segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Crise na Venezuela: 3 possíveis cenários para futuro do país após Supremo chancelar vitória de Maduro

Mais uma vez, as opções para resolver a crise da Venezuela parecem esgotadas.

Por um lado, o poder de Nicolás Maduro continua: a coligação de forças institucionais que o mantêm no poder, incluindo as Forças Armadas, permanece coesa.

Por outro lado, a oposição insiste em não perder a esperança de mudança e em pressionar de todas as formas: nas ruas, nos meios de comunicação, no mundo.

Depois há uma comunidade internacional que tenta mediar entre as forças, mas cujas propostas foram rejeitadas por ambos os lados.

Entretanto, a maioria dos venezuelanos vê que, tal como aconteceu em anos anteriores, a crise humanitária pode aprofundar-se se não houver soluções políticas.

A decisão de quinta-feira (22/8) do Supremo Tribunal de Justiça (TSJ), que validou a vitória de Maduro nas eleições presidenciais de 28 de julho, confirma a extensão do status quo, um cenário desejado por Maduro e sua cúpula.

No entanto, a oposição liderada por María Corina Machado manterá a pressão para cumprir o que considera o mandato popular daquele 28 de julho, quando 70% dos venezuelanos, segundo as atas publicadas, manifestaram o desejo de mudança.

O que está por vir agora? Os cenários propostos possuem diversas formas, são cheios de nuances e podem se sobrepor. É até provável que, tal como aconteceu com a economia, a transição política ocorra de forma gradual, lenta e improvisada.

Por mais que tudo isto pareça familiar, a política venezuelana surpreende sempre. Há semelhanças com experiências anteriores, sim, mas também elementos novos. A resposta do governo é cada vez mais dura e radical, a oposição está forte e unida como nunca antes, o chavismo perdeu o apoio popular e as consequências da imigração transformam a crise numa crise internacional.

Embora a decisão do TSJ, acusada de tendenciosa, busque resolver a questão, a crise está intacta. E os serviços, a pobreza, a saúde, a educação e a violência pioram.

A seguir, veja cenários gerais de onde a situação poderia chegar.

·        1. As coisas são mantidas como estão

O governo Maduro parece interessado em prolongar o estado de coisas: que a oposição se refugie das pressões políticas, judiciais e policiais, que a comunidade internacional perca o interesse e que as pessoas tenham de se resignar a resolver as suas vidas cotidianas.

Para isso, o partido no poder precisa ganhar tempo.

“O tempo hoje não é um vetor no qual as coisas acontecem, mas uma arma política numa disputa”, afirma Jesús “Chúo” Torrealba, ativista e ex-líder da oposição.

Nas crises anteriores, o chavismo conseguiu ganhar tempo até que a crise passasse.

Mas, segundo Torrealba, desta vez é mais difícil: “O governo já não é esta entidade todo-poderosa que define os termos. Agora está na defensiva, agindo sem muita sofisticação, e a oposição está na ofensiva.”

Uma oposição poderosa não se vai resignar com o fato de as coisas permanecerem iguais.

Aí surge a possibilidade de que as coisas se deteriorem.

“O governo aposta numa espécie de cenário intermediário entre o status quo e o aprofundamento”, afirma Mariano de Alba, advogado próximo da oposição e especialista em diplomacia.

“Ele está disposto a aprofundar o autoritarismo se for necessário para tentar permanecer no poder, mas preferiria um status quo para evitar reações e decisões que na prática anulam as perspectivas de uma recuperação econômica, o que continuaria a aumentar o descontentamento das massas.”

Costuma-se dizer que os venezuelanos já não têm nada a perder: que as suas famílias isoladas e os seus salários muito baixos são como chegar ao fundo do poço.

Mas há outra coisa que se costuma dizer: sempre é possível ser pior.

·        2. O aprofundamento

Na verdade, o governo pode optar por uma crise mais aguda.

Isso significaria aceitar que lhes sejam aplicadas mais sanções econômicas que os impeçam de vender petróleo ou os obriguem a vendê-lo mais barato, afetando o seu fluxo de caixa. Que as suas famílias no exterior sejam perseguidas pelas autoridades internacionais. Que não só os líderes, mas também os militares e funcionários públicos médios vejam as suas propriedades e vistos congelados.

Poderia também traduzir-se em mais repressão não só contra a oposição e os seus ativistas, que acabariam isolados e anulados, mas também contra a população em geral, que não conseguiria expressar as suas opiniões em público, usar as redes sociais ou organizar-se em comunidade para resolver problemas cotidianos como coleta de lixo e distribuição de água.

Isso, necessariamente, significaria um isolamento quase total da Venezuela no mundo, com a incapacidade de ter canais de comunicação com os governos vizinhos para enfrentar a crise migratória.

A Colômbia seria particularmente afetada por isto, não só porque é o país que mais recebe migrantes venezuelanos, mas porque fez as suas apostas de paz com o Exército de Libertação Nacional na mediação de Maduro com as guerrilhas.

Muitos veem nos casos de Cuba e da Nicarágua exemplos do que poderia ser um aprofundamento do autoritarismo na Venezuela, com uma oposição anulada e eleições sem concorrência.

A Venezuela, porém, é um país maior e conectado com o mundo.

As consequências de um aprofundamento das suas crises seriam de uma magnitude muito mais complexa do que aquela que a região tem visto na sua história recente.

·        3. Algum tipo de transição

Embora pareça o menos provável, uma transição na Venezuela não pode ser descartada.

Se a crise se agravar, ou se houver um surto social da magnitude do Caracazo, acontecimento de 1989 que marcou a origem social do movimento político que resultou na vitória de Hugo Chávez em 1999, a possibilidade de romper o apoio a Maduro entre os militares e oficiais é maior.

Além disso, sem dinheiro, as deserções são mais difíceis de evitar.

“A oposição aposta numa ruptura dentro do governo que obrigue Maduro a negociar a sua saída”, afirma De Alba.

“Tudo indica que o cálculo daqueles que apoiam Maduro continua a ser o de que preferem o status quo, e se a oposição também chegar a essa conclusão, faria bem em abrir-se ao que os negociadores propõem”.

É neste cenário que desempenha um papel a comunidade internacional, que sob a liderança da Colômbia e do Brasil — governados por Gustavo Petro e Luiz Inácio Lula da Silva, que têm vias de diálogo com o chavismo – propôs novas eleições ou um governo de coabitação transitório.

A oposição, em princípio, rejeitou estas iniciativas. Também o governo. Mas uma versão dessas propostas pode entrar na equação.

Torrealba considera o cenário: “A única forma de aceitar novas eleições é que sejam precedidas de um governo de coligação, com substituição das autoridades militares e eleitorais e sem as condições desequilibradas e antidemocráticas em que decorreram as eleições (de julho)”.

“A oposição poderá aceitar algo deste gênero porque é um fato que não tem forças para fazer valer o resultado das eleições do dia 28 e porque para a oposição é importante encontrar uma solução para a crise”, acrescenta.

O resultado da crise é geralmente apresentado em termos preto e branco: ou eleições, ou governo de coligação, ou a saída de Maduro, ou o governo de Machado. Contudo, não costumamos falar de versões variadas da transição que oferecem opções a todos.

 

¨      Governo brasileiro diz que não assinou comunicado que refuta resultado na Venezuela por não concordar com o texto

O governo brasileiro disse nesta sexta-feira (23) que não assinou o comunicado que refuta o resultado eleitoral na Venezuela por não concordar com o tom e com o teor do texto.

O comunicado foi divulgado mais cedo e é assinado por Estados Unidos, União Europeia e mais dez países da América Latina, além da OEA (Organização dos Estados Americanos).

Os signatários afirmam que a eleição na Venezuela foi fraudada. Nesta quinta (21), o TSJ, suprema corte venezuelana, reconheceu o atual presidente Nicolás Maduro como vencedor do pleito.

O Conselho Nacional Eleitoral (CNE, a Justiça eleitoral do país), já havia declarado vitória de Maduro. Agora, o TSJ respaldou. Mas nenhum dos dois órgãos apresentou as atas de votação (espécie de boletim eleitoral).

A oposição alega que O CNE e o TSJ são, na prática, comandados por Maduro. E que o verdadeiro vencedor da eleição foi o oposicionista Edmundo Gonzalez.

O Brasil justificou que não assinou o comunicado porque é um dos únicos países a ainda a dialogar com ambos os lados da política venezuelana.

<><> Brasil mantém a postura

A eleição venezuelana vai completar um mês na semana que vem. Desde então, diante dos indícios de fraude e da ausência das atas eleitorais, o governo brasileiro vem adotando a mesma postura: não reconhece nem refuta o resultado, e fica cobrando para que a Venezuela apresente as atas.

Nesta sexta, o governo ressaltou que precisa manter a firmeza na cobrança por transparência.

O Brasil continua em conversas com a Colômbia, país que também tem extensa área de fronteira com a Venezuela e que também tem contato com oposição e situação venezuelanas.

 

¨      Maioria dos brasileiros acredita que Maduro perdeu a eleição presidencial venezuelana, diz pesquisa

Pesquisa Vox Populi, encomendada pela Action for Democracy, revelou que 63% dos brasileiros acreditam que Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, perdeu a eleição presidencial em 28 de julho para o opositor Edmundo González.

Segundo a coluna do jornalista Leonardo Sakamoto, do UOL, a pesquisa aponta que essa desconfiança é compartilhada por 62% dos brasileiros que se identificam como de esquerda, 64% daqueles que se posicionam no centro e 77% dos que se consideram de direita. A pesquisa foi realizada presencialmente entre 10 e 15 de agosto, com uma margem de erro de 2,5 pontos percentuais.

Apesar do apoio militar a Maduro e da decisão do Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela, que validou sua vitória, os brasileiros mostram uma ampla rejeição à ideia de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve apoiar Maduro, mesmo com sua origem popular e alinhamento à esquerda. Entre os que se identificam à esquerda, 76% rejeitam tal apoio; no centro, 79% são contrários; e, na direita, 81% discordam.

Ainda conforme o levantamento, a maioria dos entrevistados também expressa ceticismo quanto aos argumentos do governo venezuelano para justificar a vitória de Maduro: 73% dos que se dizem à esquerda, 75% dos centristas e 79% dos direitistas não acreditam na narrativa oficial.

Fernando Neisser, professor de direito eleitoral da FGV-SP e porta-voz da pesquisa no Brasil, destacou que "a fraude nas eleições da Venezuela é percebida por todos os segmentos políticos dentre os brasileiros". Segundo ele, é um erro supor que pessoas de esquerda apoiariam a manipulação da vontade popular.

A pesquisa também mostra que 71% dos entrevistados consideram muito importante que Lula trabalhe com outros líderes latino-americanos para assegurar o respeito à democracia na Venezuela. Mais da metade (52%) apoiaria totalmente Lula se ele adotasse uma posição firme para pressionar Maduro, enquanto apenas 7% se oporiam fortemente a essa ação.

Quando questionados sobre a possibilidade de ficarem desapontados com Lula caso ele não pressionasse Maduro, 33% dos entrevistados que se identificam com a esquerda disseram que ficariam muito desapontados. Entre os de direita, esse número sobe para 54%. Por fim, 64% dos brasileiros acreditam que o Brasil deveria apoiar a validação das evidências coletadas pela oposição venezuelana por especialistas independentes.

 

Fonte: BBC News Brasil/g1/Brasil 247

 

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