Governos federal e do ES não aceitam
proposta das mineradoras para repactuação
“Condições
inadmissíveis” de serem aceitas. É como a União e o Estado do Espírito Santo
justificam a rejeição à proposta de repactuação feita pelas mineradoras
Samarco, Vale e BHP Billiton, responsáveis pelo crime contra o Rio Doce em
novembro de 2015.
Em comunicado conjunto
enviado nesta sexta-feira (3) ao desembargador federal Ricardo Machado Rabelo,
mediador da Mesa de Repactuação do Caso Mariana, instalada no âmbito do
Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), os dois governos elencam os
motivos para recusa da proposta, enviada pelas empresas na última segunda-feira
(29).
Em nota pública, os
entes públicos federal e capixaba afirmam que esta “não representa avanço em
relação à proposta anterior, apresentada e discutida em dezembro de 2023”, e
desconsidera o que “já havia sido exaustivamente debatido e acordado” desde que
as tratativas estão em andamento.
Isso porque, explicam,
o aumento do valor ofertado pelas empresas para financiar as medidas de
reparação foi feito em conjunto com uma redução drástica nas obrigações que as
mineradoras já haviam concordado em assumir durante as negociações.
Ponto a ponto, a nota
elenca seis tópicos mais importantes que demostram a impossibilidade de aceite
da proposta. Em primeiro lugar, “o fato de a nova redação prever uma retirada
de rejeitos de mineração do Rio Doce muito inferior ao que já havia sido negociado,
beirando o cenário de nenhuma retirada”.
Em segundo e terceiro,
por propor uma “transferência da obrigação de recuperação de nascentes e áreas
degradadas para o Poder Público” e “o encerramento do gerenciamento das áreas
contaminadas”.
A quitação geral de
danos, já declarada ilegal seguidas vezes pelos ministérios e defensorias
públicas, volta a constar na proposta do dia 19, o que impediria que as
empresas sejam responsabilizadas por “danos futuros ou ainda desconhecidos,
inclusive à saúde humana”.
Em quinto lugar, os
governos pontuam que, apesar de prever a inclusão dos municípios do litoral
norte capixaba nos programas de reparação e compensação dos danos do crime,
atualmente executados pela Fundação Renova, conforme decisão recente da Justiça
Federal, que determina o cumprimento da Deliberação 58/2017 do Comitê
Interfederativo (CIF), a proposta retira, por outro lado, localidades já
reconhecidas como atingidas pelo crime.
Um sexto tópico
refere-se também a uma questão judicial: “a exigência de que municípios
promovam adesão formal à repactuação e desistam de eventuais ações judiciais
movidas por eles próprios para que possam ser beneficiados, ainda que
indiretamente, por recursos oriundos de eventual acordo”.
Finalmente, o
comunicado conjunto manifesta insatisfação também com o valor proposto pelas
empresas. “Além das alterações que desnaturam o teor do texto pactuado, o
aumento de valor apresentado continua muito distante do proposto pelo Poder
Público ao final de 2023, pois não interessa à repactuação os valores
alegadamente já gastos pela Fundação Renova ou o valor que as empresas estimam
gastar com as obrigações de fazer que remanescerão responsáveis”.
Os entes reafirmam
interesse em continuar na repactuação, mas de forma a se alcançar avanços reais
para as vítimas. “O Poder Público reitera que as concessões feitas, em
detrimento da obrigação de reparação integral do dano pelas empresas
responsáveis, possuem o único e exclusivo objetivo de proteção às pessoas
atingidas e ao meio ambiente. Por esse motivo, não aceitará qualquer proposta
que implique em risco de não atendimento desses propósitos”.
·
R$ 500 bilhões
Na terça-feira (30), o
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) já havia se manifestado
contrariamente à proposta das mineradoras, por se tratar de trocar “seis por
meia dúzia”, numa ironia à falta de avanço em relação ao que havia sido
discutido em dezembro.
Expõe que, a
princípio, a proposta parece atender ao valor mínimo demandado pelo governo
federal, mas somente aparentemente. “A Vale propõe ao governo que dos R$ 127
bilhões ofertados pela mineradora para reparar um crime que segue em curso há
quase 9 anos, R$ 37 bilhões sejam descontados de valores – supostamente – já
investidos no que ela denomina de ‘ações de compensação’. Concretamente, apenas
R$ 90 bilhões seriam, de fato, desembolsados pela mineradora, sem que as
populações atingidas saibam o prazo e a forma de pagamento desse valor”.
O MAB também enfatiza
a situação precária dos atingidos que perderam suas casas e continuam em
moradias provisórias, e que sofrem por múltiplos e graves problemas de saúde
“em razão da situação de vulnerabilidade social causada pelo crime, pela
intoxicação da lama, pela falta de acesso à água de qualidade, à alimentação
sadia, pela perda de seus modos de vida, trabalho e renda. Milhares de famílias
atingidas enfrentam diariamente graves violações de direitos humanos”.
A mediocridade das
cifras, afirma a nota, permite uma metáfora que compara a Vale a uma pessoa que
pede desconto em uma loja. “A Vale pechincha sobre a vida de milhares de
pessoas e utiliza manobras perversas para se vitimizar sobre o crime que ela
mesma cometeu”.
Para o movimento, “um
crime da dimensão do ocorrido na Bacia do Rio Doce, cujos danos recaem sobre 49
municípios, três estados e mais de 2 milhões de pessoas, não demandará menos
que R$ 500 bilhões para uma reparação socioambiental integral”.
Compara ainda valores
negociados em outras esferas, como na Corte Britânica, em que as indenizações
individuais das mais de 700 mil vítimas representadas na ação, são estimadas em
mais de R$ 230 bilhões. “Como poderá então o governo brasileiro aceitar R$ 90
bilhões para reparar todos os danos causados ao meio ambiente e ao povo?”,
questiona.
Fonte: Século Diário
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