Serra do Curral: Atos do governo Zema
beneficiaram exploração que gerou danos de R$ 30 mi
Por mais de três anos,
o governo mineiro permitiu a atividade da mineradora Fleurs Global Mineração no
entorno da Serra do Curral, cartão-postal de Belo Horizonte, por meio de
autorizações “precárias”, mesmo após graves infrações ambientais sucessivas. A
operação da empresa, ré por mineração irregular desde 2023, foi suspensa em
março deste ano pela Justiça a pedido do Ministério Público do Estado de Minas
Gerais (MPMG), após ter provocado danos ambientais e coletivos avaliados pela
promotoria em R$ 30 milhões.
Sem nunca ter obtido
licenciamento ambiental, a atividade da Fleurs se manteve ao longo de tantos
anos porque a alta cúpula da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável (Semad) – sob o comando de Marília Carvalho de Melo desde 2020 –
agiu contra os alertas de irregularidades feitos pela equipe técnica da pasta e
até mesmo da Controladoria-Geral do Estado (CGE), conforme revelam documentos
aos quais a Agência Pública teve acesso.
Além disso, relatos de funcionários da Semad, tanto os colhidos pela
reportagem quanto os anexados em ação civil pública do MPMG contra a Fleurs,
indicam a possibilidade de pressões da mineradora terem influenciado decisões
do órgão ambiental que acabaram favorecendo a empresa.
<<<< Por
que isso importa?
• Denúncia do Ministério Público de Minas
Gerais evidencia que mineradoras faziam uso de autorizações provisórias para
atuar sem estudos de impacto ambiental e podem ter causado danos que sequer
podem ser dimensionados
• Ações individuais de servidores estão
sob investigação
De 2019 a 2022, a
Superintendência Regional de Meio Ambiente – Central Metropolitana (Supram-CM),
subordinada à Semad, firmou sucessivos
Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Fleurs, possibilitando a manutenção da operação da
mineradora. Nesse período, a empresa acumulou 17 autuações, por desmatamento,
intervenção em áreas de preservação permanente, captação irregular de recursos
hídricos, “dentre outras atividades ilícitas”, aponta a ação civil
pública. “A prática de irregularidades é
frequente na Supram-CM, sendo que as equipes técnica e jurídica têm se
desgastado na defesa do que é correto, técnico e legal, mas, diante do cenário,
os servidores têm reiteradamente pedido transferência [para fora do órgão]”,
depôs um servidor ao MPMG, em 30 de maio de 2022. A Supram-CM é responsável
pela fiscalização e regularização ambiental na capital e cidades do entorno.
À época do depoimento
do servidor ao MPMG, a superintendência estava sob o comando do funcionário de
carreira Fernando Baliani. Segundo relatos colhidos pela promotoria, ele era
assessorado pelo soldado da Polícia Militar de Minas Gerais Charles Soares de
Souza, que assumiu a Supram-CM em junho de 2022. À frente do cargo, o militar
assinou atos que beneficiaram o grupo empresarial da Fleurs, conforme revelou a
revista Piauí. Antes de assumir o cargo,
Charles trabalhou como consultor da Fleurs. Há registros ainda de que o soldado
teria atuado no órgão ambiental com aval da secretária Marília Carvalho, antes
de ser oficialmente nomeado, a pedido dela, conforme apuração da Pública.
Carvalho é servidora
pública de carreira desde 2006 e assumiu a liderança da Semad, indicada por
Romeu Zema (Novo-MG), há quatro anos. Ela é filha de Ciomara Rabelo de Carvalho
e enteada de Jorge Saffar, sócios da Crono Engenharia, que presta consultoria
para grandes mineradoras como Vale, Anglo American e CSN, conforme indicado no
site oficial da empresa. Procurada, a Semad informou que não foi localizado
nenhum processo de regularização ambiental conduzido pela Crono Engenharia.
“Não sendo identificada, portanto, situação de conflito de interesse nas
funções exercidas pela secretária”,
ressaltou. “A secretária sempre se caracterizou pelo perfil técnico em todos os
cargos que ocupou dentro do Sisema, perfil que é reconhecido, inclusive, no
meio acadêmico”, acrescentou. A secretária reforçou ainda por meio da
assessoria de imprensa, “que repudia qualquer tipo de especulação ou ilação
quanto a sua trajetória no serviço público e acerca das funções que desempenha
ou desempenhou, bem como da história profissional respeitada dos familiares.”.
Em nota, a Semad
informou também que o soldado Charles Soares de Souza foi contratado “em função
de seus conhecimentos técnicos na área”. “No currículo apresentado quando da
nomeação não constava nenhuma relação com a empresa citada [Fleurs]”,
acrescentou. Ainda de acordo com a
secretaria, “os processos de licenciamento no órgão estadual, assim como as
demais atividades a ele inerentes, são conduzidos com responsabilidade e
impessoalidade, pautado em critérios técnicos e sempre com observância às
normas vigentes e aplicáveis”. A Pública
entrou em contato com a Fleurs para buscar explicações sobre possível pressão
no órgão ambiental, sobre a atuação de seu ex-consultor Charles Soares de Souza
e sobre as denúncias do MPMG, mas não obteve resposta até a publicação desta
reportagem.
• Exploração sem limites e sem provas
O “gigantesco
empreendimento minerário” da Fleurs está localizado em Raposos, na região
metropolitana de Belo Horizonte, e fica às margens do rio das Velhas, que a
abastece de água. A mina possui duas unidades de tratamento de minérios, com
capacidade total de 3,8 milhões de toneladas por ano, e uma pilha de rejeitos.
Vistoria técnica realizada no local em janeiro de 2023 detectou falta de
estabilidade da pilha de rejeitos, processos erosivos e ausência de
instrumentos de controle e monitoramento. Segundo a ambientalista Jeanine
Oliveira, do projeto Manuelzão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
que participa do movimento contra a mineração na Serra do Curral, a pilha de
rejeitos fica a cerca de 60 metros do rio das Velhas e há fortes indícios de
que ela teria contaminado o corpo d’água após um período de chuvas
intensas. Oliveira destacou que, como a
Fleurs invadiu a área sem autorização do órgão ambiental, não existe amostra de
comparação para confirmar a contaminação. “Se houvesse o licenciamento, eles
iam ter feito o Estudo de Impacto Ambiental, e teríamos a amostra de antes.
Como eles atropelaram tudo, não há provas”.
Segundo o MPMG, o
projeto minerário da Fleurs, considerado de grande impacto pelo tamanho e pela
proximidade com uma área ambientalmente sensível, deveria passar por
“licenciamento ambiental trifásico”, ou seja, obter licença ambiental prévia,
de operação e de instalação. A mineradora solicitou novo licenciamento, ainda
em andamento – os dois anteriores tiveram parecer técnico pelo
indeferimento. “Pois, como sabido,
qualquer atividade potencialmente poluidora que pretenda se desenvolver depende
de prévia licença ambiental concedida pelo órgão público competente, com a
anterior apresentação de avaliação de impactos ambientais e fixação de todas as
medidas técnicas para evitá-los, mitigá-los ou compensá-los”, destacaram os
promotores que assinam a ação civil pública. Eles denunciaram ainda que a
mineradora, desde sua instalação, tem “um histórico de omissões, dissimulações
e subterfúgios, repleto de severas irregularidades ambientais”, para “obter
autorizações rápidas, superficiais e ilegais”. Apesar de ter como alvo a Fleurs
Global Mineração, o documento de 1.215 páginas produzido pela promotoria de
Minas Gerais também detalha atos da Semad que teriam favorecido a mineradora.
O MPMG informou à
Pública por meio de nota que está apurando “eventuais condutas funcionais de
servidores específicos” e que “não há fatos a serem divulgados no momento, a
fim de não prejudicar o andamento das investigações”. O órgão destacou ainda
que a ação contra a Fleurs “tem por objeto a reparação integral dos danos e a
nulidade do licenciamento ambiental, de modo a resguardar o meio ambiente e as
normas ambientais vigentes”.
• Histórico de omissões e possíveis
influências externas
A Fleurs Global
Mineração iniciou suas atividades no entorno da Serra do Curral em 2018, a
princípio, sem autorização da Secretaria de Meio Ambiente. O MPMG descreve na
ação civil pública que a empresa teria agido com “ousadia e total desprezo pelo
ordenamento jurídico vigente” e que “o empreendimento passou a suprimir a
vegetação local e, na sequência, instalar e iniciar suas atividades na área de
forma ilícita”. Apenas em julho de 2019,
a mineradora assinou o primeiro Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a
Supram-CM. “Contudo, mesmo após firmar o precário instrumento, a ré
inacreditavelmente seguiu resistindo em cumprir a legislação de regência, sendo
autuada em outubro daquele ano”, destacou o MPMG. O acordo foi cancelado em 4 de março de 2020,
mas, apenas seis dias depois, e apesar do histórico de infrações, o órgão
ambiental celebrou outro TAC com a empresa.
A Pública apurou com
servidores da Semad que a continuidade da operação só foi possível após Marília
Carvalho de Melo cancelar a permissão de uso de água da mineradora concorrente
da Fleurs, a Taquaril – embora um memorando produzido internamente concluir que
“não caberia o cancelamento”. As outorgas concedidas à Taquaril, no entanto,
impossibilitavam a continuidade das atividades da Fleurs, uma vez que as duas
empresas disputavam o mesmo córrego para beneficiamento do minério. A disponibilidade hídrica concedida à Fleurs
posteriormente no TAC firmado em março de 2020 é praticamente a mesma que
constava na portaria de outorga da Taquaril, no mesmo curso d’água e com o
ponto de captação de coordenadas geográficas com apenas alguns segundos de
diferença.
Em novembro de 2021,
“após tantos danos ambientais e reviravoltas procedimentais”, descreve o MPMG,
a equipe técnica da Supram concluiu pelo indeferimento da licença do
empreendimento da Fleurs e pelo imediato cancelamento do TAC vigente. O
processo estava pronto para ser votado no Conselho Estadual de Política
Ambiental (Copam), mas na última hora foi retirado da pauta. Em depoimento ao
MPMG, funcionários públicos da Semad “manifestaram perplexidade” com o fato,
“narrando inclusive situação de possível pressão sofrida pelo órgão ambiental”
para que o processo não fosse analisado pelo Copam.
Segundo um servidor
ouvido pelos promotores em 30 de maio de 2022, “o procedimento não foi pautado
sem qualquer justificativa à equipe técnica e jurídica, sendo retirado daqueles
a serem pautados por ordem da Subsecretária de Regularização”. O cargo era ocupado
à época por Anna Carolina da Motta Dal Pozzolo. Ele contou ainda “que a
servidora que era a gestora jurídica do processo perguntou em grupo de WhatsApp
o motivo do processo não ter sido pautado e a resposta foi no sentido de que a
Subsecretária fora pressionada”. Dal Pozzolo já advogou para dezenas de
mineradoras no estado, conforme mostrou reportagem da revista Piauí.
Diante do parecer pelo
indeferimento, a Fleurs solicitou o arquivamento do processo de licenciamento
ambiental, formalizou outro e, no mesmo ato, pediu a celebração de um novo TAC,
concedido novamente pela Supram, em fevereiro de 2022, “causando estranheza o
fato de que o parecer pelo indeferimento foi simplesmente desconsiderado”,
conforme observou outro funcionário da Semad em depoimento aos promotores em 8
de junho de 2022. No dia seguinte à assinatura do acordo, “a servidora que era
gestora jurídica formalizou a sua discordância com o caso por meio de mensagem
no aplicativo Trello, datada de 23 de fevereiro de 2022”, contou o funcionário.
Ele diz ainda que, posteriormente, os TACs administrativos passaram a ser
redigidos “sem a participação da equipe jurídica, ficando somente a cargo da
diretora jurídica Angélica Sezini, em razão de embates”. A Supram, ao firmar novo acordo com a
empresa, passou por cima de um parecer da Controladoria-Geral do Estado (CGE).
Em novembro de 2020, após realizar auditoria em processos de celebração de
acordos como o da Fleurs, o órgão emitiu uma nota, sugerindo que a Semad
vetasse “a celebração do TAC em casos de reiteradas infrações ambientais pelo
solicitante empreendedor”. “Não se vislumbra
razoável pactuar instrumento de ajuste de conduta com empreendedor que persiste
em manter suas atividades em desconformidade com a legislação ambiental, sob
risco de se agravar os danos causados ao meio ambiente”, acrescentam os
auditores no documento encaminhado à Semad.
• Servidor foi penalizado por cancelar
acordo de mineradora
O último TAC firmado
entre a Fleurs e o governo de Minas Gerais, em 23 de fevereiro de 2022, chegou
a ser cancelado em dezembro daquele ano, mas o gestor que assinou o ato, o
então superintendente da Supram, Daniel dos Santos Gonçalves, foi penalizado pelo
juiz Wauner Batista de Oliveira com uma multa de R$ 10 mil. Além da punição, o
magistrado permitiu que a mineradora mantivesse suas operações por força de uma
liminar. O juiz foi afastado do cargo dias depois pelo Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) por ter autorizado a realização de protestos antidemocráticos em
frente ao quartel do Exército em Belo Horizonte, mesmo após decisão contrária
do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Multa de 10.000 reais pela Justiça por atuar corretamente corrigindo
ilegalidades na Serra do Curral. É isso mesmo?!?!”, escreveu Daniel nas redes
sociais à época. “Contra o emparelhamento [sic] do Estado, ainda restam muitos!
Consciência de que fiz o que deveria ter sido feito”, acrescentou. Diante da
pressão, e sem apoio da Semad, o servidor pediu exoneração do cargo.
Ao longo do relatório
que determinou o cancelamento do TAC com a Fleurs, Daniel também questionou os
sucessivos acordos assinados por colegas com a mineradora: “o empreendimento em
referência teve dois processos de licenciamento ambiental com resultado negativo,
mas, mesmo assim, insistiu-se na via do TAC. Nesse caso específico,
evidencia-se que as diretrizes institucionais não foram seguidas. Afinal, todas
as negativas do licenciamento ambiental em nada repercutiram quanto ao
impedimento, mesmo que parcial, à realização das atividades, ainda que tenham
sido observadas descontinuidades em razão do descumprimento de cláusulas
específicas do ajuste provisório”. Por fim, o então superintendente questiona:
“Se essa linha for seguida, qual a efetividade de se negar um licenciamento
ambiental se, em seguida, o empreendimento puder fazer uso da teórica e
abstrata excepcionalidade do TAC?”.
A Fleurs contratou
duas consultorias para fazer auditoria interna dos TACs e questionar a
suspensão do acordo. Entre as empresas, está a GH Sustentabilidade Ambiental,
que tem como sócio o empresário Gilberto Henrique Horta de Carvalho, amigo
pessoal da secretária Marília Carvalho de Melo, de acordo com o relato de
quatro servidores à reportagem. A Pública teve acesso a fotos tiradas na casa
da secretária que confirmam que ela e o empresário mantêm uma relação próxima.
Em nota, a Semad
destacou que “a auditoria citada não compõe o processo de licenciamento em
curso, não havendo, dessa forma, qualquer possibilidade de interferência”.
• Ligações perigosas, coação e alianças
desfeitas
A Fleurs Global
pertence ao mesmo grupo empresarial da mineradora Gute Sicht, que também é alvo
de inquéritos da Federal e do Ministério Público Federal e teve sua atividade
na Serra do Curral suspensa em 2023, após decisão do STF. De acordo com
investigação da PF, as duas empresas seriam, na prática, o mesmo negócio. A Gute Sicht também operou sem licença
ambiental e fez uso de TACs. As mineradoras têm como sócio em comum o
empresário Alan Cavalcante Nascimento, que, por sua vez, é sócio de João
Alberto Paixão Lages na Gute Sicht, de acordo com a investigação da PF. Os dois
também respondem na Justiça Federal por extração irregular de minério de ferro
no cartão-postal de Belo Horizonte. Procurada, a empresa não respondeu aos
questionamentos da Pública.
Ex-deputado estadual, João Alberto Lages é
presidente da Associação de Mineradoras de Ferro do Brasil (AMF), inaugurada em
abril do ano passado, em um pomposo evento que contou com a participação de
autoridades do Judiciário mineiro, da Assembleia Legislativa do estado, da
Câmara dos Deputados, do governo de Minas Gerais e do governo federal, como o
ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira – que recebeu R$ 100 mil em
doação de Lages na campanha ao Senado em 2022. Em 23 de fevereiro de 2024,
Lages foi indiciado pela Polícia Civil pela prática de injúria e ameaça, depois
de ter ameaçado a secretária de Meio Ambiente de Minas Gerais, Marília Carvalho
de Melo, por meio de mensagens de texto, para que ela acelerasse o
licenciamento ambiental da Fleurs Global.
As mensagens de áudio
foram enviadas entre os dias 23 e 24 de dezembro de 2023, após uma audiência
pública vinculada ao processo ter sido adiada. Mesmo depois do ocorrido, a
audiência pública da Fleurs foi realizada no dia 7 de fevereiro. Segundo a Semad, “a decisão de publicar a
audiência na segunda quinzena de janeiro, e não na última semana de dezembro,
durante recesso de final de ano, foi tomada com o objetivo de garantir a
transparência e devida visibilidade que o assunto requer”.
“O Ilustre Secretária
de merda nenhuma….. é João Alberto que tá falando aqui… cê para de bandidagem,
de tentar extorquir a Global, no nosso licenciamento, nós queremos apenas uma
coisa limpa, que é uma audiência pública, e você determinar para que isso não
aconteça, demonstra o apartamento que cê tem, o carro que você tem, a ladroagem
da sua família, da sua mãe, portanto Marília, até agora você não me ofertou
nada como eu, mas daqui pra frente vai ser diferente”, dizia mensagem atribuída
ao número que seria do empresário às 21h45 do dia 23 de dezembro. No dia seguinte, a secretária recebeu novas
mensagens da linha telefônica que seria de João Alberto Lages pedindo desculpas
pelo “mal-entendido”. Horas depois, o recado foi complementado por um áudio,
também atribuído ao empresário: “Marília ei, tentei ser cordial com você, você
viu a mensagem, depois o Pablito falou com você e não respondeu. Então minha
amiga, bora lá uai, pra guerra, continuar sempre… Prepara-te”.
Em depoimento à
Polícia Civil, Lages negou ter vínculo com a Fleurs e justificou que estaria
“sofrendo pressão dos associados da entidade que preside”. Segundo transcrição
do depoimento, ele admitiu a autoria exclusiva das mensagens e destacou que as
mensagens não tiveram “interferência dos associados, os quais cobravam a
resolução da demanda por meio da associação”. Lages afirmou que seu “intuito
era que o processo ocorresse de forma mais rápida, pois já se delongava,
entretanto exagerou”. Questionado se teria provas das acusações feitas contra a
secretária, Lages respondeu que “se excedeu no envio da mensagem”. Ele disse
ainda que “não tem relação de amizade” com Marília Carvalho, mas que a conhece
“pois já se encontraram em alguns eventos”. A reportagem entrou em contato com
o deputado, mas ele não se manifestou até o momento. Antes das ameaças, ao menos publicamente, a
secretária mantinha uma relação amistosa com Lages e com Pablo César de Souza,
o Pablito. Carvalho de Melo participou, por exemplo, da festa de inauguração da
AMF na qual Lages foi empossado como presidente.
A Semad informou por
meio de nota que Marília Carvalho compareceu ao evento, “em cumprimento à
agenda institucional da pasta, para acompanhar a apresentação de carta
compromisso pelo desenvolvimento sustentável, com a presença de diversas
autoridades dos poderes executivo, legislativo e judiciário”.
A presença da
secretária na inauguração da AMF foi criticada por servidores do Sistema
Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema), que no dia seguinte
publicaram uma nota de repúdio, questionando a relação de Marília com o setor
minerário. “A Secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de
Minas Gerais, Marília Carvalho de Melo, parece mesmo não se importar com as
graves e constantes denúncias que pesam contra ela. Apesar de ser
constantemente apontada como incondicional apoiadora da FIEMG [Federação das
Indústrias do Estado de Minas Gerais] e do setor minerário, em detrimento de
grupos originários da sociedade civil, não faz questão de ‘camuflar’ ou tentar
disfarçar suas predileções”, diz a nota.
Os servidores ainda
anexaram na carta de repúdio uma foto reproduzida das redes sociais da
secretária, em que ela aparece abraçada com a
deputada federal Greyce Elias (Avante-MG) – que possui um histórico de
atuação na Câmara dos Deputados favorável ao setor minerário. “Evento da AMF
com essa amiga e grande Dep @greyceelyas”, escreveu Marília na postagem. Há
outras fotos publicadas nas redes sociais da secretária que reforçam a relação
de proximidade das duas. Membro da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos
Deputados e da Frente Parlamentar da Mineração Sustentável no Congresso
Nacional, Greyce Elias é casada com Pablo César de Souza, o Pablito, citado na
mensagem enviada por José Alberto Lages a Marília Carvalho de Melo na véspera
de Natal. Em depoimento à Polícia Civil, a secretária disse que “conhece Pablo
Cesar do universo institucional do seu trabalho”.
Ex-vereador de Belo
Horizonte, Pablito comandou, no governo de Michel Temer (MDB), a Agência
Nacional de Mineração (ANM) em Minas Gerais. Sua nomeação gerou pedidos de
demissão em massa no órgão, conforme divulgado pela imprensa à época. Pablito
também foi assessor parlamentar do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), de 2019 a 2023. O senador disse desconhecer sua atividade. O
escritório de advocacia fundado por Pacheco defendeu o sócio das mineradoras
Alan Cavalcante do Nascimento e também a Gute Sicht, em ações envolvendo
exploração minerária na Serra do Curral. O senador informou que está desligado
da advocacia desde 2021. Ele não tem mais participação societária no
escritório. Guilherme Grimaldi, ex-sócio do senador no empreendimento, doou R$
150 mil para a campanha de Alexandre Silveira, indicado ao Ministério de Minas
e Energia por Pacheco.
• Nomeação controversa
Ao longo dos cerca de
cinco anos de operação da Fleurs, passaram por cargos estratégicos da Semad
servidores ligados ao setor minerário. É o caso do soldado da Polícia Militar
de Minas Gerais Charles Soares de Souza. Após ter atuado como consultor da Fleurs
por meio da empresa M. A. Consultoria Ambiental, Charles foi nomeado a pedido
de Marília Carvalho de Melo como superintendente da Supram-CM. À frente do
cargo, ele cancelou um auto de infração da Gute Sicht e assinou um dos TACs com
a empresa. De acordo com funcionários da Secretaria de Meio Ambiente ouvidos
pela reportagem, o policial teria sido indicado “sob a alegação de que ele foi
seu aluno [de Marília Carvalho] e que se tratava de uma pessoa diferenciada
quanto ao conhecimento da matéria ambiental”. Ela teria anunciado o militar
como futuro superintendente durante reunião com os funcionários nos dias 8 e 10
de março de 2022. Na ocasião, Charles teria sido apresentado por Marília
Carvalho como sendo “servidor de sua máxima confiança e que ele seria os seus
olhos dentro da Supram Central Metropolitana”, conforme contaram pessoas que
participaram dos encontros. Três meses depois, em 1o de junho de 2022, Charles
foi nomeado para o cargo. No entanto, há registros de que ele já atuava no
órgão ambiental ao menos desde 2021, sem ter qualquer vínculo oficial com o
poder público.
Em 24 de setembro
daquele ano, por exemplo, Charles participou, por indicação de Marília
Carvalho, como representante da Semad em uma reunião junto ao MPMG sobre
“licenciamento de mineração”; no mesmo mês, ele acompanhou uma operação de
fiscalização ambiental, denominada “Mata Atlântica em pé”, nos municípios do
Vale do Jequitinhonha e norte de Minas. O soldado viajou, inclusive, no avião
da Polícia Civil junto ao então subsecretário de Fiscalização Ambiental
Fernando Baliani , conforme registro do diário de bordo da Polícia Civil.
Também antes de ser nomeado gestor na Semad, em fevereiro de 2022 Charles
acompanhou a equipe técnica da Supram em uma vistoria na mina da Fleurs, para
avaliar o cumprimento das cláusulas do TAC. Na ocasião, a empresa enviou como
seu representante o sócio da M. A. Consultoria Ambiental Jaime Eduardo Fonseca,
ex-chefe de Charles na empresa de consultoria e que também já passou pela
Semad, no cargo de diretor de apoio operacional da Supram – Zona da Mata. O policial foi exonerado do cargo em setembro
de 2022. Um ano depois, em 30 de outubro de 2023, a Corregedoria do Estado
publicou no Diário Oficial a abertura de um processo disciplinar para
investigar os responsáveis pela atuação informal de Charles Soares na Semad no
período anterior à sua nomeação oficial.
Fonte: Por Alice
Maciel, da Agencia Pública
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