselho de Política
Monetária (onde o governo tem maioria), os dirigentes do BC meio que lavam as
mãos para jogarem a batata quente de volta ao Chefe do Executivo. O problema é
que o Ministro Haddad recusou os alertas realizados pelos economistas
desenvolvimentistas para que elevasse um pouco a meta oficial da inflação, por
exemplo para algo em torno de 4%. Como a meta atual baixa é muito ambiciosa e
pouco razoável para um país como o nosso que pretende crescer bastante suas
atividades econômicas, o BC sempre terá o argumento para endurecer ainda mais o
arrocho. De acordo com o próprio Galipolo,
(…) “O BC tem que
perseguir uma meta de 3% e as hoje expectativas se encontram acima dos 3%” (…)
Ora, frente a esse
quadro de indefinição quanto ao futuro da composição do BC, o pessoal da Faria
Lima não perde tempo. Eles colocam seus representantes nos meios de comunicação
sintonizados com o modo “terror” e abrem apenas para os postulantes de novos
aumentos na taxa referencial de juros. Boa parte das empresas de consultoria
financeira e as assessorias dos bancos já começam a soltar suas notas e
informativos onde são dados como certos novos aumentos na SELIC ao longo das 3
reuniões previstas do COPOM até o final do ano. A única diferença diz respeito
à intensidade da elevação: se 0,25% ou 0,50% a cada encontro.
• Basta de aumentos na SELIC!
Como esse tipo de
informação passa a compor os relatórios da Pesquisa Semanal Focus, realizada
pelo BC, é bem possível que esse material de estímulo ao reforço do
austericídio esteja presente nos ambientes em que o COPOM venha a se reunir
daqui até dezembro deste ano. Assim, o que se percebe é que a sabotagem à
implementação do programa de governo de Lula possa ter continuidade, mesmo após
a substituição da maioria bolsonarista que ele herdou a partir desde a sua
posse em 1º de janeiro de 2023.
Ao movimento progressista, às centrais
sindicais e aos defensores de um projeto de futuro para o Brasil cabe manter
firme a resistência contra toda e qualquer tentativa de promover novos aumentos
na SELIC. É preciso das um basta ao terrorismo colocado em marcha pelo
financismo.
• Ganância da Faria Lima produz inflação
de oferta e inviabiliza industrialização e criação de empregos. Por Cesar
Fonseca
O ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, alertou os banqueiros, em palestra, em SP, no evento do Banco
Pactual, que está à vista a inflação de oferta, decorrente da
superacumulação/concentração de renda especulativa favorecida pelos juros
elevados, mantidos pelo BC Independente comandado pelo bolsonarista Roberto
Campos.
Roberto Campos, por
sua vez, em entrevista ao O Globo, previu aumento da inflação por conta, na sua
opinião, da desancoragem de expectativas inflacionárias, relativas à alta dos
preços além do centro da meta (4,5% ao ano) fixada pelo BC, devido à pressão da
demanda, sinal de que os juros deverão subir ao longo de 2025.
Inflação de demanda ou
de oferta?
A mídia corporativa,
porta-voz da Faria Lima, manteve-se cinicamente em silêncio sobre o alerta
ministerial.
O resultado de
contradições insolúveis de pontos de vista entre o ministro da Fazenda e o
presidente do BC tem como pano de fundo o processo de aceleração da
financeirização econômica impulsionada pelos juros especulativos, causa central
do baixo crescimento econômico e sua consequente desigualdade social.
A excessiva ganância
do mercado financeiro/Faria Lima, a sustentar, de um lado, minoria de ricos
cada vez mais ricos, e, de outro, expansão, igualmente, crescente de maioria de
pobres, afetados por queda de seu poder de compra, redunda em fuga de consumidores
diante da alta dos preços, conforme pesquisa de especialistas em varejo
(Neogrid e Opinion Box).
Para Haddad, a pressão
inflacionária subjacente ao movimento dos preços advém, portanto, da renúncia
do consumo em face da oferta, entendida por ele como insuficiência dos
investimentos na produção, decorrente dos juros altos praticados pelo Banco
Central Independente.
Os empresários, nesse
contexto de incerteza, jogam mais de 2/3 do seu resultado operacional no
mercado acionário especulativo, para compensar a queda da demanda afetada pelos
baixos salários.
Eles saem da produção,
onde veem cair sua taxa de lucro, para ganhar na especulação dos juros Selic de
10,5%, mais altos do mundo, de modo a garantir a sobrevivência dos seus ativos.
O movimento altista da
bolsa estaria na fuga dos empresários para a especulação, diante da
insuficiência de consumo, produzida pela queda do poder de compra.
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Desindustrialização e desemprego
Resultado:
desindustrialização por falta de investimento, queda do emprego de qualidade e
da produtividade nacional e elevação da pressão empresarial por subsídios à
produção, forçando desajuste fiscal.
Configura-se e
aprofunda-se a desigualdade social crescente: o governo desembolsa para salvar
ricos, diante da perda de competitividade para concorrentes estrangeiros, e
fica sem recursos suficientes para gastar com os pobres, por meio de
investimentos sociais, maiores responsáveis por puxar a demanda global.
A causa do desajuste
fiscal não é o consumo dos pobres, mas a falta de produtividade dos ricos.
A inflação de oferta,
prevista por Haddad, avança quanto mais o BC Independente, monitorado pela
ganância da Faria Lima, diagnostica que a pressão inflacionária advém de causa
oposta, isto é, da excessiva demanda dos trabalhadores.
Dá razão a Haddad,
frente ao diagnóstico equivocado do BC, pesquisa de varejo, nos supermercados,
feitas pelas empresas especializadas Neogrid e Opinion Box, em “Hábitos de
Compra no Varejo Alimentar”, realizada entre junho e julho de 2024, divulgada
nesta quarta-feira, dando conta de que 82% dos consumidores desistem de levar
para casa itens programados para consumirem, devido aos preços altos.
Dessa forma, sobram
mercadorias nas prateleiras, configurando o que ministro da Fazenda está
dizendo: pode aumentar a inflação de oferta, no cenário em que os consumidores
renunciam ao consumo por falta de renda.
Os empresários,
consequentemente, reduziram a oferta e elevaram os preços para manter constante
sua taxa de lucro, enquanto descolam da produção para a bolsa, em alta
especulativa, nos últimos dias.
A superação desse
processo de concentração da renda na jogatina financeira, bombeada pelo BC,
para sustentar a lucratividade infinita dos especuladores, somente ocorrerá não
com cortes de despesas públicas, mas, justamente, com o aumento dos gastos
sociais.
Seria a forma de
elevar a renda dos trabalhadores, a fim de consumirem mais, equilibrando
demanda mais alta para salvar oferta mais baixa.
Trata-se de movimento
necessário capaz de aumentar investimentos, de modo a conter pressão
inflacionária de oferta, possibilitada por juros mais baixos.
O busílis da questão,
portanto, está não no diagnóstico neoliberal do BC, de forçar queda dos
salários, para conter inflação, mas na valorização do poder de compra dos
trabalhadores, foco central de Lula, para evitar o que Haddad está prevendo:
pressão inflacionária pela fuga de investimentos na produção em benefício da
especulação.
Fonte: Jornal
GGN/Brasil 247
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