Jeferson
Miola: Cúpulas militares só abortaram plano de golpe por falta de apoio dos EUA
Em
que pese o conhecimento detalhado que se tem hoje sobre a atuação partidária
organizada das cúpulas das Forças Armadas como um partido político com projeto
próprio de poder, amplos setores da sociedade brasileira ainda acreditam nas
“narrativas” mentirosas dos militares, como a do chefe do Estado-Maior do
Exército, general Fernando José Sant’Ana Soares e Silva, que sustenta que “nós,
o Exército, nunca quisemos dar nenhum golpe”.
Decerto
amparado na crença da eterna impunidade, o general vai longe no seu
atrevimento: “Tanto não quisemos, que não demos [o golpe]”, declarou. A
mensagem é clara: quando quiserem – ou, quando puderem –, os militares
perpetrarão o golpe para tomarem de assalto o poder.
As
cúpulas militares estão vencendo a batalha comunicacional sobre este período
histórico em que tiveram não só primazia absoluta na condução do governo
fascista-militar, como centralidade nos trágicos acontecimentos precedentes e
posteriores à eleição de 2018, quando elegeram a chapa militar Bolsonaro/Mourão
à presidência do Brasil.
Habilmente,
descarregam as “culpas” nos bodes expiatórios midiaticamente mais atraentes,
como Bolsonaro, Mauro Cid e elementos secundários da súcia. Desse modo, essas
cúpulas que implicaram institucionalmente as Forças Armadas nos atentados à
democracia vão conseguindo se safar das responsabilidades diretas e centrais na
conspiração.
Já
em 7 de outubro de 2018, data do primeiro turno da eleição presidencial,
reportagem do jornalista argentino Marcelo Falak para o Ámbito
Financiero destacava, a partir de relatos de uma fonte do alto
oficialato das Forças Armadas brasileiras, que Bolsonaro era, na realidade, um Cavalo de Tróia para viabilizar o projeto
secreto da cúpula militar – “o homem que a cúpula das Forças Armadas
escolheram, há 4 anos [ainda em 2014, portanto], para que ele se fosse
convertido no presidente do Brasil”.
A
evolução dos acontecimentos confirmou o quão certa estava aqui.
Agora,
quase cinco anos depois, outra matéria jornalística – do jornal inglês Financial Times [FT, de 21/6] – traz claridade a respeito do
protagonismo decisivo das cúpulas militares na complexa dinâmica política
nacional.
O
FT relata “uma pressão silenciosa de um ano pelo governo dos EUA para conclamar
os líderes políticos e militares do país a respeitarem e protegerem a
democracia”.
Na
matéria, o ex-embaixador dos EUA no Brasil [2016/2018] Michael McKinsley cita
um “empenho muito incomum” que “durou quase um ano” e significou uma “campanha
coordenada em várias ramificações do governo dos EUA, como os militares, a CIA,
o Departamento de Estado, o Pentágono e a Casa Branca”.
De
acordo com o também ex-embaixador dos EUA no Brasil [2009/2013] e
ex-Sub-secretário do Departamento de Estado Thomas Shannon, “o esforço começou
com a visita do assessor de segurança nacional de Biden, Jake Sullivan” a
Bolsonaro e a autoridades do governo, em agosto de 2021.
O
assessor de segurança do governo Biden se convenceu que “Bolsonaro seria
totalmente capaz de manipular os resultados da eleição ou negá-los, como Donald
Trump havia feito”. A partir de tal constatação, o governo estadunidense
decidiu aumentar as pressões sobre Bolsonaro e os militares.
No
dia seguinte ao encontro que Bolsonaro promoveu com representações diplomáticas
estrangeiras em Brasília para avacalhar o sistema eleitoral brasileiro, o
Departamento de Estado saiu em defesa do sistema eleitoral e das instituições
brasileiras, numa sinalização crítica à postura de Bolsonaro.
Segundo
uma autoridade do alto escalão do Brasil, aquele “endosso incomum” ao sistema
de votação brasileiro “foi muito importante, especialmente para os militares.
Eles recebem equipamentos dos EUA e fazem treinamentos lá, de modo que ter boas
relações com os EUA é muito importante para os militares brasileiros. [Neste
sentido], a declaração foi um antídoto contra a intervenção militar”.
Uma
semana depois, foi a vez de Lloyd Austin, secretário de Defesa do governo
Biden, dar uma reprimenda nas cúpulas fardadas nativas, dizendo que as forças
militares precisavam estar “sob forte controle civil” [26/7/2022]. Conforme o
FT, Austin alertou os militares brasileiros sobre as consequências negativas
caso perpetrassem um golpe.
Além
do assessor de segurança nacional e do secretário de Defesa dos EUA, a general
Laura Richardson, chefe do Comando Sul dos EUA; e o chefe da CIA, William
Burns, também se encontraram com o governo Bolsonaro no ano eleitoral. “Isso
[tamanha movimentação] é comum? Não, não é”, disse McKinley, reconhecendo a
anormalidade da situação.
Está
claro, portanto, que as cúpulas militares só não prosseguiram o plano golpista
de virada de mesa para impedir a posse do presidente Lula por falta de apoio
dos EUA.
Fosse
Donald Trump o presidente da potência do Norte, ou se Bolsonaro não fosse um
aliado estadunidense tão visceralmente atrelado a Trump e contestador da
eleição de Joe Biden, provavelmente o governo Biden não teria agido como agiu,
e então os militares teriam avançado na consecução do golpe.
A
democracia clama por investigação e responsabilização das cúpulas militares e
oficiais conspiradores que atentaram contra o Estado de Direito. O Brasil não
pode continuar nesse auto-engano eterno em relação às Forças Armadas. A
impunidade é um caminho livre para a destruição da democracia.
Ø
Bresser-Pereira:
Por que a sociedade civil impediu o golpe de Bolsonaro?
Bolsonaro
tentou dar um golpe várias vezes durante seu governo. Agora está sendo julgado
pelo TSE e provavelmente se tornará inelegível nos próximos oito anos. O que é
muito justo, mas pouco. É preciso haver também um julgamento criminal.
Foi
a sociedade civil brasileira com ajuda dos grandes países que impediu o golpe.
Nas minhas aulas eu costumo ensinar que há duas formas de sociedade voltada
para a política: a nação e a sociedade civil.
As
mesmas pessoas e organizações participam das duas formas de sociedade, mas
enquanto a nação está voltada para a autonomia nacional e o desenvolvimento
econômico, a sociedade civil está voltada para a justiça social e a democracia.
No
Brasil nós temos uma nação fraca e uma sociedade civil forte. A nação é fraca
porque, não obstante os esforços realizados por Lula no seu primeiro governo e
a agora, o Brasil continua subordinado aos grandes países que não têm interesse
na nossa industrialização.
A
força da sociedade civil ficou demonstrada no governo Bolsonaro. Só em 1985,
com a aprovação do sufrágio universal, os brasileiros conquistaram a
democracia, mas essa conquista foi definitiva.
É
claro que os setores autoritários senão fascistas ganharam poder desde as
manifestações de 2013. Foi quando a classe média, espremida entre os pobres,
que o governo do PT procurava privilegiar e os muito ricos que não conseguia
controlar, inclinou-se para direita.
Apesar
disso, a maioria dos brasileiros, em todas as classes, inclusive a classe alta
superior, preferem a democracia à ditadura. Têm boas razões para isso. Os
governos podem errar, mas a sociedade civil e o Estado são suficientemente
fortes para garantir a democracia.
Ø
PM
aponta "frouxura" do Exército e diz que evitou "massacre
certo" nos ataques de bolsonaristas em 8/1
Relatos
chocantes de integrantes do grupo Patamo Alfa, do Batalhão de Choque da Polícia
Militar do Distrito Federal (PM-DF), revelados por Aguirre Talento no portal
Uol neste sábado (24), fortalecem a versão de que parte do Exército esteve
envolvida nos ataques terroristas de apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) às sedes
dos três poderes no dia 8 de janeiro, na tentativa de desencadear um golpe de
Estado.
O
Batalhão de Choque foi acionado no início da tarde, quando os terroristas
apoiadores de Bolsonaro avançavam sobre o Palácio do Planalto e o edifício-sede
do Supremo Tribunal Federal (STF), após depredarem o Congresso Nacional.
Primeiro-sargento
Beroaldo José de Freitas Júnior, que estava no Planalto na chegada dos
golpistas, afirma que os PMs pediram ajuda do Exército, quando foram obrigados
a recuar devido à violência dos bolsonaristas.
"Ficamos
obrigados a recuar mesmo contra nossa doutrina, pois fomos superados de forma
desproporcional ao efetivo empregado, que era de 10 escudeiros, 02 atiradores e
03 operadores químicos. Durante o recuo nos aproximamos da guarita do Palácio
do Planalto, onde um pelotão do Exército Brasileiro encontrava-se pronto e
equipado; solicitei ajuda dos mesmos para nos auxiliar contra a turba, mas
recebi a seguinte resposta 'não podemos atuar', insisti para que pelo menos
abrisse a grade/portão de acesso para que o Pelotão de Choque pudesse se
abrigar ali e diminuir, mesmo que de forma precária, o ataque ferrenho que
enfrentávamos, e, novamente, recebi como resposta que não podiam nos
ajudar", contou ele em relatório na Corregedoria da PM-DF.
Em
seguida, Beroaldo diz que teve que chutar uma grade de proteção do Planalto
para abrigar a tropa e salvar os PMs de um "massacre certo" e relata
que teve que ser duro com o comandante da tropa do Exército, apontando a
"frouxidão" dos soldados diante do ataque da horda bolsonarista.
"Já
na área (interna) do Palácio do Planalto, onde reorganizamos a tropa e nos salvamos
de um massacre certo, com essa atitude, forçamos o Exército a combater os
vândalos também. O confronto se intensificou, novamente, por volta das 15h30,
momento em que nos cercaram no Palácio do Planalto: o Exército brasileiro
acabara por abandonar a linha que anteriormente fizera ao lado do Patamo, uma
vez que se afastaram para a retaguarda da tropa devido ao gás lacrimogêneo, por
duas vezes isso ocorreu - diante do desespero que tomou conta da tropa do
Exército - momento em que fui compelido a tomar algumas atitudes para o oficial
à frente da tropa do Exército e falei em alta voz para que comandasse sua tropa
e parasse de 'frouxura'", disse Beroaldo, que foi promovido a subtenente
devido à sua bravura ao combater os terroristas.
"Reconheço
que fora uma medida extrema, a fim de que essa incoerente apatia do oficial do
Exército não contaminasse nossa tropa e fôssemos dominados pelo medo e
desespero, o que resultaria consequências devastadoras e derrota certa",
emendou.
Ø
Memórias
de junho: CPMI do 8/1 e morte de Brizola. Por Vitor Hugo Soares
Acompanho
o círculo de fogo e pirotecnia política e ideológica que se desenha no país,
com a da CPMI do 8/1, para apurar os ataques a representações institucionais
dos três poderes da República, no vandálico começo deste ano de 2023, em
Brasília. Faço isso de olho, também, no calendário, que lembra a morte de
Leonel Brizola, no dia 21 de junho de 2004, notícia que me bateu em cheio, na
Redação de A Tarde, onde então eu era editor de Opinião . Estava em pleno
“trabalho de parto” de mais uma edição e, mesmo tomado pela emoção – e algumas
doses de licor de jenipapo, por conta dos festejos de São João – fiz – no calor
da hora – o texto sobre a triste noite para a edição do dia seguinte.
Minha
surpresa ficava por conta de ter acreditado, piamente, na palavra do incrível
líder político – governador duas vezes do Rio de Janeiro, e uma do Rio Grande
do Sul –, ao garantir, em seu desterro no Uruguai: “Baiano, tu sabes que um
Brizola vive muito e raramente morre antes dos 90. Não raro, vão aos 100”. (
Leonel de Moura Brizola se foi aos 81 anos, em um hospital do Rio, por
problemas pulmonares.
O
fato e seu impacto me fez pensar que devia ter checado melhor o que ouvi,
pessoalmente, na sala da fazenda, iluminada a lampião à gás, no povoado de
Carmen, província uruguaia de Durazno. Quando golpistas e perversos chefes
militares e civis da sanguinária Operação Condor já controlavam o até então
livre e democrático governo do país vizinho.
Na
visita, com Margarida, (também ex- jornalista de A Tarde), à estância , onde
vivia Brizola e sua brava e solidária mulher, D. Neusa Goulart, até a sua
expulsão, para nova etapa de exílio, nos Estados Unidos sob governo do
democrata Jimmy Carter – num encontro possível graças à intermediação do amigo comum,
jornalista alagoano Paulo Cavalcante Valente e ajuda do culto e generoso
coronel Dagoberto Rodrigues, ex-diretor dos Correios e Telégrafos (espécie de
ministério das Comunicações do Governo João Goulart) também exilados da
ditadura brasileira.
Então
eu trabalhava no Jornal do Brasil, tocando a redação da sucursal do JB na
Bahia. É de Margarida a foto de primeira página do Jornal do Brasil, (da
polêmica estância, na época, ilustrando a chamada para a reportagem sobre a
expulsão do líder brasileiro. O aprendizado mais emblemático para mim, veio
após o almoço: inhoque preparado pela ex- primeira dama do Rio Grande do Sul.
Brizola,
dirigindo uma kombi, convidou-me para ir com ele à sede de Durazno, para a
entrega do leite produzido em sua fazenda. No caminho, o ex-governador parou e
pediu: “baiano, por favor, abra aquela porteira para a gente poder seguir. Era
uma tranca de argolas, típica dos pampas, que se abre com facilidade. Mas um
desafio e tanto para o jornalista. Mexi para cá e para lá e nada, enquanto
Brizola observava. Tentei “una y otra vez”, como dizem os uruguaios, sem êxito.
Vi então Brizola sair do carro, se aproximar, tomar as argolas de minhas mãos e
com simples movimento liberar a tranca. Em seguida, a lição marcante . “Vejo
contigo, meu caro amigo baiano, depois de tanto tempo fora, que os intelectuais
no Brasil continuam os mesmos: querem fazer uma revolução, mas não sabem abrir
uma porteira”. Mais verdadeiro e atual ainda, impossível. Grande Brizola!!!
Saudades!!!
Fonte:
Brasil 247/UOL/Metrópoles
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