Libere a Palestina do racismo alemão
disfarçado de culpa
Quando se trata de
autoritarismo, parece que você sempre pode contar com um funcionário do estado
alemão para ir além. Vimos um exemplo clássico disso na terça-feira, 6 de
agosto, quando um magistrado de Berlim condenou uma mulher por um crime
imaginário.
De acordo com a juíza
Birgit Balzer, uma mulher germano-iraniana chamada Ava Moayeri foi considerada
culpada de “perdoar um crime” quando gritou “do rio ao mar, a Palestina será
livre” em outubro do ano passado. Assim como em todas as tentativas de deslegitimar
esse slogan em toda a Europa e América do Norte, Balzer baseou-se na ideia de
que ela pode discernir um significado secreto por trás disso que nada tem a ver
com as palavras realmente usadas.
• A regra
Qual era a natureza do
crime que Moayeri teria “cometido”? Ela expressou apoio ao Hamas, que é
considerado uma organização terrorista na Alemanha? Não: o slogan não menciona
o Hamas ou qualquer outro grupo palestino. Ela fez um chamado para que
israelenses fossem mortos? Não: o slogan não fala sobre violência, seja
direcionada a soldados israelenses ou civis.
Balzer desconsiderou
decisões anteriores dos tribunais alemães que consideraram o significado do
slogan como “ambíguo”, alegando que ele inquestionavelmente “negava o direito
do Estado de Israel de existir.” Mesmo se aceitássemos a falsa premissa de que “negar
o direito de existência de Israel” é um crime, esse argumento também não
resistiria a um exame mais detalhado.
Se um Estado palestino
fosse estabelecido nos territórios que Israel ocupa desde 1967, ele se
estenderia desde o rio Jordão até o mar Mediterrâneo. O significado literal do
slogan não exclui a “solução de dois estados” que deveria ser a posição da
política externa alemã, pelo menos em teoria.
Em As Viagens de
Gulliver, Jonathan Swift descreve uma terra onde as autoridades estão obcecadas
em caçar supostos traidores. Um truque que eles utilizam para fazer isso é
conhecido como o “método anagramático”:
Por meio da
transposição das letras do alfabeto em qualquer papel suspeito, eles podem
revelar os mais profundos projetos de um grupo descontente. Por exemplo, se eu
dissesse, em uma carta a um amigo, “Nosso irmão Tom acabou de pegar
hemorroidas,” um decifrador habilidoso descobriria que as mesmas letras que
compõem essa frase podem ser analisadas nas seguintes palavras: “Resista — um
plano está sendo trazido para casa — a turnê.” E esse é o método anagramático.
George Orwell destacou
esse trecho como uma premonição inquietante do totalitarismo do século XX. Mas
o método anagramático é positivamente liberal em comparação com a abordagem de
Balzer para identificar crimes de pensamento, que não está restrita pela necessidade
de rearranjar letras em uma frase semi coerente.
Para encontrar um
verdadeiro ponto de comparação, devemos ir além do cânone literário para uma
cena do filme australiano cult O Castelo. Um juiz antipático pergunta a um
advogado desarrumado e desleixado qual seção específica da constituição ele
está invocando para apoiar seu argumento. “Não há uma seção específica,” ele
responde. “É apenas a vibração da coisa.”
• Desejos violentos
Aabordagem baseada em
vibrações de Balzer para a criminalização de atos de fala se baseia em meses de
esforços por políticos e outras figuras públicas em toda a Europa e América do
Norte. Os administradores universitários dos EUA que foram chamados para um
show de julgamento no congresso se meteram em problemas porque temiam desafiar
a absurda alegação de que “do rio ao mar, a Palestina será livre” é um chamado
ao genocídio.
Na Grã-Bretanha, a
secretária do Interior conservadora Suella Braverman emitiu um decreto exigindo
que a polícia “considerasse se gritos como: ‘Do rio ao mar, a Palestina será
livre’ devem ser entendidos como uma expressão de um desejo violento de ver Israel
apagado do mundo.” Pouco depois, Braverman foi demitida em um escândalo após
incitar uma multidão de fascistas drogados a atacar policiais em Londres.
Outro político
conservador, Robert Jenrick, tentou fornecer cobertura retórica para os
criminosos racistas que têm aterrorizado muçulmanos britânicos na última
semana, endossando o mito inflamado da “polícia em dois níveis”:
Achei bastante errado
que alguém pudesse gritar “Allahu Akbar” nas ruas de Londres e não ser
imediatamente preso, ou projetar cânticos genocidas no Big Ben, e essa pessoa
não ser imediatamente presa.
Jenrick enfrentou uma
reação por sugerir que uma saudação usada por muçulmanos em todo o mundo
deveria ser considerada um crime. Mas a segunda parte de sua intervenção foi
igualmente sinistra: foi uma clara alusão ao momento no início deste ano quando
ativistas projetaram “do rio ao mar” na fachada do parlamento britânico durante
um protesto em solidariedade com Gaza.
Na própria Alemanha, a
ministra do Interior Nancy Faeser alegou que “do rio ao mar” era um slogan do
Hamas — uma declaração claramente falsa, já que o slogan é anterior à própria
existência do Hamas — enquanto o ministro da Justiça Marco Buschmann sugeriu
que poderia ser entendido como “condonando os massacres cometidos em Israel.”
Assim como Birgit Balzer, Buschmann não viu necessidade de se referir às
palavras reais do slogan: é só a vibração da coisa.
• O som do silêncio
Oque torna a
controvérsia fabricada sobre “do rio ao mar” especialmente repugnante é o
contexto em que está se desenrolando. Os críticos do slogan não têm realmente
problemas com o que ele diz — eles têm problemas com o que ele não diz. Mas
eles nunca pensariam em aplicar a mesma metodologia a frases sobre “o direito
de Israel de se defender” ou “o direito de Israel de existir” que nunca estão
longe dos lábios de seus apoiadores.
“Do rio ao mar” não
especifica explicitamente qual será o futuro da população judaica israelense no
contexto de uma Palestina livre. Isso não é nada surpreendente, já que é um
slogan e não um manifesto detalhado ou o texto de um acordo de paz.
A formulação do slogan
permite a partição da Palestina histórica em dois estados, ou a criação de um
único estado democrático baseado na igualdade para todos que lá vivem. A ideia
de que isso necessariamente implica a morte ou expulsão forçada de todos os
judeus israelenses é claramente falsa e baseia-se na visão puramente racista
dos palestinos como um povo motivado por um desejo insaciável de sangue.
Por outro lado, a
frase “o direito de Israel de se defender” não diz quais métodos de
“autodefesa” são legítimos para Israel usar. Seu primo próximo, “o direito de
Israel de existir,” não diz qual forma um estado palestino deveria assumir ao
lado de Israel, ou mesmo se deveria haver um estado palestino.
Neste momento, é
perfeitamente razoável supor que qualquer um que fale sobre “o direito de
Israel de se defender” perdoa o assassinato em massa de civis palestinos, uma
vez que esse é o modo como o slogan tem sido tipicamente usado por funcionários
do governo na Europa e nos Estados Unidos nos últimos dez meses. Há muito mais
base para essa interpretação hostil do que para a deslegitimação de “do rio ao
mar.”
Mas a ideia de que
qualquer figura pública seria processada por falar sobre “o direito de Israel
de se defender” no contexto de um massacre genocida é claramente absurda. Houve
declarações muito mais explícitas de apoio à violência contra civis palestinos
nos últimos dez meses sem quaisquer consequências políticas para aqueles que as
fizeram, e muito menos repercussões legais.
• Demandas desprezíveis
A decisão de Birgit
Balzer vem pouco depois de o parlamento israelense ter votado esmagadoramente
para rejeitar a formação de um estado palestino sob quaisquer circunstâncias.
Essa negação obstinada do direito da Palestina de existir, o consenso estabelecido
da classe política israelense, é aplicada pela máquina militar mais poderosa da
região. É a realidade que os palestinos vivem todos os dias de suas vidas.
A decisão também
ocorre após o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) ter confirmado o óbvio
fato de que a ocupação israelense da Cisjordânia é um exercício permanente de
colonização que impôs um sistema de apartheid racial do rio ao mar. A resposta
do chanceler alemão Olaf Scholz foi fingir que concordava com o TIJ enquanto se
opunha categoricamente a quaisquer sanções contra os assentamentos ilegais na
Cisjordânia:
Um governo sob minha
liderança não apoiará um boicote a bens, serviços e commodities de Israel. Para
ser justo, considero tais demandas desprezíveis.
Os comentários de
Scholz só fazem sentido se ele considerar os assentamentos como parte
integrante do estado israelense, o que, claro, eles são. Scholz também insistiu
que seu estado continuaria a fornecer armas às forças armadas israelenses
enquanto elas transformam Gaza em um cemitério.
Balzer alegou que sua
decisão era necessária para garantir que os judeus alemães se sintam “seguros e
confortáveis” no país. Na realidade, seu único propósito era proteger
criminosos de guerra e seus apoiadores, permitindo que se sintam “seguros e
confortáveis” na certeza de que podem se safar do assassinato enquanto o estado
controla a linguagem de seus críticos.
• 'É vergonhoso como a Alemanha aceitou em
silêncio os EUA privarem sua prosperidade', diz Lavrov
Nesta sexta-feira
(23), o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, sublinhou
que é uma pena como Berlim "engoliu em seco" e se manteve em silêncio
com Washington, apesar de ter sido privada de prosperidade econômica por esse motivo.
O chanceler afirmou
que o ataque terrorista contra os gasodutos Nord Stream (Corrente do Norte) foi
realizado com a participação dos Estados Unidos e pediu que o caso fosse
investigado abertamente.
"É vergonhoso que
a Alemanha simplesmente aceite em silêncio a forma como foi privada da base
para a sua prosperidade energética e econômica a longo prazo, que tem sido a
chave para o seu desenvolvimento durante muitas décadas na forma de fornecimentos
de gás russo a preços razoáveis. A Alemanha engoliu silenciosamente, sem
comentários", disse o chanceler.
Lavrov acrescentou que
a Berlim deve fornecer a Moscou e à comunidade internacional os resultados da
investigação do ataque.
"[A Alemanha]
deve responder todas as perguntas. Em primeiro lugar, deve parar de se recusar
categoricamente a apresentar os fatos que foi capaz de descobrir."
O ministro enfatizou
que o fato de a informação sobre a explosão não ter sido fornecida à Rússia,
mas ter aparecido na mídia alemã e norte-americana, "sugere que tudo isso
é uma armação".
Segundo Lavrov, as
tentativas do Ocidente de culpar "um grupo de oficiais bêbados",
dizendo que, junto com os empresários que beberam com eles, contrataram alguém,
ou decidiram aprender a mergulhar, não são sérias.
"Mesmo que
algumas das pessoas mencionadas na imprensa alemã, que são ucranianas,
estivessem de alguma forma envolvidas nisto, é claro que não poderiam ter
levado a cabo isso sozinhos", disse Lavrov, indicando que para realizar
"tal ataque terrorista foi necessária uma ordem de Washington".
Na quarta-feira
passada (14), a procuradoria alemã emitiu um mandado de prisão contra um
instrutor de mergulho ucraniano suspeito de envolvimento na sabotagem do
gasoduto Nord Stream, informou a Reuters.
"Os
investigadores alemães acreditam que o homem, que se sabe ter vivido na
Polônia, foi um dos mergulhadores que colocaram dispositivos explosivos nos
gasodutos que vão da Rússia à Alemanha sob o mar Báltico em setembro de
2022", disse a mídia citando uma informação da emissora alemã ARD.
• Biden pediu a Netanyahu que retirasse
tropas israelenses de parte da fronteira Egito-Gaza
O presidente Joe Biden
pediu ao primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que concordasse em
retirar as forças israelenses de parte da fronteira entre Egito e Gaza durante
a primeira fase do acordo de libertação de reféns e cessar-fogo no enclave.
É o que informou nesta
sexta-feira (23) o portal de notícias Axios, citando uma ligação realizada na
quarta-feira (21).
Segundo o veículo
norte-americano, o pedido foi feito para que "as negociações sobre o
acordo possam avançar, disseram três autoridades israelenses".
"A exigência de
Netanyahu de que as FDI [Forças de Defesa de Israel] continuem sendo
mobilizadas ao longo do corredor de Filadélfia, na fronteira do Egito e de
Gaza, durante a primeira fase do acordo, se tornou um dos principais — e finais
— pontos de discórdia no caminho para um acordo", pontuou a publicação.
Cessar-fogo em Gaza
está sem acordo fixo
As negociações do
cessar-fogo em Gaza foram realizadas em Doha na semana passada envolvendo
Catar, Egito, Estados Unidos e Israel. A liderança do Hamas se recusou a
participar das negociações devido à falta de detalhes nos termos da trégua.
Uma declaração
conjunta dos Estados Unidos, do Catar e do Egito, divulgada pelo gabinete do
presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sisi, informa que os mediadores
apresentaram a Israel e ao Hamas uma proposta de cessar-fogo que reduziu as
diferenças entre as partes.
As negociações, que
ocorreram na capital do Catar, Doha, na quinta-feira (15) e sexta-feira (16),
foram sérias e construtivas e ocorreram em atmosfera positiva, diz a
declaração.
Altos funcionários do
governo do Egito, dos Estados Unidos e do Catar se reunirão no Cairo em breve
na esperança de chegar a um acordo em linha com os termos propostos na
sexta-feira (23).
Fonte: Por Daniel
Finn, com tradução de Sofia Schurig/Sputnik Brasil
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