terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Braskem: a rotina de medo sob risco de colapso de mina em Maceió

A dona de casa Roseilda Lopes da Silva Ferreira, de 45 anos, ainda lembra do tremor que sentiu no último sábado (2/11), quando toda a casa balançava.

Ela vive na Vila Saem, uma comunidade dentro do bairro do Pinheiro, o primeiro a sentir as consequências da mineração da Braskem em Maceió.

"Tenho medo, muita insegurança, porque estou pertinho de um desastre que pode vir a acontecer."

Do outro lado da rua onde ela mora, a dez metros da grade amarela de sua casa, todas as residências foram evacuadas e seladas.

O cenário é de abandono, com tijolos cimentados cobrindo as entradas dos imóveis. “Mas eu e minha família seguimos por aqui", afirma.

"A verdade é que a gente não sabe o que acontece e explica como um lado da rua precisa ser evacuado e o outro não."

Ela conta que, desde 2018, sente os tremores causados pelos problemas geológicos causados pela exploração de sal-gema nas minas da Braskem.

"Cada tremor nos alerta de que algo pior pode acontecer, e a destruição vai só aumentando", diz.

"Minha casa está cheia de rachaduras, o chão está cedendo. Já tentei refazer paredes, mas as rachaduras sempre voltam. É lutar contra o que não se pode vencer."

A região visitada pela BBC News Brasil consta no novo mapa de áreas sob risco de serem afetadas por um eventual colapso da mina da Braskem que foi elaborado pela Defesa Civil;

Mas aparece ali como uma área em que é necessário o monitoramento, mas sem indicativo de que haverá evacuações ou realocações.

"Além de ampliar a área de realocação, o monitoramento também foi intensificado. É importante ressaltar que o aprimoramento não indica riscos imediatos à população", diz o documento emitido em 30 de novembro.

•        Os impactos para a população local

Cícero Péricles Carvalho, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e doutor em Economia Regional, elenca os três maiores problemas de toda a situação envolvendo a mina da Braskem.

"O primeiro impacto forte, real e geral são as 15 mil famílias em 60 mil pessoas, até agora, deslocadas”, diz Carvalho.

Ele destaca que o preço do metro quadrado em Maceió é o mais alto do Norte e Nordeste do país.

“A inflação dos imóveis foi boa para a construção civil, foi. Agora, para a cidade, para a população, foi uma tragédia", afirma Carvalho.

O segundo impacto, diz o professor, é sentido pela indústria do turismo.

“Isso está acontecendo no começo da estação de verão, da alta temporada de verão. Era o tempo de recuperação para hotéis, pousadas, restaurantes”, diz.

Carvalho compara o atual momento com o período de isolamento por causa da pandemia de covid-19.

“Quando esses negócios fecharam em março (de 2020), foi diferente, porque eles já tinham lucrado (com a alta temporada). Dessa vez, podem não ter essa chance”, diz Carvalho.

“As pessoas não entendem que bairros estão afundando, mas que Maceió está afundando, e isso gera um medo colossal."

O terceiro cenário preocupante, diz o especialista, é com a atividade de pesca, que garante a subsistência de várias famílias da região afetada e gera impactos para as lagoas Mundaú Manguaba.

“Essas pessoas não podem pescar e, no caso de colapso, terão efeitos maiores."

Carvalho acrescenta ainda que a crise atual pode levar a uma desvalorização imobiliária e afastar investimentos na cidade como um todo.

"Os donos de fundos imobiliários vão se preocupar em como ficará a cidade com esses problemas."

A engenheira geóloga Regla Toujaguez La Rosa Massahud, professora da Ufal, afirma que o risco de colapso de minas da Braskem já era apontado previamente por estudos do Serviço Geológico Brasileiro.

“É considerado algo provável que uma, duas ou outras minas venham a colapsar, porque a sua estrutura está sendo afetada”, explica Massahud.

“É isso que está acontecendo na mina 18. Pode acontecer em outras? Pode."

Mas ela esclarece que o processo de preenchimento das minas feito pela Braskem pode ajudar a mitigar esse problema.

"O esperado é que esses eventos se reduzam, diminuam, porque à medida que as minas vão sendo preenchidas, está se colocando estabilidade no sistema, no maciço rochoso”, diz Massahud.

Sobre estas medidas, a Braskem diz que, em cinco das nove minas em que foi recomendado o preenchimento com areia, o trabalho já foi concluído.

Em três, o processo ainda está em andamento. “Uma está pressurizada, sinalizando que não é mais necessário o preenchimento com areia”, disse a empresa em nota enviada à BBC News Brasil.

Em outras cinco minas cavidades, ocorreu um autopreenchimento quando as estruturas cederam.

“As 21 restantes estão sendo fechadas ou monitoradas, com 7 delas já concluídas”, disse a companhia.

Em relação à mina 18, que disparou o alerta de risco de colapso, a Braskem informou que “as atividades para preencher a cavidade estavam em andamento e foram suspensas preventivamente devido à movimentação atípica no solo”.

Jean Melo, geólogo do Instituto do Meio Ambiente do Estado de Alagoas (IMA), afirma, no entanto, que a atividade de preenchimento da mina 18 ainda não havia iniciado, embora ela estivesse apta para que isso acontecesse.

"Esse processo seria iniciado agora no mês de novembro. Não chegou a dar tempo.”

•        'Se colapsar de noite, não terei forças para correr'

Moradora da Vila Saem, Maria Luci Trindade da Silva, de 74 anos, A incerteza sobre o que está acontecendo a angustia.

"A gente não recebe nenhuma informação oficial. É tudo pela televisão, por um morador que anda mais com os movimentos de realocação, ou seja, no boca a boca”, diz Maria Luci.

“Meu medo é que ela colapse durante a noite, porque aí nem vou ter forças para correr, já que estou dormindo.”

Maria Luci vive há 46 anos na mesma casa. Ela diz que nunca sentiu tremores causados pelos problemas com a mina, mas que os vizinhos dizem ter sentido.

Ela conta que a Defesa Civil já entrou na sua casa algumas vezes e fotografou as rachaduras, mas em uma oportunidade sequer teve seu nome perguntado.

Adriana José, de 39 anos, também mora neste local e diz que vive uma rotina de medo que exigiu da família se readaptar à nova realidade.

“Tenho três filhos. Ninguém está bem. Durmo com medo. Não tenho para onde ir”, diz.

Ela fala que sofre com um isolamento social e diz que isso pode até aumentar devido aos problemas advindos do eventual colapso da mina.

"Meu filho estudava em Bebedouro (bairro próximo), não estuda mais. Não deixamos as crianças brincando ou nas ruas à noite. A gente está vendo que vai ficar isolado dentro de casa, com mais medo”, diz Adriana.

Ela diz que a região onde mora virou um “bairro fantasma”.

“Mal tem comércio. Não tem segurança. Se vai tirar uma rua daqui, que tire as outras. Se vai acontecer, o que a gente vai ficar fazendo aqui? Quero que me tirem e me deem o dinheiro para comprar outro lugar ou pelo menos o aluguel. Queremos sair.”

 

       Chuvas fortes podem aumentar risco de desabamento causado pela Braskem em Maceió. Por Mariama Correia

 

Enquanto todas as atenções estão voltadas para o solo de Maceió, um pesquisador olha fixamente para o céu. Desde que foi dado o alerta de afundamento da mina 18 da Braskem, localizada no bairro do Mutange,  Humberto Barbosa, professor e coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite da Universidade Federal de Alagoas (LAPIS/UFAL) monitora com preocupação as imagens que ajudam a prever as mudanças meteorológicas. É que as chuvas intensas, comuns na região nesta época do ano, podem ampliar o risco de colapso do solo.

“A grande pergunta que estamos nos fazendo é: quanto de chuva Maceió suporta para que não aconteça um deslizamento do solo?”, diz. A resposta é complexa porque envolve muitas variáveis e dados. O cientista e a equipe do laboratório independente consideram alguns cenários.

A previsão de risco maior para deslizamentos de solo é caso chova 200 milímetros em 10 horas. “Isso é aproximadamente 12% do valor total de chuva anual na região, que chega em torno de 2 mil milímetros”, explica Barbosa. “Mas se chover três dias consecutivos intensamente, pode ser outro gatilho para abalos”, acrescenta.

Chuvas moderadas e fortes podem não fazer a mina colapsar, diz o pesquisador, mas ele teme que elas causem uma reação em cadeia. “Não sabemos ao certo quais podem ser as consequências das chuvas em um terreno já degradado como o da região afetada pela exploração da Braskem. Até porque o desastre que está acontecendo na cidade não tem precedentes, não há na literatura um registro semelhante. Maceió é hoje um laboratório – no pior sentido – de desastres. O que podemos afirmar é que, caso o solo fique encharcado, ele pode se tornar mais suscetível a afundamentos”, explica.

•        “Maceió é hoje um laboratório – no pior sentido – de desastres.”

Em 2018, Barbosa lembra que o laboratório – que é uma das principais referências do país em pesquisas e análise de dados de satélite do país – foi procurado pela Defesa Civil de Maceió. “Uma pessoa ligou informando que havia ocorrido um abalo sísmico. A gente tinha registrado chuvas de intensidade média e alta dias antes. Ou seja, a chuva pode não fazer com que o desabamento aconteça, mas pode ser mais um gatilho”

O fim do ano é um período de maior incidência dos chamados Vórtices Ciclônicos, que causam fortes precipitações. Os Vórtices Ciclônicos de Altos Níveis (VCAN), explica o pesquisador, são sistemas formados por ventos, que provocam mudanças meteorológicas. Dezembro e janeiro são os meses em que essas estruturas se formam com maior intensidade na região Nordeste. Os vórtices têm um centro seco e bordas com convergência de umidade. Quando as bordas se aproximam de alguma região, elas causam pancadas de chuva intensas.

“Estamos monitorando um VCAN que causou chuvas fortes, de mais de 300 milímetros, no Rio Grande do Norte alguns dias atrás. Estamos agora caçando o centro dele, vendo o tempo todo como ele se posiciona. Agora está no Sudoeste da Bahia. Se ele for mais para Leste, o perigo de chuva intensa em Maceió aumenta. A gente não sabe o que pode acontecer, porque não é possível prever os movimentos”, diz.

O El Niño também pode intensificar ainda mais as precipitações este ano, adicionando calor à atmosfera. “Não queremos dar um alarme falso e assustar ainda mais uma população que já está vulnerável. Mas Maceió tem pouca estrutura de escoamento, uma drenagem irregular. Tantos anos de intervenção humana, não só pela exploração da Braskem, mas pela perfuração de poços, tubulações, várias estruturas associadas ao crescimento urbano, tornaram o terreno da cidade menos resistente. Por isso, a chuva arrasta o solo mais fácil”, explica. “Esses riscos deveriam já estar sendo divulgados para a população pelo poder público, mas não estão sendo”, diz o professor.

A reportagem procurou a Defesa Civil de Maceió e a Braskem para perguntar sobre medidas para proteger os bairros afetados pela mina de afundamentos, caso ocorram chuvas fortes, mas não obteve resposta até a publicação.

•        Colapso em Maceió

Na última terça-feira, a Defesa Civil reduziu o estado de alerta máximo para o colapso da mina 18 para apenas um nível de alerta. De acordo com o órgão, a velocidade de afundamento do solo caiu para 0,22 cm/hora. Desde o fim de novembro, o solo no bairro do Mutange já cedeu 1,89 metro. No último dia 29, famílias foram obrigadas a sair às pressas de suas residências depois que a Defesa Civil informou que a mina de extração de sal-gema estava afundando com maior velocidade e corria risco de desabamento.

O afundamento de bairros em Maceió, causado pela exploração de sal-gema da Braskem, é considerado o maior desastre ambiental urbano do país. Os primeiros tremores de terra foram registrados em março de 2018. Ruas cederam e imóveis racharam. Até agora, mais de 20% do território de Maceió foi afetado pelos tremores. Isso inclui os bairros de Pinheiro, Bebedouro, Bom Parto, Farol e Mutange, onde muitos locais viraram áreas fantasmas.

A Braskem operava 35 poços de extração de sal-gema em Maceió, desde a década de 1970. Essas operações foram suspensas em 2019, por causa dos tremores. Mais de 14 mil imóveis foram afetados pelas operações da Braskem, de acordo com o Ministério Público Federal e mais de 60 mil pessoas foram retiradas de suas casas. A Associação dos Empreendedores e Vítimas da Mineração em Maceió apresentou queixa-crime contra a Braskem, mas o MPF rejeitou a queixa.

“A Braskem cavou 35 poços sem apresentar o Estudo de Impacto Ambiental. São vários crimes da Braskem, além do geológico, há um processo de apagamento das consequências, pensado e premeditado pela empresa, que criou uma série de acordos para dar uma falsa aparência de legalidade das operações ao longo dos anos. Houve também omissão do poder público no processo de fiscalização e acompanhamento da estabilidade das minas”, diz Alexandre Sampaio, presidente da Associação.

Na terça-feira (5), o Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Alagoas multou a Braskem em mais de R$ 72 milhões por danos ambientais e pelo risco da mina 18. Em julho, a Braskem fez um acordo para pagamento de R$ 1,7 bilhão à prefeitura de Maceió, em contrapartida às indenizações e exclusão de cobranças de impostos sobre os imóveis afetados. Com esse acordo, a empresa passa a ser proprietária dos terrenos abandonados pelos moradores. A prefeitura avalia pedir nova indenização.

 

Fonte: BBC News Brasil/Agencia Publica

 

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