Braskem: a rotina de medo sob risco de colapso de mina em Maceió
A dona de casa Roseilda Lopes da Silva Ferreira, de 45 anos, ainda
lembra do tremor que sentiu no último sábado (2/11), quando toda a casa
balançava.
Ela vive na Vila Saem, uma comunidade dentro do bairro do Pinheiro, o
primeiro a sentir as consequências da mineração da Braskem em Maceió.
"Tenho medo, muita insegurança, porque estou pertinho de um
desastre que pode vir a acontecer."
Do outro lado da rua onde ela mora, a dez metros da grade amarela de sua
casa, todas as residências foram evacuadas e seladas.
O cenário é de abandono, com tijolos cimentados cobrindo as entradas dos
imóveis. “Mas eu e minha família seguimos por aqui", afirma.
"A verdade é que a gente não sabe o que acontece e explica como um
lado da rua precisa ser evacuado e o outro não."
Ela conta que, desde 2018, sente os tremores causados pelos problemas
geológicos causados pela exploração de sal-gema nas minas da Braskem.
"Cada tremor nos alerta de que algo pior pode acontecer, e a
destruição vai só aumentando", diz.
"Minha casa está cheia de rachaduras, o chão está cedendo. Já
tentei refazer paredes, mas as rachaduras sempre voltam. É lutar contra o que
não se pode vencer."
A região visitada pela BBC News Brasil consta no novo mapa de áreas sob
risco de serem afetadas por um eventual colapso da mina da Braskem que foi
elaborado pela Defesa Civil;
Mas aparece ali como uma área em que é necessário o monitoramento, mas
sem indicativo de que haverá evacuações ou realocações.
"Além de ampliar a área de realocação, o monitoramento também foi
intensificado. É importante ressaltar que o aprimoramento não indica riscos
imediatos à população", diz o documento emitido em 30 de novembro.
• Os impactos para a
população local
Cícero Péricles Carvalho, professor da Universidade Federal de Alagoas
(Ufal) e doutor em Economia Regional, elenca os três maiores problemas de toda
a situação envolvendo a mina da Braskem.
"O primeiro impacto forte, real e geral são as 15 mil famílias em
60 mil pessoas, até agora, deslocadas”, diz Carvalho.
Ele destaca que o preço do metro quadrado em Maceió é o mais alto do
Norte e Nordeste do país.
“A inflação dos imóveis foi boa para a construção civil, foi. Agora,
para a cidade, para a população, foi uma tragédia", afirma Carvalho.
O segundo impacto, diz o professor, é sentido pela indústria do turismo.
“Isso está acontecendo no começo da estação de verão, da alta temporada
de verão. Era o tempo de recuperação para hotéis, pousadas, restaurantes”, diz.
Carvalho compara o atual momento com o período de isolamento por causa
da pandemia de covid-19.
“Quando esses negócios fecharam em março (de 2020), foi diferente,
porque eles já tinham lucrado (com a alta temporada). Dessa vez, podem não ter
essa chance”, diz Carvalho.
“As pessoas não entendem que bairros estão afundando, mas que Maceió
está afundando, e isso gera um medo colossal."
O terceiro cenário preocupante, diz o especialista, é com a atividade de
pesca, que garante a subsistência de várias famílias da região afetada e gera
impactos para as lagoas Mundaú Manguaba.
“Essas pessoas não podem pescar e, no caso de colapso, terão efeitos
maiores."
Carvalho acrescenta ainda que a crise atual pode levar a uma
desvalorização imobiliária e afastar investimentos na cidade como um todo.
"Os donos de fundos imobiliários vão se preocupar em como ficará a
cidade com esses problemas."
A engenheira geóloga Regla Toujaguez La Rosa Massahud, professora da
Ufal, afirma que o risco de colapso de minas da Braskem já era apontado
previamente por estudos do Serviço Geológico Brasileiro.
“É considerado algo provável que uma, duas ou outras minas venham a
colapsar, porque a sua estrutura está sendo afetada”, explica Massahud.
“É isso que está acontecendo na mina 18. Pode acontecer em outras?
Pode."
Mas ela esclarece que o processo de preenchimento das minas feito pela
Braskem pode ajudar a mitigar esse problema.
"O esperado é que esses eventos se reduzam, diminuam, porque à
medida que as minas vão sendo preenchidas, está se colocando estabilidade no
sistema, no maciço rochoso”, diz Massahud.
Sobre estas medidas, a Braskem diz que, em cinco das nove minas em que
foi recomendado o preenchimento com areia, o trabalho já foi concluído.
Em três, o processo ainda está em andamento. “Uma está pressurizada,
sinalizando que não é mais necessário o preenchimento com areia”, disse a
empresa em nota enviada à BBC News Brasil.
Em outras cinco minas cavidades, ocorreu um autopreenchimento quando as
estruturas cederam.
“As 21 restantes estão sendo fechadas ou monitoradas, com 7 delas já
concluídas”, disse a companhia.
Em relação à mina 18, que disparou o alerta de risco de colapso, a
Braskem informou que “as atividades para preencher a cavidade estavam em
andamento e foram suspensas preventivamente devido à movimentação atípica no
solo”.
Jean Melo, geólogo do Instituto do Meio Ambiente do Estado de Alagoas
(IMA), afirma, no entanto, que a atividade de preenchimento da mina 18 ainda
não havia iniciado, embora ela estivesse apta para que isso acontecesse.
"Esse processo seria iniciado agora no mês de novembro. Não chegou
a dar tempo.”
• 'Se colapsar de noite, não
terei forças para correr'
Moradora da Vila Saem, Maria Luci Trindade da Silva, de 74 anos, A
incerteza sobre o que está acontecendo a angustia.
"A gente não recebe nenhuma informação oficial. É tudo pela
televisão, por um morador que anda mais com os movimentos de realocação, ou
seja, no boca a boca”, diz Maria Luci.
“Meu medo é que ela colapse durante a noite, porque aí nem vou ter
forças para correr, já que estou dormindo.”
Maria Luci vive há 46 anos na mesma casa. Ela diz que nunca sentiu
tremores causados pelos problemas com a mina, mas que os vizinhos dizem ter
sentido.
Ela conta que a Defesa Civil já entrou na sua casa algumas vezes e
fotografou as rachaduras, mas em uma oportunidade sequer teve seu nome
perguntado.
Adriana José, de 39 anos, também mora neste local e diz que vive uma
rotina de medo que exigiu da família se readaptar à nova realidade.
“Tenho três filhos. Ninguém está bem. Durmo com medo. Não tenho para
onde ir”, diz.
Ela fala que sofre com um isolamento social e diz que isso pode até
aumentar devido aos problemas advindos do eventual colapso da mina.
"Meu filho estudava em Bebedouro (bairro próximo), não estuda mais.
Não deixamos as crianças brincando ou nas ruas à noite. A gente está vendo que
vai ficar isolado dentro de casa, com mais medo”, diz Adriana.
Ela diz que a região onde mora virou um “bairro fantasma”.
“Mal tem comércio. Não tem segurança. Se vai tirar uma rua daqui, que
tire as outras. Se vai acontecer, o que a gente vai ficar fazendo aqui? Quero
que me tirem e me deem o dinheiro para comprar outro lugar ou pelo menos o
aluguel. Queremos sair.”
Chuvas fortes podem
aumentar risco de desabamento causado pela Braskem em Maceió. Por Mariama
Correia
Enquanto todas as atenções estão voltadas para o solo de Maceió, um
pesquisador olha fixamente para o céu. Desde que foi dado o alerta de
afundamento da mina 18 da Braskem, localizada no bairro do Mutange, Humberto Barbosa, professor e coordenador do
Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite da Universidade
Federal de Alagoas (LAPIS/UFAL) monitora com preocupação as imagens que ajudam
a prever as mudanças meteorológicas. É que as chuvas intensas, comuns na região
nesta época do ano, podem ampliar o risco de colapso do solo.
“A grande pergunta que estamos nos fazendo é: quanto de chuva Maceió
suporta para que não aconteça um deslizamento do solo?”, diz. A resposta é
complexa porque envolve muitas variáveis e dados. O cientista e a equipe do
laboratório independente consideram alguns cenários.
A previsão de risco maior para deslizamentos de solo é caso chova 200
milímetros em 10 horas. “Isso é aproximadamente 12% do valor total de chuva
anual na região, que chega em torno de 2 mil milímetros”, explica Barbosa. “Mas
se chover três dias consecutivos intensamente, pode ser outro gatilho para
abalos”, acrescenta.
Chuvas moderadas e fortes podem não fazer a mina colapsar, diz o
pesquisador, mas ele teme que elas causem uma reação em cadeia. “Não sabemos ao
certo quais podem ser as consequências das chuvas em um terreno já degradado
como o da região afetada pela exploração da Braskem. Até porque o desastre que
está acontecendo na cidade não tem precedentes, não há na literatura um
registro semelhante. Maceió é hoje um laboratório – no pior sentido – de
desastres. O que podemos afirmar é que, caso o solo fique encharcado, ele pode
se tornar mais suscetível a afundamentos”, explica.
• “Maceió é hoje um
laboratório – no pior sentido – de desastres.”
Em 2018, Barbosa lembra que o laboratório – que é uma das principais
referências do país em pesquisas e análise de dados de satélite do país – foi
procurado pela Defesa Civil de Maceió. “Uma pessoa ligou informando que havia
ocorrido um abalo sísmico. A gente tinha registrado chuvas de intensidade média
e alta dias antes. Ou seja, a chuva pode não fazer com que o desabamento
aconteça, mas pode ser mais um gatilho”
O fim do ano é um período de maior incidência dos chamados Vórtices
Ciclônicos, que causam fortes precipitações. Os Vórtices Ciclônicos de Altos
Níveis (VCAN), explica o pesquisador, são sistemas formados por ventos, que
provocam mudanças meteorológicas. Dezembro e janeiro são os meses em que essas
estruturas se formam com maior intensidade na região Nordeste. Os vórtices têm
um centro seco e bordas com convergência de umidade. Quando as bordas se
aproximam de alguma região, elas causam pancadas de chuva intensas.
“Estamos monitorando um VCAN que causou chuvas fortes, de mais de 300
milímetros, no Rio Grande do Norte alguns dias atrás. Estamos agora caçando o
centro dele, vendo o tempo todo como ele se posiciona. Agora está no Sudoeste
da Bahia. Se ele for mais para Leste, o perigo de chuva intensa em Maceió
aumenta. A gente não sabe o que pode acontecer, porque não é possível prever os
movimentos”, diz.
O El Niño também pode intensificar ainda mais as precipitações este ano,
adicionando calor à atmosfera. “Não queremos dar um alarme falso e assustar
ainda mais uma população que já está vulnerável. Mas Maceió tem pouca estrutura
de escoamento, uma drenagem irregular. Tantos anos de intervenção humana, não
só pela exploração da Braskem, mas pela perfuração de poços, tubulações, várias
estruturas associadas ao crescimento urbano, tornaram o terreno da cidade menos
resistente. Por isso, a chuva arrasta o solo mais fácil”, explica. “Esses
riscos deveriam já estar sendo divulgados para a população pelo poder público,
mas não estão sendo”, diz o professor.
A reportagem procurou a Defesa Civil de Maceió e a Braskem para
perguntar sobre medidas para proteger os bairros afetados pela mina de
afundamentos, caso ocorram chuvas fortes, mas não obteve resposta até a
publicação.
• Colapso em Maceió
Na última terça-feira, a Defesa Civil reduziu o estado de alerta máximo
para o colapso da mina 18 para apenas um nível de alerta. De acordo com o
órgão, a velocidade de afundamento do solo caiu para 0,22 cm/hora. Desde o fim
de novembro, o solo no bairro do Mutange já cedeu 1,89 metro. No último dia 29,
famílias foram obrigadas a sair às pressas de suas residências depois que a
Defesa Civil informou que a mina de extração de sal-gema estava afundando com
maior velocidade e corria risco de desabamento.
O afundamento de bairros em Maceió, causado pela exploração de sal-gema
da Braskem, é considerado o maior desastre ambiental urbano do país. Os
primeiros tremores de terra foram registrados em março de 2018. Ruas cederam e
imóveis racharam. Até agora, mais de 20% do território de Maceió foi afetado
pelos tremores. Isso inclui os bairros de Pinheiro, Bebedouro, Bom Parto, Farol
e Mutange, onde muitos locais viraram áreas fantasmas.
A Braskem operava 35 poços de extração de sal-gema em Maceió, desde a
década de 1970. Essas operações foram suspensas em 2019, por causa dos
tremores. Mais de 14 mil imóveis foram afetados pelas operações da Braskem, de
acordo com o Ministério Público Federal e mais de 60 mil pessoas foram
retiradas de suas casas. A Associação dos Empreendedores e Vítimas da Mineração
em Maceió apresentou queixa-crime contra a Braskem, mas o MPF rejeitou a
queixa.
“A Braskem cavou 35 poços sem apresentar o Estudo de Impacto Ambiental.
São vários crimes da Braskem, além do geológico, há um processo de apagamento
das consequências, pensado e premeditado pela empresa, que criou uma série de
acordos para dar uma falsa aparência de legalidade das operações ao longo dos
anos. Houve também omissão do poder público no processo de fiscalização e
acompanhamento da estabilidade das minas”, diz Alexandre Sampaio, presidente da
Associação.
Na terça-feira (5), o Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Alagoas multou
a Braskem em mais de R$ 72 milhões por danos ambientais e pelo risco da mina
18. Em julho, a Braskem fez um acordo para pagamento de R$ 1,7 bilhão à
prefeitura de Maceió, em contrapartida às indenizações e exclusão de cobranças
de impostos sobre os imóveis afetados. Com esse acordo, a empresa passa a ser
proprietária dos terrenos abandonados pelos moradores. A prefeitura avalia
pedir nova indenização.
Fonte: BBC News Brasil/Agencia Publica
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