Investigação revela site usado por centenas
para procurar parceiro para suicídio a dois
Uma investigação da
BBC revelou que mais de 700 pessoas no Reino Unido postaram em um site que
promove o suicídio à procura de alguém para morrer junto com elas.
O site, que não vamos
identificar, tem uma seção exclusiva para membros em que os usuários podem
buscar um parceiro para cometer suicídio.
Relacionamos vários
suicídios duplos ao "tópico de parceiros" do fórum da plataforma.
Nossa investigação
também descobriu que predadores usaram o site para atingir mulheres
vulneráveis.
Em dezembro de 2019, o
filho de 28 anos de Angela Stevens, Brett, viajou de Midlands, na Inglaterra,
onde morava, para a Escócia no intuito de conhecer uma mulher com quem ele
havia feito contato no tópico de parceiros.
Os dois alugaram um
Airbnb e tiraram suas vidas juntos.
"Sinto falta de
tudo relacionado ao Brett, seu sorriso, sua risada contagiante", diz
Angela.
Desde a morte do
filho, ela passou anos pesquisando o site que promove o suicídio — em
particular, o tópico de parceiros.
"É um espaço
muito perigoso", afirma Angela.
Ela compara a uma
versão sombria de um aplicativo de relacionamento.
"Aonde mais você
iria para encontrar um parceiro para tirar sua própria vida com ele?", ela
diz. "É absolutamente desprezível."
A plataforma incentiva
os usuários a acabar com suas próprias vidas — e oferece instruções sobre como
fazer isso.
Nossa análise
encontrou mais de 5 mil postagens no tópico, feitas por pessoas do mundo todo.
Não vamos identificar
o site nem fornecer detalhes sobre os métodos de suicídio recomendados lá.
Uma investigação da
BBC descobriu, em março, que mais de 130 britânicos podem ter tirado suas
próprias vidas após usar uma substância química promovida pela plataforma.
A equipe da BBC criou
uma conta anônima e analisou o número e o conteúdo das mensagens.
Os membros publicam
sua idade, sexo, localização e método preferido de morte, em busca de alguém
para morrer com eles.
A irmã de Helen Kite,
Linda, postou um anúncio à procura de um parceiro em 2023.
É um fórum que
"se aproveita de almas desesperadas", diz Helen.
"O tópico de
parceiros os coloca em uma rota inevitável para a morte."
"Sou 54F [mulher
de 54 anos], moro perto de Londres", escreveu Linda. "Posso viajar e
pagar por um hotel, se for o caso. Obviamente, seria bom conversar
primeiro."
Linda entrou em
contato com um homem por meio do tópico de parceiros — e o encontrou em um
hotel em Romford, no leste de Londres.
Eles consumiram uma
substância química tóxica, e morreram juntos em 1º de julho de 2023.
Helen diz que Linda
foi encontrada "deitada ao lado do corpo de um completo estranho".
Ela acredita que,
todos os dias, "vítimas inocentes que buscam apoio são capturadas"
pelo fórum, "sem impedimento por parte das autoridades".
Segundo ela, isso
causa "sofrimento incalculáveis para aqueles que ficam para trás".
Mas o pior ainda
estava por vir.
Em setembro de 2023, a
outra irmã de Helen, Sarah — devastada pela perda de Linda — também foi ao
fórum, ingeriu a mesma substância química tóxica e morreu.
• Predadores
Um aspecto ainda mais
perturbador do tópico de parceiros veio à tona durante nossa investigação.
Predadores parecem
estar usando a plataforma para atingir pessoas vulneráveis e suicidas,
especialmente mulheres.
Em 2022, um tribunal
em Glasgow, na Escócia, julgou o caso de Craig McInally, de 31 anos. Ele havia
respondido a uma série de postagens no tópico de parceiros, feitas por mulheres
jovens à procura de alguém para morrer junto.
Ele persuadiu uma
delas, de 25 anos, a ir até seu apartamento para "praticar" o
suicídio.
McInally a estrangulou
repetidamente até que ela perdesse a consciência.
McInally foi preso em
casa, onde foi descoberto que ele havia oferecido "conselhos e
assistência" semelhantes a outras jovens suicidas.
Ele havia conhecido
todas elas no tópico de parceiros.
Uma delas era a
estudante romena Roberta Barbos, de 22 anos.
Em mensagens às quais
a BBC teve acesso, McInally disse a Roberta que ele tinha "muita
experiência", e prometeu ficar com ela "o tempo todo".
Ela encontrou McInally
uma vez, e depois se recusou a vê-lo novamente — mas tirou a própria vida
sozinha em fevereiro de 2020.
"É como se fosse
algo de um filme de terror, de outro mundo", afirmou a mãe de Roberta,
Maria Barbos.
"Eu não conseguia
acreditar que um site como esse pudesse existir. São mentes doentias."
Uma Ordem de Restrição
Vitalícia (OLR, na sigla em inglês) foi imposta a McInally — uma sentença
reservada aos casos mais graves de crimes sexuais e violentos, com exceção de
assassinato, na Escócia.
Sob estes termos, ele
foi condenado a um mínimo de dois anos e três meses de prisão, e supervisão
pelo resto da vida.
Em nossa investigação,
descobrimos que, nos últimos dois anos, alguns usuários do fórum chegaram até a
viajar para o exterior para encontrar parceiros.
Sabemos de dois casos
em que homens dos EUA viajaram para o Reino Unido para conhecer e
"ajudar" mulheres jovens vulneráveis em seus planos de suicídio.
Não vamos identificar
nenhum dos envolvidos a pedido de suas famílias.
Em um caso, um homem
de Minnesota embarcou para o Reino Unido e ficou em um hotel por mais de uma
semana com uma mulher de 21 anos que ele havia conhecido no tópico.
No 11º dia de
compartilhamento de um quarto de hotel, a jovem ingeriu uma substância química
tóxica e morreu.
O homem alegou estar
dormindo quando ela tomou a substância, e ligou para os serviços de emergência
quando percebeu o que ela havia feito.
Ele foi preso e
interrogado pela polícia, mas foi liberado sem ser indiciado, e autorizado a
voltar para casa.
Em um segundo caso,
acredita-se que um homem da Flórida tenha combinado de se encontrar com quatro
pessoas que ele havia entrado em contato no tópico — uma delas, no Reino Unido.
Nossa investigação
descobriu que ele deu uma arma para uma mulher nos EUA.
Ela foi localizada
pela polícia antes de conseguir executar seu plano de suicídio.
Este homem também
admitiu ter embarcado para Londres e conhecido uma jovem britânica em um hotel.
Não se sabe quem era
esta mulher, ou o que aconteceu com ela.
O homem não foi
acusado de nenhum crime.
• O que pode ser feito?
O governo conservador
que estava no poder no Reino Unido introduziu a Lei de Segurança Online em
2023, que, segundo eles, permitiria ao órgão regulador, a Ofcom, tomar uma
atitude contra o site.
O novo governo
trabalhista diz que está comprometido com a nova lei e "determinado a
tomar medidas para acabar com este dano online".
"Queremos colocar
estas novas proteções em prática o mais rápido possível", um porta-voz nos
disse.
Julie Bentley, CEO da
organização beneficente Samaritans, afirma que a lei só vai evitar danos se
tiver força real.
"O governo e a
Ofcom precisam garantir que pequenas plataformas que representam um alto risco
à população sejam regulamentadas com toda a força da lei".
A Ofcom ainda está
fazendo consultas sobre a melhor forma de implementar a lei, e seu poder de
aplicação não vai entrar em vigor até o fim deste ano.
Após nossas primeiras
denúncias, ela entrou em contato com os administradores do site.
O órgão regulador
admite que, como o site é pequeno e baseado nos EUA, vai ser "muito
difícil" tomar medidas legais contra ele.
Mas durante nossa
investigação sobre a plataforma, descobrimos que uma das principais moderadoras
é uma mulher que mora no oeste da Inglaterra.
Não vamos
identificá-la por causa de preocupações relacionadas à sua saúde mental.
Melanie Dawes, CEO da
Ofcom, diz que as ameaças de aplicação da lei não fizeram diferença.
"Entramos em
contato [com o site], e dissemos a eles que isso era ilegal, que estavam
promovendo suicídio", afirmou.
"Inicialmente,
eles impediram que [o site] estivesse disponível para usuários do Reino Unido,
mas agora voltaram atrás."
Famílias de luto dizem
que o tópico de parceiros está promovendo diretamente o suicídio — algo que é
ilegal no Reino Unido, seja online ou offline.
"Acho que é o
sonho de um predador ter um tópico de parceiros como esse", diz Angela
Stevens.
"É tão sujeito a
abusos, que eu acho isso muito, muito assustador."
##
* O Centro de
Valorização da Vida (CVV) dá apoio emocional e preventivo ao suicídio. Se você
está em busca de ajuda, ligue para 188 (número gratuito) ou acesse
www.cvv.org.br.
Fonte: Angus Crawford
e Tony Smith, da Equipe de investigação da BBC
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