Criança: cidadã, ou consumista?
Precisamos refletir
sobre o que temos feito com as nossas crianças. Estamos formando futuros
cidadãos ou consumistas? Pesquisas indicam que as crianças brasileiras costumam
passar 4 horas por dia na escola e o dobro de olho em equipamentos eletrônicos.
Impressiona o número de peças publicitárias destinadas a crianças ou que as
utilizam como isca de consumo.
A pesquisadora Susan
Linn, da Universidade de Harvard, constatou que o excesso de publicidade causa
nas crianças distúrbios comportamentais e nutricionais. De obesidade precoce,
pela ingestão de alimentos ricos em açúcares ou gorduras saturadas, como refrigerantes
e frituras, à anorexia provocada pela obsessão da magreza digna de passarela.
Sexualidade precoce e
desajustes familiares são outros efeitos da excessiva exposição à publicidade.
São menos felizes, constatou a pesquisadora, as crianças influenciadas pelas
ideias de que sexo independe de amor, a estética do corpo predomina sobre os
sentimentos, a felicidade reside na posse de bens materiais.
Impregnada desses
falsos valores, tão divulgados como absolutos, a criança exacerba suas
expectativas. Ora, sabemos todos que o tombo é proporcional ao tamanho da
queda. Se uma criança associa felicidade a propostas consumistas, tanto maior
será sua frustração e infelicidade, seja pela impossibilidade de saciar o
desejo, seja pela incapacidade de cultivar a autoestima a partir de valores
enraizados em sua subjetividade. Torna-se, assim, uma criança rebelde, geniosa,
impositiva, indisciplinada em casa e na escola.
A praga do consumismo
é, hoje, também uma questão ambiental e política. Montanhas de plástico se
acumulam nos oceanos e a incontinência do desejo dificulta cada vez mais uma
sociedade sustentável, na qual os bens da Terra e os frutos do trabalho humano
sejam partilhados entre todos.
Um dos fatores de
deformação infantil é a desagregação do núcleo familiar. No Dia dos Pais um
garoto suplicou ao pai, em bilhete, que desse a ele tanta atenção quanto dedica
à TV... Um filho de pais separados pediu para morar com os avós após presenciar
a discussão dos pais na qual, um e outro, queriam se ver livre dele no fim de
semana.
Causa-me horror o
orgulho de pais que exibem seus filhos em concursos de beleza. Uma criança
instigada a, precocemente, prestar demasiada atenção ao próprio corpo, tende à
esquizofrenia de ser biologicamente infantil e psicologicamente “adulta”.
Encurta-se, assim, seu tempo de infância. A fantasia, própria da idade, é
transferida à TV e ao apelo de consumo. Não surpreende, pois, que, na
adolescência, o vazio do coração busque compensação na ingestão de drogas.
Com frequência pais me
indagam o que fazer frente à indiferença religiosa dos filhos adolescentes.
Respondo que a questão é colocada com dez anos de atraso. Se os filhos fossem
crianças, eu saberia o que dizer: ore com eles antes das refeições; leiam em família
textos bíblicos; evitem fazer das datas litúrgicas meros períodos de
miniférias, como a Semana Santa e o Natal, e celebrem com eles o significado
religioso dessas efemérides; incutam neles a certeza de que são profundamente
amados por Deus e que Deus vive neles.
Crianças são seres
miméticos por natureza. A melhor maneira de interessar um bebê em música é
colocá-lo ao lado de outro que já tenha familiaridade com um instrumento
musical. Ora, o que esperar de uma criança que presencia os pais humilharem a
faxineira, tratarem garçons com prepotência, xingarem motoristas no trânsito,
jogarem lixo na rua, passarem a noite se deliciando com futilidades
televisivas?
Criança precisa de
afeto, sentir-se valorizada e acolhida, mas também de disciplina e, ao romper o
código de conduta, de punição sem violência física ou oral. Só assim aprenderá
a conhecer os próprios limites e respeitar os direitos do outro. Só assim evitará
tornar-se um adulto invejoso, competitivo, rancoroso, pois saberá não confundir
diferença com divergência e não fará da dessemelhança fator de preconceito e
discriminação.
É preciso conversar
com elas, através da linguagem adequada, sobre situações-limites da vida: dor,
perda, ruptura afetiva, fracasso, morte. Incutir nelas o respeito aos mais
pobres e a indignação frente à injustiça que causa pobreza; senso de
responsabilidade social (há dias vi alunos de uma escola varrendo a rua), de
preservação ambiental (como a economia de água), de protagonismo político
(saber acatar decisão da maioria e inteirar-se do que significam os períodos
eleitorais).
Se você adora passear
com seu filho em shoppings, não estranhe se, no futuro, se tornar um adulto
ressentido por não possuir tantos bens finitos. Se você, porém, incutir nele
apreço aos bens infinitos – generosidade, solidariedade, espiritualidade – ele se
tornará uma pessoa feliz e, quando adulto, será seu companheiro de amizade, e
não o eterno filho-problema a lhe causar tanta aflição.
Saber educar é saber
amar.
Fonte: Por Frei Betto,
no Correio da Cidadania
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