A Bahia é
destaque nacional em relação a mortes de crianças, adolescentes e jovens por
policiais em 2023
De
acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2023 a polícia
foi responsável pela morte de 6.393 pessoas em todo o país. Destas, 71,7% eram
crianças, adolescentes ou jovens com até 29 anos, sendo 82% negras. Nesta
quinta-feira (22), a Plataforma de Direitos Humanos - Dhesca Brasil lançou em
Salvador um relatório que buscou medir os impactos dessa letalidade policial
nas infâncias negras da Bahia e do Rio de Janeiro, estados com maiores índices
de letalidade policial no país há alguns anos.
De
acordo com o documento, de 2015 a 2022 os indicadores de letalidade policial na
Bahia quadruplicaram. Segundo monitoramento do Instituto Fogo Cruzado fornecido
à Plataforma Dhesca, em média quatro pessoas foram baleadas por dia em Salvador
e região metropolitana somente em 2023, sendo que 34% dos tiroteios ocorreram
durante ações policiais.
"[O
relatório] diz respeito a um cenário de genocídio, um fenômeno que coloca o
Brasil no mapa de violações gravíssimas de direitos humanos. E temos um recorte
assustador de como essa violência tem impactado as crianças, que não estão
seguras nos territórios onde moram, dentro de casa, a caminho da escola",
destaca Iara Moura, integrante da Plataforma Dhesca e uma das relatoras do
documento.
Um
dos objetivos é que relatório sirva de ferramenta de fortalecimento da luta por
memória, justiça e reparação para vítimas de violência policial, além de apoio
à implementação de políticas públicas eficazes para combater o assassinato de
crianças e adolescentes negros por parte de agentes de segurança pública.
O
documento aponta que as operações policiais vitimaram perfis específicos e
marcados pela violência racial e étnica. Em Salvador e região metropolitana,
47% das vítimas eram negras e 94%, meninos. No Rio de Janeiro, também em 2023,
pelo menos 23 crianças e adolescentes foram baleados em ações policiais,
resultando em dez mortes confirmadas.
"As
famílias atravessadas por essa barbárie não têm encontrado respostas efetivas
do Estado. A gente ouviu relatos de mães e familiares de vítimas que não
tiveram tempo de enterrar seus filhos e já estavam se organizando na luta por
justiça. Ou seja, são famílias que já se encontravam numa situação de violência
e que, com esse evento trágico, bárbaro de morte de seus filhos, ainda têm que
lutar por justiça", acrescenta a relatora.
O
relatório aponta que o assassinato de crianças e jovens é o ponto mais trágico
de vidas atravessadas por outras violências e negação de direitos. Como aponta
Iara Moura, são infâncias marcadas pela falta de acesso à educação de
qualidade, lazer, cultura, comunicação, direitos econômicos, e que encontram na
violência policial sua face mais dura.
Outro
ponto destacado pela relatora é que os efeitos danosos dessa violência atingem
não só as crianças mortas pela violência policial, mas também aquelas
sobreviventes e seus irmãos, parentes, amigos, vizinhos. "O Estado, além
de não garantir direitos, ele ativamente é o responsável por essa violência,
que tem efeitos nefastos nas infâncias negras, infâncias marcadas por esse
luto", afirma.
• Mídia
e violação de direitos
Para
a realização do relatório, foram ouvidas famílias de crianças e jovens
vitimados no Grande Rio e em Salvador, especialmente no Nordeste de Amaralina e
na Gamboa, dois territórios fortemente marcados pela violência policial. Nessas
escutas, dois pontos em comum chamam a atenção: a ineficácia dos órgãos
judiciais e a criação de narrativas midiáticas para justificar os assassinatos.
A
relatoria tomou conhecimento de casos em que crianças foram assassinadas há
mais de 10 anos, sem que houvesse finalização do processo judicial contra os
responsáveis pelos crimes. "Não houve investigações céleres, o necessário
julgamento e muito menos ações de reparação", aponta Iara Moura.
Outro
ponto em comum trazido pelo relatório é que o Estado, junto à mídia,
especialmente os programas policialescos, têm criado narrativas para tentar
justificar essas mortes, como se fossem um mal menor diante do enfrentamento ao
crime organizado ou ainda tentando criminalizar as vítimas, mesmo quando são
crianças.
"A
gente tem casos emblemáticos, como nos foi relatado no Nordeste de Amaralina,
de crianças que estavam brincando, foram alvejadas pela polícia e morreram, e
que depois saía nos noticiários e no discurso oficial da própria corporação,
como se elas estivessem ligadas ao crime organizado. É esse nível de
absurdo", detalha a relatora.
O
relatório identificou ainda casos em que agentes de segurança pública realizam
transmissões ao vivo, nas redes sociais, de ações policiais em territórios de
vulnerabilidade social, em flagrante violação de direitos. Os conteúdos,
inclusive, são monetizados pelas plataformas sem nenhuma restrição.
"São
crianças, adolescentes e jovens violentados e assassinados pela polícia, que
ainda têm a exposição indevida da imagem, com a construção de uma narrativa
racista de criminalização dessas infâncias e juventudes. Tudo isso realizado
por agentes públicos e sendo alimentado por um modelo de negócio das
plataformas digitais que lucram em cima desse tipo de conteúdo. E, além disso,
esses agentes têm usado as redes sociais para alimentar um capital político,
com entrando na corrida eleitoral esse ano", explica Moura.
• Recomendações
A
partir da escuta das famílias de vítimas da violência policial, o relatório
conclui com recomendações para reverter a atual situação e permitir que as
crianças negras tenham direito a suas infâncias. A relatora Iara Moura destaca
que, infelizmente, esse não é um fenômeno isolado e não se restringe a Bahia e
Rio de Janeiro, portanto, as recomendações também não são apenas para os dois
estados.
Dentre
essas recomendações está a criação de um sistema de amparo institucional para
sobreviventes e familiares de pessoas vitimadas pelo Estado, com a criação de
um fluxo de acolhimento emergencial, que tenha tanto a participação dos órgãos
do Sistema de Justiça, como a Defensoria Pública e Ministérios Públicos, como
também dos sistemas de saúde para atenção psicossocial dessas famílias.
Outro
ponto diz respeito ao papel da mídia e das plataformas digitais na criação de
narrativas revitimizadoras e criminalizadoras das infâncias negras marcadas
pela violência policial. O relatório aponta a necessidade de um esforço
conjunto do Estado, sociedade civil organizada e especialistas para a
responsabilização de emissoras de rádio e televisão, anunciantes e
apresentadores de programas policialescos.
"Considerando
o cenário de convergência, passa também, e urgentemente, por um olhar apurado e
por políticas públicas efetivas de combate às violações e abusos cometidos por
agentes de segurança pública influenciadores digitais e toda a rede que os mantém
e lucra com eles, incluindo as plataformas digitais", defende o relatório.
Fonte:
Brasil de Fato
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