Wilson Ferreira: ‘Como aloprar a política
com a comunicação indireta’
O coach
venceu! Agora só se fala no candidato coach à prefeitura de São Paulo,
condenado por crimes de fraudes bancárias e suspeitas de conexões com o crime
organizado. Mas tais denúncias parecem dar ainda mais luz própria a Pablo
Marçal. As imagens nos bastidores pós-debate na TV Bandeirantes, cercado por
câmeras, microfones e celulares de repórteres dão a dimensão do processo de
normalização de mais uma metástase que promete destruir a política de dentro
para fora. Ele é a confirmação prática de uma profecia que Paulo Virilio fez em
1995 para o século que viria: o ciberespaço vai destruir a democracia através
do tempo real e interatividade digital. Marçal está sintonizado com o
zeitgeist: a maneira como a técnica de comunicação indireta alt-right ganha força
com os fenômenos do dilema midiático, lavajatismo, o “efeito Padre Kelmon”,
alopragem política e a necessidade midiática da demonstração de que “as
instituições estão funcionando”.
Em agosto de 1995,
Paul Virilio publicava no “Le Monde Diplomatique” o artigo “Vitesse et
Information: Alerte Dans le Cyberespace!” – “Velocidade e Informação: Alerta do
Ciberespaço”. Nesse pequeno texto, Virilio descrevia o “grande evento que
dominará o século XXI” que seria a invenção da perspectiva em tempo real
substituindo a velha perspectiva tridimensional renascentista. À qual a
Política e a Democracia são tributárias – a Política dependente de um lugar
concreto (a cidade), a “democracia das festas políticas”.
Virilio foi um
visionário pouco compreendido num momento em que a World Wide Web estava apenas
começando e pensar o mundo não mais do ponto de vista dos átomos, mas dos bytes
era um desafio abstrato inclusive para esse humilde blogueiro.
Mas somente agora
parece que estamos tomando pé da situação. O que na prática significavam os
alertas de Virilio no final do século passado: os impactos do on line,
do tempo real e da interatividade digital em instituições como democracia,
esfera pública, representatividade e a própria política. Instituições que
emergiram de um mundo regido pela visão em perspectiva, tridimensional.
Em um século em que o
ciberespaço o mundo público tridimensional, simplesmente essas instituições não
conseguem funcionar ou são transfiguradas na paródia da “festa da democracia”.
Ou ainda, reduzida à normalização da sua própria crise ao serem entendidas nos
aspectos mais formais: o voto, urnas, partidos políticos, debates engessados na
TV etc.
A recusa dos
candidatos à prefeitura de São Paulo Boulos, Nunes e Datena de não participarem
do último debate organizado pela Veja e ESPM é uma reposta tardia à
estratégia alt-right de comunicação indireta do candidato
coach Pablo Marçal.
Muito tarde
esses candidatos compreenderam que personagens como Pablo Marçal emergiram e
vivem para/no ciberespaço da rede sociais e Internet. Esse novo espécime
híbrido concebe “a festa da democracia” apenas como uma paródia hilária. Marçal
está de corpo presente no espaço tridimensional do debate. Mas sua mente habita
o TEMPO: a velocidade do tempo real multidimensional dos “cortes” – pequenos
vídeos retirados do contexto tridimensional para subir nas redes sociai, para a
espiral interpretativa do ciberespaço. Criando efeito firehose, dissonâncias
cognitivas etc.
Estar no mesmo espaço
no qual o corpo de Pablo Marçal se encontra transforma-se numa armadilha: tudo
o que disser ou fazer poderá ser abduzido pela dimensão digital e usado contra
você. Porque Marçal não ocupa o espaço, mas o tempo.
Além disso, Pablo
Marçal sabe que pode contar com a hipernormalização do jornalismo
corporativo.
Com a divulgação da
última pesquisa DataFolha dando conta de que Marçal chegou ao empate técnico
com os líderes (Boulos 23%, Marçal 21% e Nunes 19%), “colonistas” e
apresentadores da grande mídia começam a avaliá-lo dentro de um jornalismo
“isento”: de repente, virou apenas mais um “player”, nada mais do que uma outra
“peça” no tabuleiro do jogo da política.
Marçal é apenas um
cara que tornou a eleição em São Paulo mais “competitiva”.
E não foi por
falta de aviso a respeito dessa técnica indireta de comunicação. Talvez a
filósofa Marcia Tiburi tenha sido a primeira a compreender essa armadilha na
qual o debate político começou a ficar prisioneiro.
Em uma entrevista à
Rádio Guaíba em 2018, ao saber que o outro convidado era um dos líderes do MBL,
Kim Kataguiri, abandonou o estúdio. “Não falo com pessoas indecentes e
perigosas”, protestou. Tiburi sabia que Kataguiri na verdade não queria debater
com ela. Mas provocar, açodar ou estimular reações destemperadas para, mais
tarde, repercutir vídeos nas redes sociais.
As imagens de Boulos
tentando arrancar uma carteira de trabalho da mão de Marçal que o afrontava
como um exorcista exibindo a cruz para o diabo são exemplares. Tudo sob a normalização
midiática, a leniência dos organizadores dos debates e a pusilanimidade da
justiça eleitoral.
·
Alt-right e a
Comunicação Indireta
Para entender essa
estratégia, um exemplo didático é o filme Obrigado Por Fumar (2005).
Nele vemos uma sequência em que o porta-voz da indústria do tabaco, Nick
Naylor, dá uma pequena aula de relações públicas para o seu filho Joey.
Sentados no quiosque
em um movimentado calçadão conversam: “Convença-me de que o melhor sorvete é o
de chocolate”, desafia Nick. “Eu acho que é o de baunilha!”, completa. “Mas
você não me convenceu!”, reage Joey. “É por que eu não estou falando com você,
estou falando com eles…”, diz Nick apontando para as pessoas que passam ao
redor.
O emissor “A” dirige a
“B” um enunciado em tom assertivo, provocativo. Receptor “B” responde em tom
reativo, seja emocional ou tentando uma asserção argumentativa mais dura. A
treplica do emissor “B” será em tom jocoso, não contra-argumentando, mas expondo
a uma suposta reação destemperada ou desautorizando “A” como interlocutor
relevante. Na verdade, ele faz isso dirigindo-se para C, a maioria silenciosa
de observadores. A ideia geral é figurar a réplica de “B” como reativa,
histérica, autoritária etc.
O tom da comunicação
indireta não é debater com o interlocutor, mas EXPOR o adversário nas redes
sociais.
Parece que o
ex-coordenador da campanha de Trump e líder da alt-right global, Steve Bannon
estava certo quando alertou os jornalistas: “vocês ainda terão saudades de
Trump”.
Por outro lado, o
antídoto para esses espécimes híbridos como Pablo Marçal é muito simples:
bastaria os candidatos e a mídia darem as costas – isolá-los em células de
esquecimento, para que pereçam dentro das suas bolhas de influência.
O que vimos foi o
contrário: após a performance bizarra de Marçal no debate da TV Bandeirantes,
câmeras, flashs, celulares e microfones cercaram o candidato nos bastidores da
emissora. À espera de que ele desse continuidade à performance do “debate”.
Por diversos motivos
Marçal não pode ser ignorado pela mídia, acabando por normalizar uma metástase
cancerígena que está corroendo a democracia. Quais motivos?
·
(a) Dilema midiático
Típico dilema, efeito
do marketing de guerrilha que está na essência dessa verdadeira bomba
semiótica. É impossível negar aquilo que é mostrado. Toda imagem é
afirmativa.
Por mais que o
jornalismo corporativo torça o nariz e faça muxoxos, não deixa de mostrar e
repercutir os atos “antiéticos” ou as imagens da estudada indignação de Marçal.
Ou pior: se não
mostrar ou deixar falar a respeito, outros veículos irão. O que significa
perder audiência ou clickbait.
·
(b) Lavajatismo
O pânico moral do
lavajatismo continua vivo e forte. Por mais que até mesmo a grande mídia
levante suspeite das atividades criminais de Marçal (de fraudes bancárias a
conexões do seu partido com o crime organizado), o imaginário da operação Lava
Jato está presente.
Por mais que a “Vaza
Jato” tenha exposto crimes e improbidades de Sérgio Moro, o juiz continuou
(para mídia e parte significativa da opinião pública) como um herói necessário
num momento de exceção: tudo precisava ser feito para combater o “maior esquema
de corrupção da História”.
As denúncias dos
crimes de Marçal parecem até fortalecê-lo: afinal, para combater
drogados, corruptos e comunistas, somente alguém muito “casca grossa”,
antissistema, antipolítica e assim por diante.
Os vícios privados de
Marçal se tornaram virtudes públicas.
¨ As reações do clã Bolsonaro contra Pablo Marçal na disputa pela
rédeas do bolsonarismo em SP
Em um novo episódio da
disputa pela base bolsonarista em São Paulo, o vereador e filho de Jair
Bolsonaro (PL), Carlos Bolsonaro (PL-RJ), manifestou apoio à candidata Marina
Helena, que concorre à Prefeitura paulistana pelo partido Novo, na noite desta
quinta-feira (22).
A declaração acontece
em meio à batalha pelo apoio da direita entre os candidatos Pablo Marçal (PRTB)
e o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB), que busca a reeleição com o apoio
oficial do PL.
Segundo Carlos, diante
da “entendível resistência ao tal do Nunes“, ele “consideraria a Marina Helena
do Partido NOVO como uma possibilidade de voto”, escreveu em publicação, no
X.
Nos últimos dias, o
outro filho de Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), também
alfinetou Marçal nas redes sociais ao reforçar apoio a candidatura de Nunes. O
parlamentar afirmou que nas eleições de 2022 o influenciador ficou “em cima do
muro” e agora, por oportunismo, busca o eleitorado da direita.
Já o ex-presidente
gravou um vídeo, publicado na conta do governador do Estado, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), em apoio à Nunes. Marçal, por sua vez, negou qualquer
ruptura com Bolsonaro e tentou associar a sua imagem à do clã, afirmando que
candidatura de Jair Bolsonaro em 2022 foi “nossa eleição”.
“Eu fui candidato a
presidente em 2022, a gente acabou tendo uns problemas também, depois eu apoiei
ele, ajudei ele na eleição dele, que inclusive é nossa. Eu acho que ele não
pode pensar com o intestino”, disse a jornalistas, após evento com empresários.
“Depois que passa a eleição, está tudo certo. Não tem ruptura”, completou.
Nesta sexta (23), ao
comentar o apoio de Carlos a Marina Helena (Novo), o influenciar chamou o
vereador carioca de “retardado”. “O Carlos que tem problema comigo. Eu tento
preservar o Carlos, mas ele é um retardado mental, um estúpido. Mas, pelo
presidente, eu vou relevar aquele comentário”, disse. “Ele pode falar o que
quiser. Ele sempre tá aí para atrapalhar. Ele atrapalhou nossa eleição a
presidente”, completou.
¨ Rejeitado, Marçal busca se reaproximar de Bolsonaro e reclama de
‘pessoas que tentam nos desconectar’
Atacado diretamente
por membros do clã Bolsonaro, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP)
e o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), o candidato do PRTB à prefeitura de São
Paulo (SP), Pablo Marçal, publicou um novo vídeo em seu perfil no Instagram e
tentou estender uma “bandeira branca” ao ex-presidente da República.
Na gravação, publicada
nesta sexta-feira (23), Marçal afirma que segue apoiando Jair Bolsonaro e
defende o nome do ex-chefe do Executivo federal para a Presidência da República
nas eleições de 2026. Bolsonaro está inelegível, por decisão do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), até 2030.
“Continuo firme com
você, por mais que tenham pessoas que tentem nos desconectar”, disse Marçal.
“Independentemente de
tudo que está acontecendo, você tem meu respeito e admiração, capitão. Obrigado
pelo que você fez pelo Brasil. Em 2026, eu vejo você presidente, Tarcísio
governador [Tarcísio de Freitas (Rpublicanos), governador de São Paulo], e eu prefeito.
Juntos, governaremos este país”, completou o candidato do PRTB.
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Em choque com a família Bolsonaro
Nas últimas 24 horas,
Pablo Marçal foi alvo de críticas e ironias do núcleo bolsonarista, em meio à
sua tentativa de angariar apoio do eleitorado mais conservador, enfraquecendo a
candidatura do prefeito Ricardo Nunes (MDB).
Em um comentário no
Instagram, Marçal fez elogios ao ex-presidente da República e recebeu respostas
irônicas tanto por parte de Bolsonaro quanto do deputado federal Eduardo
Bolsonaro.
Em uma postagem
publicada por Bolsonaro na qual o ex-presidente destacava investimentos de seu
governo no setor ferroviário, Marçal escreveu: “Para cima deles, capitão. Como
você disse: eles vão sentir saudades de nós”.
Bolsonaro, então,
respondeu ao comentário do candidato do PRTB: “Nós? Um abraço.”
Marçal partiu, então,
para a réplica, rebatendo o comentário de Bolsonaro. “Isso mesmo, presidente.
Coloquei 100 mil na sua campanha, te ajudei com os influenciadores, te ajudei
no digital, fiz você gravar mais de 800 vídeos. Por te ajudar, entrei para a
lista de investigados da PF. Se não existe o nós, seja mais claro”, escreveu o
candidato a prefeito de São Paulo.
“Todos os nossos
desentendimentos foram justamente porque fui candidato a presidente, e nós dois
já resolvemos durante a eleição […] E Se quiser me excluir do nós, te peço
humildemente que devolva os 100 mil que investi na sua campanha, porque a minha
candidatura em São Paulo não tem dinheiro público. Agora, se o senhor não
contribuir com a minha campanha, considere o nós como realidade”, completou
Marçal.
Em outro comentário,
Eduardo Bolsonaro entrou na discussão. “Estranho. Em 2022, você [Marçal] disse
que a diferença entre Lula e Bolsonaro é que um deles tinha um dedo a menos. Só
acordou agora? Está parecendo até o Mourão”, escreveu o deputado.
Fonte: Jornal GGN/Brasil
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