terça-feira, 21 de maio de 2019

Por trás da espuma, um presidente acuado, uma elite arrependida, um Congresso ambicioso. Por Helena Chagas


Se removermos um pouco da espuma despejada no ambiente político nos últimos dias, não vamos encontrar uma conspiração das elites arrependidas e do Congresso – que agora parece se chamar Centrão – destinada a derrubar o presidente da República. Pelo menos ainda não. Há, de fato, uma percepção clara do establishment econômico de que pisou na jaca com os dois pés ao apoiar a eleição de Jair Bolsonaro só para se ver livre do PT. Seus integrantes já perceberam o tamanho desse erro – e o comportamento da Bolsa e do dólar nos últimos dias é apenas mais um sinal disso.
Em suas conversas, esse pessoal deixa claro que gostaria de se ver livre da insensatez de Bolsonaro. Mas sabe que não é assim tão fácil. Não é preciso um profundo exercício de futurologia para se prever os danos à economia e à imagem do país que um novo e demorado processo de impeachment iria trazer a esta altura. Seria desastroso, quando menos por inviabilizar, enquanto durasse o processo, a aprovação das reformas que o mercado e o PIB tanto querem, a começar pela Previdência. Golpe desse tipo, então, só depois da reforma.
A aposta numa renúncia, outra opção aventada, é mais remota ainda. As semelhanças entre Jair Bolsonaro e Janio Quadros podem ser muitas, sobretudo na psicologia de quem se sente perseguido por “forças ocultas”, mas param por aí. Bolsonaro, com seus filhos, é do tipo que se entrincheiraria no Alvorada para não ser derrubado. Quem o conhece sabe que não renuncia.
Então, o que resta às elites arrependidas? Apostar no tal parlamentarismo branco que vem sendo acenado pelos grupos majoritários do próprio Congresso, dirigido hoje pelo DEM e comandado pelo Centrão.
Só que isso também é uma ilusão. O Congresso pode muito. Pode, no limite, derrubar o presidente da República. Mas não pode governar no dia-a-dia porque não tem os instrumentos institucionais do Executivo. Não assina medida provisória, não faz decreto, não nomeia. Por mais que se tenham aprovado iniciativas como o orçamento impositivo, e que haja planos de, por exemplo, limitar o poder do Planalto de baixar medidas provisórias, quem governa é aquele que está lá no terceiro andar do Planalto – que, por sinal, foi eleito para isso.
É por aí que, depois de removermos toda a espuma acumulada nos últimos dias, vamos  desnudar um presidente acuado sobretudo pelas investigações que avançam sobre seu filho e a relação com as milícias do Rio e um Congresso ávido por tomar as rédeas do país em aliança com setores do establishment arrependido. Um pouco mais adiante, veremos as ruas, que começam a se encher – por enquanto, com viés de esquerda.
Estamos diante de uma receita de impasse que não se resolverá com jogadas pirotécnicas nem com golpes parlamentares. Talvez só com algum tipo de entendimento entre as forças políticas, sociais e econômicas do país – mas aí elas teriam, à direita e à esquerda, que ter o juízo que não demonstraram quando abriram o caminho para a eleição do capitão reformado.

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