quinta-feira, 22 de agosto de 2024

País que se coloca como Estado indígena, Bolívia fortalece discurso anti-imperialista no Sul Global?

Em meio a uma das maiores reservas mundiais de lítio e gás natural que atraem a cobiça de muitos países, a Bolívia tem focado as relações econômicas e diplomáticas nas últimas décadas com parceiros do Sul Global, a exemplo de Brasil, Rússia e China. Este ano, após anos de negociações, o país andino conseguiu selar a entrada no Mercosul.

Ainda era 2009 quando uma consulta popular aprovou a refundação da Bolívia como um Estado plurinacional. Na prática, a mudança significou a valorização e o reconhecimento da diversidade cultural e étnica do país andino, que é considerado o mais indígena da América Latina — mais de 60% da população se considera assim. Além disso, estabeleceu como lei a autonomia da população indígena e o direito à terra.

Tudo isso também aproximou ainda mais a Bolívia dos parceiros do Sul Global, mais ligados às pautas de um mundo justo e multipolar. É o que pontuou ao podcast Mundioka a pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Regionalismo e Política Externa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LeRPE/UERJ) Ana Lúcia Gonçalves. Para a especialista, o país andino passou a ter uma política externa muito mais ativa quando comparado aos governos do início do século XXI, inclusive com posicionamentos firmes em entidades internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU).

"O pais utiliza bem uma estratégia, principalmente quando traz a China e a Rússia [como parceiras], o que contrapõe a política estadunidense [de domínio sob os demais países da América Latina]. Temos vários discursos tanto do Evo Morales [presidente entre 2006 e 2019] quanto do presidente Luis Arce, apesar de menos intenso, muito anti-imperialista e anticolonizador. Eles usam muito esses termos, principalmente por se colocarem como um Estado indígena. Então a política externa é pautada um pouco nisso também. E fazem muito um discurso pró-regional, que também aproxima esses outros dois países ao se contrapor à hegemonia regional dos EUA", resume.

A pesquisadora também pontuou que, após a estatização do setor de hidrocarbonetos do país, com foco principalmente no setor de gás natural, a Bolívia conseguiu reverter parte dessa riqueza em ganhos sociais. Entre 2005 e 2015, por exemplo, o índice de pessoas que viviam na pobreza extrema caiu de 36,7% para 16,8%.

"Os recursos naturais para o povo boliviano sempre foram muito importantes e, muito por isso, se estatizou, processo que foi muito importante para a melhoria do bem-estar da população. É claro que ainda tem muito o que melhorar, mas é inegável o avanço que ocorreu nesses últimos anos. Atualmente, o que tem acontecido é uma queda na produção de hidrocarbonetos, e o governo Arce tem buscado novos campos de exploração para voltar a girar a economia como anteriormente", explica.

  • Por que o Brasil importa gás natural da Bolívia?

Principal fornecedor de gás natural para o Brasil e responsável por atender cerca de 30% da demanda nacional, a Bolívia chegou a admitir no ano passado que as reservas do país estavam próximas do fim, o que afetaria a importação para o país, que é o maior parceiro comercial na América do Sul. Uma novidade anunciada no último mês, no entanto, trouxe alento: um megacampo de gás natural com cerca de 1,7 trilhão de pés cúbicos (TCF) ao norte de La Paz.

Essa, inclusive, é a maior descoberta desde 2005, em meio à recente escassez de combustíveis no país, que quase levou a uma greve sem precedentes. O professor e pesquisador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Brasília (NEL/UnB), Robson Valdez, ressaltou ao podcast Mundioka que o Brasil pode acentuar ainda mais a parceria com a Bolívia para apoiar a exploração e os investimentos na nova reserva descoberta.

"O Brasil é um parceiro estratégico quase natural, e já tem uma estrutura de gasodutos que trazem o gás ao país. Além disso, a Petrobras já participou desses investimentos. Tivemos aquele contratempo com a nacionalização dos hidrocarbonetos, mas eu diria que o Brasil é um candidato natural a ser um parceiro nessa exploração [do novo megacampo]. Também temos a presença da China, conversas da Bolívia com Irã, Rússia, então há uma competição. O leque de opções para o governo boliviano atualmente é um pouco maior", acrescenta.

  • Qual a maior reserva de lítio do mundo?

Diante de uma reserva de mais de 23 milhões de toneladas de lítio, segundo estimativas do governo, a Bolívia é o terceiro país do mundo com maior abundância do mineral, atrás apenas da Argentina e do Chile. Crucial para as novas tecnologias, principalmente baterias usadas nos novos veículos elétricos, o professor Valdez considera que esse volume é atualmente o que mais desperta a cobiça estrangeira no país andino.

"O lítio é uma novidade, já que essas reservas foram descobertas há pouco tempo. Porém, a falta de infraestrutura, instabilidade política e acordos desfavoráveis prejudicam a redistribuição desses benefícios [econômicos conquistados com a exploração do mineral] para a população", enfatiza.

Apesar disso, a entrada do país no Mercosul neste ano, após anos de negociações e burocracias, também representa uma oportunidade maior para a Bolívia se integrar à América do Sul e atrair investimentos, defende o especialista. "Além disso, quase todos os países do continente possuem algum tipo de acordo de complementariedade econômica com o Mercosul, o que dá acesso à Bolívia para novos mercados e pode ajudar a diversificar a economia".

  • Instabilidade política na Bolívia

No fim de junho, a Bolívia sofreu uma tentativa de golpe de Estado após a invasão do palácio governamental por uma ala do Exército, liderada pelo então comandante-geral Juan José Zúñiga. Apesar do fracasso da rebelião, Robson Valdez acredita que a situação até hoje não está totalmente esclarecida e criou certa instabilidade política no país, que já convive com a disputa entre Arce e Morales, que rompeu com o seu antigo ministro da Economia e quer voltar ao poder.

"A grande disputa realmente vai ficar no partido Movimento Alternativa Socialista [MAS] entre o [Luis] Arce, que tem uma visão mais moderada, mais pragmática, e o Evo Morales, que tem uma visão mais crítica em relação ao fundo da economia. Para o grupo político como um todo, o necessário era a tentativa de encontrar um consenso para que as forças da oposição não pudessem se aproveitar dessa fissura que tem no MAS", finalizou.

¨      G20: 'Não vamos aceitar nenhuma ingerência sobre a soberania do Brasil', diz representante do MST

Aconteceu nesta terça-feira (20), no Rio de Janeiro, o encontro preparatório para a Cúpula Social do G20, dedicado a aproximar os movimentos sociais de base às autoridades governamentais e aos líderes dos grupos de trabalho que participarão do fórum mundial.

Como parte do governo federal, estiveram presentes a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva; o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias; e o secretário-geral da Presidência da República, Márcio Costa Macêdo.

O Brasil assumiu neste ano a presidência do G20, encontro das 20 maiores economias do mundo para debater os rumos do planeta, desde políticas econômicas à sustentabilidade. Este ano, sob a liderança brasileira, foram incluídas na pauta a fome e a pobreza mundial, o desenvolvimento sustentável e a mudança do sistema de governança global.

Para um fórum que "historicamente tratou de economia e inflação, discutir fome, pobreza e as mudanças climáticas não é uma tarefa fácil", destacou o ministro Wellington Dias.

Em sua fala, a ministra Marina Silva reforçou a necessidade de pensar o desenvolvimento econômico aliado a políticas de preservação e recuperação do meio ambiente.

"Até bem pouco tempo, a maioria era desenvolvimentista. Hoje todos terão que ser sustentabilistas."

A ministra do Meio Ambiente detalhou algumas das propostas discutidas por sua pasta, como a criação de um fundo bilionário para a conservação de florestas tropicais — projeto ligado ao Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), responsável por muitos dos mecanismos de equilíbrio ambiental a nível global.

"Se conseguirmos botar de pé até a COP 30, nós vamos ter um mecanismo para ajudar os 80 países detentores de floresta tropical."

Outra iniciativa é a proposta de taxação global sobre os superricos, cujo dinheiro seria usado para financiar o desenvolvimento sustentável nos países em desenvolvimento. "O setor privado não pode continuar mais fazendo os mesmos investimentos em atividades de altíssimo potencial de destruir o planeta e a biodiversidade", afirmou Marina Silva. "É preciso que a transição seja justa."

Da parte dos movimentos sociais, o grande destaque nas falas de abertura foi Cassia Bechara, representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). A ativista colocou a presidência brasileira do G20 na perspectiva do xadrez geopolítico internacional.

Seguindo o que disse o ministro Wellington Dias, a representante do MST afirmou que o Norte Global busca impor as regras políticas e econômicas ao Sul Global.

Nesse sentido, a presidência brasileira adquire importância ainda maior, destacando o papel do país como uma "potência importante do Sul Global", capaz de pautar as necessidades dos países em desenvolvimento.

"Nós sabemos que as potências capitalistas, as potências imperialistas, também estão de olho no nosso país", afirmou Bechara.

"Então não é à toa que nós vamos fazer essa cúpula dos povos para dizer a essas potências que não vamos aceitar nenhum tipo de ingerência sobre a nossa política, sobre a nossa economia, sobre a soberania do Brasil, mas também a soberania dos nossos povos."

<><> Indústrias Nucleares do Brasil voltam a mapear jazidas de urânio no país após 40 anos sem estudos

A empresa pública Indústrias Nucleares do Brasil (INB) lançou o Programa de Parcerias em Prospecção e Lavra de Urânio, buscando trabalhar em associação com companhias do setor da mineração.

De acordo com a coluna de Ancelmo Gois no jornal O Globo, a INB está retomando a prospecção de novas jazidas de urânio após 40 anos sem estudos do tipo no país.

Segundo o jornalista, serão feitas novas pesquisas em áreas conhecidas por seu grande potencial mineral para essa valiosa substância, que é a matéria-prima mais acessível para a geração de energia nuclear.

O Citi Bank prevê que o preço médio do urânio chegará a US$ 110 (R$ 602) por libra em 2025, indicando uma perspectiva de mercado positiva contínua devido à crescente necessidade de energia nuclear, informou a plataforma Investing.com.

A produção de urânio cresceu significativamente em 2023, com aumento de mais de 10%. Esse crescimento se deve principalmente à expansão das operações de mineração atuais, com o Cazaquistão desempenhando um papel significativo.

O Brasil terá que desenvolver bastante sua indústria para chegar a bons níveis na produção do elemento químico.

A produção nacional ainda é menor do que o consumo doméstico das usinas nucleares de Angra I e II, sem mencionar a possibilidade de ampliar a demanda com a conclusão de Angra III, relembrou o colunista.

¨      Equador: bancada de esquerda classifica como 'desumana' situação do ex-vice-presidente Glas

A bancada do movimento equatoriano Revolução Cidadã classificou nesta terça-feira (20) como desumana a situação enfrentada pelo ex-vice-presidente Jorge Glas (2013-2018), que permanece na prisão de máxima segurança La Roca.

"Expressamos nossa profunda indignação diante da situação desumana que vive nosso companheiro Jorge Glas, que continua sequestrado na prisão, vítima de uma perseguição política implacável", afirmou o coletivo parlamentar em um comunicado divulgado na rede social X.

O texto da bancada da RC afirma que é inadmissível que, em um país que se diz democrático, os direitos humanos de seu correligionário sejam sistematicamente violados.

"Jorge Glas não apenas foi privado de sua liberdade, mas também tem sido submetido a condições que visam quebrantar seu espírito e sua saúde, em uma tentativa de silenciá-lo e enfraquecer a força daqueles que lutam e acreditam em um Equador justo e livre da corrupção que realmente assola o país", acrescenta.

A bancada oposicionista indica que o sistema judicial está manipulado para servir a "interesses obscuros", que buscam eliminar qualquer vestígio de oposição e quebrar a vontade do povo equatoriano.

Além disso, expressa "profunda indignação" pelo que reputam como sequestro político de Glas, que consideram vítima de "uma perseguição implacável".

 

¨      Argentina de Milei envia milhões de reservas em ouro para Londres, sem dar explicações

A Argentina de Javier Milei enviou à Londres um terceiro carregamento com o que se calcula ter cerca de 1.500 barras de ouro do Banco Central, avaliadas em 250 milhões de dólares, segundo noticiou o jornal argentino C5N.

Nesta semana, um vídeo com caminhões transportando as reservas de ouro à capital do Reino Unido viralizou, levantando os questionamentos da população argentina e de críticos sobre a falta de transparência e o impacto da remessa milionária ao país.

“Estão levando o ouro e não querem falar”, afirmou o deputado do partido Frente de Todos, Sergio Palazzo, nesta terça-feira (20).

“Temos registrado, no mínimo, quatro ou cinco saídas de ouro do Banco Central para o exterior e quando fazemos a consulta pelos canais oficiais e institucionais que correspondem, a resposta do BCRA [Banco Central] é negar responder a todas as informações que solicitamos”, criticou.

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

O argumento do governo Milei é de que “qualquer dado ligado à localização estratégica poderá pôr em risco a segurança destes ativos, com o consequente impacto na política monetária e cambial”.

No final de julho, o ministro da Economia da Argentina, Luis Caputo, havia confirmado que o país estava enviando ao exterior barras de ouro das reservas internacionais do Banco Central, restringindo-se a falar que o envio “permitiria ao país obter retornos financeiros que não seriam possíveis de outra forma”.

Mas tanto o ministro, quanto outros canais do governo de Javier Milei não trazem transparência às razões para o retiro das reservas do país em ouro e envio ao Reino Unido. “É um governo que está demonstrando que não quer ser fiscalizado e não quer informar à sociedade o que está fazendo”, disse Palazzo, ao períodico argentino Pagina12.

Analistas entendem que os envios das remessas do país seria para fazer operações comerciais. Entretanto, criticam, uma vez que as reservas em ouro do Banco Central são os principais mecanismos de solidez para sustentar as moedas nacionais.

“Por que levam o ouro? Há diversas operações que podem fazer. Uma, a que o próprio [ministro da Economia] Caputo disse, se chama ‘compra e recompra’ do ouro, que é feita por meio do banco internacional de transações, a Basileia [na Suíça]. Mas por que para Londres? Porque não é possível monetizar o ouro para fazer uma operação mantendo-o no próprio país. Isso significa que vão fazer essa operação”, raciocinou o deputado.

Não só os parlamentares de oposição da Argentina questionaram as remessas, sem qualquer explicação, como diversos setores da sociedade civil. O coordenador de políticas institucionais da Casa de la Provincia de Tierra del Fuego, Alexis Román Kalczynski, também confirmou ao jornal RT que “não se sabe de nada” sobre as movimentações.

Kalczynski explicou que para a retirada do ouro do país é, ainda, necessário formalizar um procedimento junto ao Banco Central, que, por sua vez, não traz nenhum esclarecimento. Segundo o especialista, a saída do ouro “atenta diretamente contra a soberania argentina”, uma vez que Buenos Aires detém cerca de US$ 4,6 bilhões em ouro e não se sabe, exatamente, quanto foi enviado à Londres.

Outros políticos, como o partido União pela Pátria, de Cristina Kirchner e Sergio Massa, emitiram uma petição, pedindo a suspensão imediata do envio das reservas e o detalhamento das operações e riscos.

Ao jornal La Nación, Caputo disse que o envio dos recursos ao exterior possibilitava obter “um retorno sobre ele”, também sem trazer detalhes. “É muito melhor tê-lo guardado lá fora, onde você recebe algo”, limitou-se a responder.

 

Fonte: Sputnik Brasil/Jornal GGN

 

Nenhum comentário: