COP28: Aumento da produção de petróleo no Brasil pode anular ganhos com
desmatamento zero
O governo Lula cantou em versos e prosas na
Conferência do Clima da ONU (COP28), em Dubai, o Brasil alcançou neste primeiro
ano de seu terceiro mandato. O principal deles: reduzir o desmatamento da
Amazônia em 50% nos primeiros dez meses do ano, na comparação com o mesmo
período do ano passado.
O desmatamento da Amazônia é a nossa principal
fonte – histórica e atual – de gases de efeito estufa. Assim, a redução é um
resultado extremamente relevante de se apresentar na cúpula que busca
justamente acelerar as ações dos países para combater o aquecimento global. O
Brasil tem um trunfo diante de um cenário global em que as emissões bateram
recorde no ano passado. O que também o coloca em condições de fazer cobranças.
Mas o anúncio de que o país vai se unir a Opep +, o
grupo estendido da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – aliado aos
planos de abrir uma nova frente de exploração de petróleo na Margem Equatorial
(que inclui a polémica Foz do Amazonas) – levanta a questão de quanto esse
movimento em direção aos combustíveis fósseis pode comprometer os esforços
contra a crise climática.
A pedido da Agência Pública, pesquisadores que
fazem o Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg) do
país fizeram a conta e concluíram que se for explorado todo o petróleo previsto
de estar disponível no fundo do mar na faixa entre o Amapá e o Rio Grande do
Norte, as emissões de gases de efeito estufa provenientes de sua queima
anulariam, para o planeta, os ganhos obtidos com a redução do desmatamento da
Amazônia.
Projeções feitas pela Petrobras são de que há algo
entre 10 e 30 bilhões de barris de petróleo na Margem Equatorial. Segundo o
cálculo feito por Felipe Barcellos, do Instituto de Energia e Meio Ambiente
(Iema), se todo esse petróleo for queimado, emitiria entre 4 bilhões e 13
bilhões de toneladas de gás carbônico (CO2), o principal gás de efeito estufa.
É quase o que Estados Unidos (5,3 bilhões) e China (12,3 bilhões de toneladas)
emitiram em 2020.
A meta apresentada pelo Brasil junto ao Acordo de
Paris (ou Contribuição Nacionalmente Determinada no jargão climático – NDC)
prevê que até 2025 as emissões anuais vão estar na ordem de 1,34 bilhão de
toneladas de CO2-equivalente e até 2030, devem cair para cerca de 1,21
gigatoneladas (Gt) por ano – redução de 53% em relação aos níveis de 2005. Ou
seja, as emissões referentes à queima do petróleo da Margem Equatorial seriam,
no mínimo, o triplo do quanto o Brasil se comprometeu a emitir em 2030.
Agora se considerarmos que o país também tem como
meta zerar o desmatamento da Amazônia até o fim da década, fica mais evidente o
potencial de não só anular ganhos, como de inverter a curva.
De acordo com o Seeg, se de fato zerar o
desmatamento da Amazônia até 2030, como prometido por Lula assim que ele
assumiu o governo, mesmo que nenhuma outra redução de emissões seja feita em
outros setores da economia (como energia e agropecuária, por exemplo), o Brasil
estará, daqui sete anos, emitindo cerca de 905 milhões de toneladas de
CO2-equivalente. O valor é 25% menor do que os 1,2 GtCO2e previstos na NDC para
2030, o que mostra que o Brasil contribuiria ainda mais para o clima global do
que a nossa meta indica.
Nesse caso, a emissão do petróleo fica ainda mais
gritante: 4 bilhões de toneladas de CO2 é 4,4 vezes o que poderemos estar
emitindo se acabar o desmatamento da Amazônia.
“Esse montante de emissões seria equivalente,
grosso modo, a continuarmos desmatando até 2035 ou até 2060 (considerando que
cumpriremos com a NDC em 2025 e depois vamos freando linearmente o
desmatamento)”, explicou à Pública David Tsai, coordenador do Seeg. “Ou seja,
explorar a Margem Equatorial seria equivalente ao dano causado pela postergação
entre 5 anos e 30 anos da meta de desmatamento zero”, complementou.
Um outro jeito de encarar esse potencial de queima
do combustível fóssil da Margem Equatorial é olhando para trás. O fato que faz
o governo Lula confiar que vai conseguir zerar o desmatamento até 2030 é porque
algo próximo disso já foi feito no passado. Entre 2004 e 2012 – governos Lula
1, Lula 2 e Dilma 1 – a taxa caiu 83%, chegando à menor já medida desde 1989.
Em evento neste sábado (2), na COP, a ministra do
Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, afirmou que, com essa redução,
o Brasil evitou lançar na atmosfera 5 bilhões de toneladas de CO2e naquele
período.
O cálculo sobre as emissões potenciais do petróleo
não significa que necessariamente esse carbono vai se somar a contribuição que
o Brasil faz ao aquecimento global. Pode não entrar na nossa conta, visto que
ele pode não ser consumido no país, mas ser exportado. O que, para a atmosfera,
faz pouca diferença. Afinal, o planeta é um só. “Vai ser um dano para o mundo
de todo jeito”, comenta Tsai.
Isso contrasta com o próprio posicionamento oficial
do governo em Dubai. Ao se dirigir a outros chefes de estado e de governo na
plenária de alto nível da COP28 na sexta-feira (1), o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva fez questão de frisar a redução de 50% no desmatamento da
Amazônia nos primeiros dez meses do ano, na comparação com o mesmo período do
ano passado, para cobrar os demais líderes.
“O desmatamento em todo mundo só responde por 10%
das emissões globais. Mesmo que não derrubemos mais nenhuma árvore, a Amazônia
poderá atingir seu ponto de não-retorno se outros países não fizerem sua
parte”, declarou, indicando reconhecer que o consumo de combustíveis fósseis é
o principal vetor do aquecimento global em todo o mundo.
“O aumento da temperatura global poderá desencadear
um processo irreversível de savanização da Amazônia. Os setores de energia,
indústria e transporte emitem muitos gases do efeito estufa. Temos que lidar
com todas essas fontes”, disse, ao defender que todos busquem se esforçar para
limitar o aquecimento global em 1,5°C.
Na sessão de abertura da COP, um pouco antes, ele
também exortou: “É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da
descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de
combustíveis fósseis.”
• Ingresso
na Opep+
Cerca de 24 horas depois, porém, na manhã deste
sábado (2), em encontro com organizações da sociedade civil e movimentos
sociais na COP28, Lula confirmou que o Brasil se juntará à Organização dos
Países Exportadores de Petróleo e Aliados (Opep+), que reúne 13 nações aliadas
ao grupo principal da Opep. Isso já havia sido dito na sexta pelo ministro de
Minas e Energia, Alexandre Silveira, após reuniões do governo na Arábia
Saudita.
Como o público era formado basicamente por
ambientalistas, dentro da COP, Lula rapidamente tentou contemporizar. “Acho
importante a gente participar porque a gente precisa convencer os países
produtores de petróleo de que eles precisam se preparar para o fim dos
combustíveis fósseis”, disse Lula..
“Se preparar significa aproveitar o dinheiro que
eles lucram com petróleo e fazer investimento para que continentes como o
africano e a América Latina possam produzir os combustíveis renováveis que eles
precisam, sobretudo o hidrogênio verde”, afirmou. Não houve, entretanto, espaço
para perguntas dos jornalistas, e ele não explicou como se daria esse trabalho
de convencimento por parte do Brasil
Na noite anterior, a ministra do Meio Ambiente e
Mudança do Clima Marina Silva foi questionada pela Pública se não seria uma
contradição o Brasil defender o cumprimento da meta de limitar o aquecimento
global a 1,5ºC como uma de suas principais bandeiras na COP28 e integrar a
Opep+.
“Se for para levar o debate da economia verde, da
necessidade de descarbonizar o planeta, não. É exatamente para levar o debate
que precisa ser enfrentado no âmbito daqueles espaços que são dos grandes
produtores de combustível fóssil, que é o grande responsável pelo aquecimento
do planeta”, pontuou.
Entre os membros da sociedade civil, a explicação
não colou muito. Principalmente porque o governo vem passando vários
indicativos de que não pretende estabelecer um cronograma para a eliminação dos
combustíveis fósseis.
“Se isso for verdade [querer influenciar a Opep], o
Brasil já teria de ter se comprometido com o chamado phase out [eliminação
gradual] de combustíveis fósseis. Não há como ir para perto dos maiores
produtores [de petróleo] que estão unidos, com uma vaga promessa de
descarbonização, que não tem data para acontecer. Já deveria ter aderido a uma
disposição de construir um cronograma”, comentou Natalie Unterstell, presidente
do Instituto Talanoa, em vídeo nas redes sociais.
“O Brasil diz uma coisa, mas fez outra na COP28. É
inaceitável que o mesmo país que diz defender a meta de limitar o aquecimento
global em 1,5°C, agora esteja anunciando o seu alinhamento ao grupo dos maiores
produtores de petróleo do mundo”, comentou o diretor de programas do Greenpeace
Brasil, Leandro Ramos, em comunicado à imprensa.
“Apesar de não sabermos ainda qual será o formato
da Opep Plus, sabemos que a Opep funciona como um cartel para influenciar o
preço internacional do petróleo por meio do controle da oferta. Por isso,
anunciar a entrada do Brasil na organização em pleno ano de 2023, enquanto
deveríamos estar preocupados em acelerar a transição energética do país e criar
planos para eliminar os combustíveis fósseis progressivamente, é uma decisão
completamente equivocada e perigosa”, complementou.
“Não basta apenas se comprometer em zerar o
desmatamento, o governo brasileiro precisa se posicionar contra os combustíveis
fósseis se quer assumir um papel de liderança climática mundial. Essa
incoerência poderá colocar em xeque a sua posição para cobrar metas mais
ambiciosas dos países desenvolvidos e custará caro à política climática
brasileira”, disse.
A Secretaria de Comunicação do Planalto, assim como
os ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia foram procurados pela
reportagem para comentar os dados de emissões, mas não se manifestaram até a
publicação desta reportagem.
Na
COP28, Lula mostra lição de casa sobre Amazônia, mas reforça contradição com
petróleo
A participação do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) na 28ª Conferência do Clima das Nações Unidas (ONU), a COP28, entre
sexta-feira (1) e sábado (2), acentuou a contradição entre aspectos da atuação
brasileira nas negociações climáticas.
Por um lado, o país encabeça um chamado para que o
mundo se una a fim de cumprir a meta do Acordo de Paris de limitar o
aquecimento médio global a 1,5°C e exerce liderança na proteção das florestas
tropicais. Por outro, é cobrado por não comandar os esforços na proposta de um
acordo global para o abandono do uso de combustíveis fósseis, cuja queima para
a geração de energia é a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa.
Os dois dias intensos de agenda em Dubai, nos
Emirados Árabes Unidos, onde a cúpula ocorre até 12 de dezembro, marcaram o
retorno de Lula às COPs do clima como chefe de Estado. Em novembro de 2022, ele
esteve na COP27, no Egito, já eleito, mas antes de tomar posse, e foi recebido
como um popstar. Na ocasião, reforçou o compromisso de acabar com o
desmatamento e degradação florestal em todos os biomas até 2030.
Pouco mais de um ano depois, algumas coisas
mudaram. Como presidente, Lula passou a maior parte do tempo circulando por
espaços de acesso restrito, aos quais a imprensa não tinha acesso. Fez uma
série de encontros bilaterais com líderes de outros países, entre eles, os
presidentes da França, Emmanuel Macron, da Comissão Europeia, Ursula von der
Leyen; da Espanha, Pedro Sanchéz; e de Israel, Isaac Herzog; além do
secretário-geral da ONU, António Guterres.
Como consequência, ficou mais distante dos
movimentos sociais e sociedade civil organizada presentes no evento. O clima de
campanha que deu o tom de sua passagem pela COP de 2022 naturalmente não se
repetiu.
O presidente, no entanto, trouxe à mais importante
rodada de conversas climáticas do planeta o sinal de que recolocou o país na
trilha para o cumprimento da promessa. No começo do mês, seu governo anunciou a
redução no desmatamento da Amazônia após sucessivas altas entre 2018 e 2021 e
uma pequena diminuição no ano passado – fato que ele fez questão de ressaltar
em seu discurso aos demais líderes na COP.
É o seu maior trunfo e também um sinal de contraste
em relação a seu antecessor no cargo. Houve 22,3% de queda entre agosto de 2022
e julho de 2023 na comparação com os doze meses anteriores, a menor taxa desde
2018. Nos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro (PL), o desmatamento médio
do período apresentou uma alta de 59% em relação aos quatro anos anteriores.
O corte raso da Amazônia é a principal fonte de
emissões de gases de efeito estufa no país. Sob a gestão de Bolsonaro, como
reflexo da alta da destruição florestal nos três primeiros anos de governo, as
emissões brasileiras cresceram a ponto de anular as reduções ocorridos nos
mandatos de Lula e Dilma Rousseff. A baixa registrada entre 2022 e 2023 deu ao
Brasil condições de pressionar os demais líderes a cumprirem seus compromissos
durante as tratativas da COP28.
Ciente da importância dessa conquista aos olhos do
mundo, Lula quebrou o protocolo e abriu espaço para que a ministra do Meio
Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, discursasse em seu lugar num evento
sobre a proteção de florestas. “Eu não poderia utilizar a palavra sobre a
floresta se tenho no meu governo uma pessoa da floresta. A Marina nasceu na
floresta, se alfabetizou aos 16 anos”, falou, com a voz embargada, chorou e a
abraçou. Ela o abraçou de volta, numa cena emocionante.
“Acho que é justo que para falar da floresta, ao
invés de falar o presidente, que é de um estado que não é da floresta, a gente
tem é que ouvir ela, que é a responsável pelo sucesso da política de
preservação ambiental que nós estamos fazendo no Brasil”, complementou.
Paralelamente, Marina e o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, anunciaram ainda a proposta de criação do Fundo Floresta
Tropical para Sempre (FFTS), que proverá recursos para ajudar cerca de 80
nações detentoras de florestas, como o próprio Brasil, a conservá-las. Segundo
os ministros, o mecanismo, idealizado com base nas condições e particularidades
desses países, busca inverter a lógica das iniciativas do gênero já existentes,
instituídas quase sempre pela decisão das nações doadoras.
O que poderia ser uma participação suave, só com
notícias positivas, porém, foi logo ofuscada pelos rumores na delegação
brasileira e na imprensa local e estrangeira de que o Brasil se juntaria à
Opep+, o grupo estendido da Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(Opep).
A COP mal tinha iniciado, na quinta-feira (30),
quando começou a circular um vídeo do ministro de Minas e Energia, Alexandre
Silveira – o mesmo que, internamente, é um forte defensor da abertura de novas
frentes de exploração de petróleo –, se dirigindo aos membros do cartel. “Esse
é um momento histórico para o Brasil e a indústria energética”, disse, sem
mencionar a crise climática ou mesmo a COP, que tem como missão acelerar
esforços para conter o aquecimento global.
Antes de chegar a Dubai, Lula e comitiva haviam
passado por Arábia Saudita e Catar. A formalização do convite foi realizada
pelos sauditas, mas essa não foi a primeira vez que isso aconteceu. A proposta
mais recente tinha sido feita no governo Bolsonaro, primeiro em 2019, e
novamente em outubro de 2021, durante viagem encabeçada pelo então ministro de
Minas e Energia, o almirante Bento Albuquerque, a pretexto de tratar de energia
limpa, como mostrou reportagem da Agência Pública. Foi nesta reunião que ocorreu
a entrega das polêmicas jóias à família Bolsonaro.
• Aplausos
dão lugar a meme
Foram várias horas de um intenso burburinho até que
Lula confirmou, no sábado (2), que o plano era, de fato, ingressar no grupo Em
reunião com organizações da sociedade civil e movimentos sociais, o presidente
chegou a afirmar que o Brasil não participaria “da Opep”. Foi questão de
segundos, em que ele foi aplaudido pela plateia de ambientalistas que lotava a
sala, até que emendou: “O Brasil vai participar da Opep ‘plus’. É tão chique
esse nome”.
Os aplausos cessaram de imediato e, horas depois,
memes sobre o episódio com pinta de pegadinha do presidente circularam em
grupos de WhatsApp formados por brasileiros que vieram a Dubai para acompanhar
a conferência. A Opep, um grupo de 13 integrantes exportadores de petróleo que
se coordenam para controlar a produção e os preços, existe desde 1960. Já a
Opep+, criada em 2016, reúne 10 outros membros considerados aliados dos
principais.
Em sua única fala a jornalistas durante a COP28, na
manhã deste domingo (3), antes de deixar o hotel em viagem para a Alemanha, o
petista foi questionado sobre a evidente contradição entre defender a
manutenção da meta de conter em 1,5°C o aquecimento do planeta e anunciar a
junção à Opep+ durante o evento dedicado a definir medidas para o combate à
crise do clima. Assim como tinha feito diante da sociedade civil, Lula tentou
contemporizar.
“A nossa participação é para discutir com a Opep a
necessidade dos países que têm petróleo e que são ricos de começar a investir
um pouco do seu dinheiro para ajudar os países pobres do continente africano,
da América Latina, da Ásia, a [parar de] investir em combustível fóssil”,
declarou. “Eles podem financiar o etanol, o biodiesel, a [energia] eólica,
solar, hidrogênio verde. Esse é o nosso papel.”
Para Nicole Oliveira, diretora executiva do
Instituto Arayara, a decisão de aderir à Opep+ “reforça a postura do Brasil em
se estabelecer como um dos principais exportadores de petróleo do mundo,
casando-se com os interesses dos combustíveis fósseis e se divorciando dos
princípios da transição energética”.
Ela contesta o argumento de que o Brasil usaria o
espaço para convencer as nações petrolíferas a investir na descarbonização das
matrizes energéticas de países em desenvolvimento. Para que isso “faça sentido
dentro de um contexto de transição energética”, ressalta, “seria necessário um
compromisso muito mais firme e sinais mais evidentes de um plano de redução da
dependência e da exploração de petróleo e gás internamente, o que não se vê
como realidade”.
“Parece haver uma tentativa de equilibrar
interesses econômicos imediatos com a narrativa de sustentabilidade, o que pode
acabar comprometendo ambos os objetivos”, afirma Oliveira.
A entrada do Brasil na Opep+ colocou em evidência
também a Petrobras durante a viagem de Lula a Dubai. Na sexta-feira (1), o
presidente da empresa, Jean Paul Prates – que acompanhou a comitiva
presidencial da Arábia Saudita até a COP28 – declarou à Bloomberg Línea que
estuda abrir uma unidade no Oriente Médio após a indicação do governo de que
aderiria ao grupo.
Indagado sobre o assunto na coletiva de imprensa,
Lula disse não ter sido informado sobre a proposta de Prates, mas destacou que
a Petrobras “não vai deixar de prospectar petróleo”. “É importante lembrar
isso, porque o combustível fóssil ainda vai funcionar durante muito tempo na
economia mundial. Enquanto ele funcionar, nós vamos conseguir pegar petróleo e
vamos melhorar a qualidade da gasolina”, pontuou. Completou indicando que a
estatal “vai se transformar em uma empresa não de petróleo apenas, [mas em] uma
empresa que vai cuidar da energia como um todo”.
• Brasil
se aproxima do petróleo enquanto Colômbia dá passo para longe
Poucas horas depois de Lula sacramentar a
participação brasileira na Opep+, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro,
marcou sua participação na COP28 com um anúncio na direção oposta.
Ele atendeu ao chamado de nove pequenas ilhas do
Pacífico e Caribe, as nações mais ameaçadas pelo aumento do nível do mar
causado pelo aquecimento global, e aderiu ao Tratado de Não Proliferação de
Combustíveis Fósseis, que defende o abandono do uso de petróleo, gás e carvão.
É o único país latino-americano, e o maior produtor de petróleo, a se juntar à
iniciativa.
Após o evento, que estava lotado, Petro colocou
pressão sobre os vizinhos sul-americanos. “Para Argentina e Brasil, dar esse
passo até 100% [de matriz energética renovável], não é difícil. O problema é
mais mental. É de audácia”, disse à Folha de S.Paulo.
A divergência entre os posicionamentos do
colombiano e de Lula já havia ficado evidente durante a Cúpula da Amazônia, em
agosto, quando Petro fez defesa enfática do fim da exploração de petróleo em
território amazônico, mas não recebeu apoio dos demais líderes.
O tema ganhou relevância no Brasil neste ano,
devido aos planos da Petrobras de perfurar poços na bacia sedimentar da Foz do
Amazonas, parte da chamada Margem Equatorial, entre os litorais do Amapá e do
Rio Grande do Norte. Um dos pedidos de licenciamento da estatal foi negado pelo
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) em maio, o que inaugurou uma crise interna no governo Lula.
A exploração de petróleo na Margem Equatorial pode
ter efeitos desastrosos para o clima global. Com base em cálculos de
pesquisadores do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa
(Seeg), a Pública revelou que, caso seja explorado todo o petróleo que se
estima existir na região – de 10 e 30 bilhões de barris de petróleo, segundo a
Petrobras –, as emissões decorrentes de sua queima anulariam, em níveis
mundiais, os ganhos alcançados com a redução do desmatamento da Amazônia.
• Reduzir,
não abandonar
O enfrentamento à causa do aquecimento global até
apareceu nas falas de Lula ao longo da conferência em Dubai, mas não de maneira
incisiva. Ele manifestou a intenção de reduzir a dependência brasileira em
relação a “algumas” fontes de energia fósseis, sem falar em eliminação.
O presidente defendeu a medida em um dos seus
discursos dirigidos à comunidade internacional. “É hora de enfrentar o debate
sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia
menos dependente de combustíveis fósseis”, declarou, na sessão de abertura da
presidência da COP28, na sexta-feira (1), o primeiro dia da participação dos
chefes de Estado na conferência – o chamado segmento de alto nível.
Durante o encontro com a sociedade civil no dia
seguinte, Lula citou que há o “desejo” de “acabar com alguns combustíveis
fósseis”, mas que, para isso acontecer, “é uma guerra, uma luta”: “Primeiro, de
vencer todos os obstáculos tecnológicos, segundo é ter o suficiente de renda”.
Ele argumentou que é necessário apresentar alternativas para que seja possível
assumir um compromisso nesse sentido.
“A alternativa existe”, indicou, mencionando o
potencial do Brasil na produção de energias renováveis. “Esse país será
imbatível nessa discussão de transição energética”, acrescentou.
O Brasil tem uma matriz energética mais limpa do
que a média mundial – é, em 47,4%, representada por fontes renováveis. O Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês,
vinculado à ONU), no entanto, aponta que as emissões globais de carbono
precisam atingir seu pico entre 2020 e 2025, caindo 43% até 2030, para que seja
possível limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C, o que ainda não ocorreu.
De acordo com estudos científicos, se ultrapassado
esse limiar, as consequências para a saúde humana, economia e ecossistemas
podem ser desastrosas. Para isso, é imperativo que todos os países, inclusive o
Brasil, descarbonizem suas economias de maneira rápida e sustentada nos
próximos anos.
Essa discussão será central até 2025, quando o país
deve presidir a COP30, que ocorrerá em Belém – a confirmação depende apenas do
martelo ser batido em Dubai. Considerada a mais importante desde a conferência
de 2015, que estabeleceu o Acordo de Paris, a COP brasileira será o marco para
que os países apresentem suas novas metas voluntárias de redução de emissões –
as chamadas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas, na sigla em
inglês).
O sucesso disso vai depender dos resultados
entregues nos próximos dias nos Emirados Árabes Unidos, quando sairá uma
decisão sobre o balanço global do cumprimento dos objetivos do Acordo de Paris.
Por isso, o Brasil vem defendendo uma união mundial em torno da meta de 1,5°C –
a “missão 1,5”, como foi batizada. Ela faz parte da estratégia para que o país
crie as condições de se estabelecer como liderança climática até Belém.
Um momento em específico simbolizou essa tentativa:
na sexta-feira (1), antes de iniciarem seus discursos, os líderes mundiais
caminharam juntos por uma avenida na Blue Zone, o local onde ocorrem as
negociações. Na dianteira da extensa fila, Lula conversava calmamente com o
presidente dos Emirados Árabes Unidos, o xeique Mohammed bin Zayed Al Nahyan,
posicionado à sua direita.
Atrás de ambos, vinha o intérprete do brasileiro,
Sérgio Xavier Ferreira, que, por coincidência, traduziu pela primeira vez um
discurso de Lula para o inglês na Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, a Rio-92, a origem de todos os acordos internacionais sobre
clima, inclusive o de Paris.
Fonte: Por Giovana Girardi e Anna Beatriz Anjos, da Agencia Pública
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