quinta-feira, 2 de maio de 2024

PRECARIZAÇÃO: 'Estamos na era da desconstrução do Direito do Trabalho pelo STF', alerta juiz

Terceirização generalizada, pejotização e cassação do reconhecimento de vínculo de emprego. Nos últimos anos o Brasil vê crescer casos em que decisões da Justiça do Trabalho favoráveis aos trabalhadores em temas como esses são derrubados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). 

“Desde os anos 1990 nós temos várias medidas do Legislativo e do Judiciário que precarizam direitos trabalhistas, mas o que ocorre atualmente no âmbito do STF é algo que na história do direito do trabalho não tinha precedente”, avalia o juiz Grijalbo Fernandes Coutinho, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 10ª Região.

“Estamos diante de uma devastação laboral com as decisões tomadas pela maioria do Supremo”, define Coutinho, que é também integrante da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). 

A Suprema Corte considerou lícita a terceirização em qualquer tipo de atividade produtiva e legitimou a escala de trabalho de 12x36 (quando a pessoa trabalha 12h seguidas e descansa nas 36 seguintes). “São as jornadas do início do século 19”, compara o Grijalbo.

O Supremo também determinou que convenções coletivas podem estar acima da lei, ainda que estabeleçam condições de trabalho piores que aquelas asseguradas na legislação. 

No livro Justiça Política do Capital: a Desconstrução do Direito do Trabalho por Meio e Decisões Judiciais, resultado de seu doutorado na UFMG, Grijalbo analisa o que considera 60 grandes decisões do STF nesta área entre 2007 e 2020. Em 57 delas, segundo ele, a Corte decidiu pela flexibilização dos direitos trabalhistas. 

•        Pejotização

Grijalbo Coutinho avalia, ainda, que nos últimos quatro anos o cenário piorou “vertiginosamente”. Isso por conta do crescimento de decisões da Justiça do Trabalho que são cassadas por pronunciamentos individuais de ministros do STF nas chamadas reclamações constitucionais. 

O recurso tem o objetivo de garantir a autoridade das decisões do STF, que é a instância máxima do Judiciário, quando supostamente elas estão sendo desrespeitadas por outros tribunais. 

As reclamações, apesar de supostamente excepcionais, têm sido movidas com mais frequência por empresas e empregadores desde a aprovação da Reforma Trabalhista em 2017, durante o governo de Michel Temer (MDB). Casos envolvendo a pejotização são os mais citados por juízes do trabalho ouvidos pelo Brasil de Fato. 

A prática de o trabalhador abrir um CNPJ para ser contratado como pessoa jurídica (PJ) é comumente usada para dar uma aparência de vínculo entre empresas para uma relação que, na realidade, é de subordinação entre empregado e empregador, só que sem direitos trabalhistas. 

“É uma forma de fraudar aquela relação de emprego”, resume Leonardo Vieira Wandelli, consultor do Alto Comissariado em Direitos Humanos da ONU e juiz do TRT da 9ª Região. 

“O problema é que ministros do STF passaram a adotar decisões, em reclamações, dizendo que nos casos em que a Justiça do Trabalho reconhecia vínculos de emprego em situações de pejotização, estaria violando a decisão do Supremo que determinou a licitude da terceirização”, explica Wandelli. 

“São casos envolvendo profissionais dos mais variados: comerciantes, médicos, jornalistas”, descreve Grijalbo. “E esses casos não tratam de terceirização. Eles tratam de contratação direta como PJ. De fraude”, critica. 

Além disso, contesta Coutinho, “as juízas e juízes analisaram fatos e provas para tomar suas decisões. Afinal, o Direito do Trabalho é orientado pela primazia da realidade. Porque senão qualquer um pode fazer um contrato que diz algo e pronto. Se o Supremo diz que a forma pode se sobrepor à realidade, que qualquer contrato é válido, então está sepultando o Direito do Trabalho”. 

Dos 11 ministros da Suprema Corte, apenas Edson Fachin e Flávio Dino têm sido vozes dissonantes em casos como esses, avaliam Wandelli e Coutinho. 

Assim, avalia Grijalbo, “estamos na era da desconstrução do Direito de Trabalho pelo STF. E o impacto de tudo isso é profundo para a classe trabalhadora, que está tendo seus direitos dilapidados”.

•        Desconstrução de garantias constitucionais do trabalho

Se na Constituição de 1988 foi introduzido um marco normativo de proteção dos direitos dos trabalhadores, para Leonardo Wandelli, ao longo das duas décadas que se seguiram, a postura do STF foi de “negligência” em relação à falta de constitucionalidade das relações de trabalho no país.

“Isso até por volta de 2008, 2010. A partir daí, o que se viu foi uma mudança radical. O Supremo, que antes evitava tratar os temas trabalhistas, passou a conhecer das questões de uma forma muito intensa”, discorre Wandelli. 

“Mas não para assegurar o padrão constitucional de proteção do trabalho humano, ao contrário”, salienta: “A jurisprudência do Supremo nos últimos 15 anos vem sendo ativista no sentido de promover a desconstrução das garantias constitucionais do mundo do trabalho”.

Na visão de Grijalbo Coutinho, é um paradoxo que o STF, “que reage contra extremismos da direita e tentativas de golpe, ao mesmo tempo desconstrói as bases do Direito do Trabalho. Isso por parte de um tribunal que, aliás, só julga essa matéria porque é uma Corte constitucional e esses direitos estão na Constituição como uma conquista da classe trabalhadora”. 

“Mas acho que a principal afetada não se deu conta ou não teve força para, até hoje, ser ouvida. Quem é a grande afetada? A classe trabalhadora”, diz Coutinho.

•        Uberização

É neste contexto que o STF está para julgar uma ação entre uma motorista e a Uber (RE 1.446.336), que vai ter repercussão geral. A decisão sobre a existência ou não de vínculo empregatício neste caso, portanto, vai padronizar como todas as disputas judiciais entre plataformas e trabalhadores de aplicativos deverão ser tratadas no país.  

“No Brasil o ambiente que a gente está vivendo, inclusive a tomar pelo próprio projeto que foi encaminhado ao Congresso pelo atual governo, mostra que há uma resistência enorme a se assegurar direitos aos trabalhadores plataformizados”, analisa Leonardo Wandelli. “A uberização é muito séria, porque é a principal tendência de transformação das relações de trabalho hoje”, sintetiza. 

E acontece em um momento, avalia Wandelli, “de um processo avançado pelo qual os trabalhadores foram convencidos de não ter solidariedade entre si, que cada um deve perseguir seu próprio interesse individualmente. Então há uma forte divisão em cada ambiente de trabalho, o individualismo que foi construído por um modelo de gestão que se destina a produzir esse isolamento”. 

A forma como o Brasil vai lidar com as relações de trabalho uberizadas é “uma decisão”, discorre Wandelli, “de que tipo de sociedade a gente quer”. 

“A gente quer uma sociedade em que o trabalho das pessoas seja uma forma de integração e uma forma de co-participação na sociedade e assegure condições minimamente estáveis de vida ou a gente quer uma sociedade em que o trabalho seja cada vez mais precarizado, sem assegurar a ninguém um mínimo de condição de estar na sociedade de forma digna?”, questiona o juiz: “É isso o que está em jogo”. 

 

•        Trabalhadores são os responsáveis pelo crescimento econômico do país, afirma ministro

 

Neste 1° de maio, Dia do Trabalhador, o ministro Luiz Marinho parabenizou a luta dos trabalhadores brasileiros, ressaltou os avanços das políticas públicas em prol da categoria e afirmou que foi a classe a responsável pelo crescimento da economia do país.

"Maio é mês de valorizar a luta, comemorar as conquistas e seguir em direção à construção de uma sociedade cada vez mais justa, igualitária e com oportunidades e direitos para todos e todas”, disse Marinho em pronunciamento oficial. na noite desta terça-feira (30).

O ministro destacou algumas políticas que melhoraram a vida do trabalhador, como o crescimento do emprego formal, a valorização do salário mínimo, a lei da igualdade salarial e outros programas.

Somente entre janeiro e março deste ano, 719 mil empregos foram criados, um aumento de 34% em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com  dados do Novo Caged. Desse total, 419 mil na área de serviços, 155 mil na indústria e 110 mil na construção. Nesse período, 326 mil mulheres, 364 mil jovens de 18 a 24 anos; 5.067 mil pessoas com nível médio completo ou superior incompleto e 91 mil pessoas com nível superior foram contratadas.

"Por isso, no Brasil, este 1º de Maio é também um dia de festa. Dia de comemorar a geração recorde de empregos com carteira assinada. Nos primeiros 3 meses deste ano geramos 720 mil empregos, 34% a mais do que no mesmo período do ano passado. Desde o início do nosso governo, já foram 2 milhões e 190 mil empregos de carteira assinada. Neste 1 de Maio, é dia de comemorar, também, a valorização real do salário mínimo, que voltou a subir acima da inflação", declarou o ministro.

•        Salário mínimo

Em seu primeiro ano de governo, o presidente Lula enviou um projeto de lei ao Congresso Nacional para retomar a Política de Valorização do salário mínimo. Como resultado, o piso nacional passou, em 2024, para R$ 1.412.

Hoje, 60 milhões de pessoas recebem salário mínimo, que é referência para aposentadorias, pensões, seguro-desemprego e abono salarial. Além do aumento, o ministro também ressaltou a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até dois salários, e o compromisso de chegar em 2026 com isenção para quem ganha até R$ 5 mil reais.

•        Direitos para motoristas de aplicativo

Outro ponto das políticas de avanço nos direitos trabalhistas foi a criação do Grupo de Trabalho Tripartite, entre trabalhadores, empresas e governo, para construir  uma proposta de regulamentação do trabalho de motoristas de aplicativos, a fim de garantir direitos como cobertura de custos por hora trabalhada, auxílio por doença ou acidente de trabalho, licença maternidade e ganho mínimo.

“Com a garantia de direitos, melhores remunerações e jornadas de trabalho decente para trabalhadores e trabalhadoras por aplicativo, a proposta foi construída com base no diálogo entre trabalhadores, empresas e governo”, afirmou Marinho.

•        Lei da Igualdade Salarial

Sancionada pelo presidente Lula em julho de 2023, a Lei da Igualdade Salarial garante a correção do salário entre homens e mulheres para que elas recebam o mesmo valor exercendo a mesma função. A lei estabelece critérios e uma fiscalização mais rigorosa nas empresas, principalmente através do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios.

“Esse é um compromisso que se manifesta através da lei de nossa autoria, garantindo equidade entre mulheres e homens, com salário igual para trabalho igual”, disse o ministro sobre a iniciativa que acontece entre o Ministério do Trabalho e o Ministério das Mulheres.

•        Combate ao trabalho análogo à escravidão

Marinho também destacou o Pacto Nacional do Café, programa que visa combater o trabalho análogo à escravidão durante a colheita do café. Ano passado, o Brasil atingiu um recorde dos últimos 14 anos no resgate de trabalhadores nessas condições.

Um dos exemplos é o Pacto da Uva no Rio Grande do Sul, onde em fevereiro de 2023, 215 trabalhadores foram encontrados em más condições em uma colheita de uva em Bento Gonçalves.

De acordo com dados, houve um aumento de 300% na formalização dos trabalhadores safristas. Enquanto em 2023 eram 851 trabalhadores formalizados, no mesmo período, em 2024, o número saltou para  3.417.

•        Parceria Brasil-EUA

Marinho também falou sobre a Parceria pelos Direitos dos Trabalhadores e Trabalhadoras e em defesa do Trabalho Decente, firmada entre o governo Lula e o presidente Biden, a fim de garantir e avançar com os direitos dos trabalhadores de forma nacional e internacional.

"Não basta aumentar a oferta de empregos. É preciso lutar contra a precarização do trabalho, no Brasil e em todas as partes do mundo. Por isso, o presidente Lula e o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, firmaram no ano passado, em Nova York, uma parceria inédita pelos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, e em defesa do trabalho decente", disse Marinho.

O ministro ainda acrescentou que "não são as máquinas, não é o dinheiro, não são os aplicativos, os algoritmos ou a inteligência artificial" que movem a economia, mas sim "homens e mulheres de carne e osso, que fazem valer cada gota do seu suor e  que merecem a parte justa da riqueza que produzem".

 

Fonte: Brasil de Fato/Fórum

 

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