Fábio de
Sá e Silva: Vazamento de Moraes embala fantasia bolsonarista
Na
semana passada, o jornal Folha de S. Paulo passou a divulgar reportagens
baseadas em vazamento de conversas via WhatsApp de assessores do ministro
Alexandre de Moraes (até agora foram mencionados nominalmente o juiz auxiliar,
Airton Vieira, e o chefe do setor de combate à desinformação do TSE, Eduardo
Tagliaferro), mantidas durante e logo após o período eleitoral.
As
conversas foram vazadas aos jornalistas Glenn Greenwald e Fabio Serapião e,
segundo consta, entregues por pessoa que teve acesso ao telefone de um dos
envolvidos, não sendo produto de hackeamento ou interceptação ilegal.
A
Folha trata as conversas em tom de escândalo. Dizem que Moraes atuou “fora do
rito” ao requisitar provas eleitorais para utilizar em inquéritos (não são
ações penais), nos quais tomou decisões cautelares contra políticos
e influencers bolsonaristas. Sugerem ainda que Moraes escolhia
alvos, na medida em que encomendava relatórios de determinados perfis .
·
Nada demais na esfera jurídica
Como
foi objeto de rápida e ampla concordância entre especialistas, inclusive os ouvidos pela própria Folha, as conversas publicadas não demonstram que Moraes tenha agido
fora dos marcos da legislação eleitoral, que dá poder de polícia ao TSE, e
da interpretação do
STF sobre o art. 43 do seu Regimento Interno, firmada pelo placar de 10 x 1, no
julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 572.
Vou
explicar com calma: o poder de polícia autoriza/obriga um juiz a agir
imediatamente, sempre que encontre alguém violando as normas eleitorais, sem
que precise ser provocado. Se, andando na rua, um juiz encontra uma placa
colocada de forma irregular, pode e deve chamar sua assessoria e mandar
remover.
Já
a decisão do STF atribuiu a Moraes o poder – na condução de inquéritos como o
das fake news, das milícias digitais e dos ataques antidemocráticos – de
produzir provas de crimes cometidos contra o Supremo ou seus ministros, devendo
apenas dar ciência à Procuradoria Geral da República e garantir a esta a
possibilidade de manifestação.
Essa
posição do STF é alvo de críticas, assim como o acúmulo de funções diferentes
por um mesmo ministro. Mas até que seja revista, ela representa a “lei da
terra”.
·
Lembrete ao bolsonarismo: no Brasil, a lei
que vale é a lei brasileira
Politicamente,
a história é diferente. Ainda mais depois que Elon Musk, o bilionário dono do
Twitter/X, postou a informação de que a plataforma fechará seu escritório no
Brasil, alegando que não pode mais operar num país onde um ministro do STF
pratica “censura” e ameaçou de “prisão” os seus diretores, depois que se
negaram a receber e acatar ordens judiciais.
Nas
redes, as reportagens e a decisão de Musk causaram furor entre extremistas de
direita que, de forma coordenada, passaram a repetir dois argumentos furados:
que Musk não poderia ficar no Brasil porque sua empresa “tem que obedecer as
leis dos Estados Unidos” e que as leis brasileiras, porque “imorais”, não devem
ser cumpridas.
Vale
lembrar que nos Estados Unidos o influencer Alex Jones foi condenado a pagar
mais de US$1 bilhão de dólares por contar mentiras e que Steve Bannon está
preso por ter desobedecido ordens do Congresso na investigação do 6/1.
Cada
país tem suas leis, mas em nenhum deles –– nem mesmo nos EUA –– a liberdade de
expressão é absoluta e há licença poética para desobedecer as instituições
porque não se concorda com a forma como operam.
Na
defesa de que as leis brasileiras “não precisam ser cumpridas”, esses
extremistas recorreram a uma comparação particularmente esdrúxula. Disseram que
a escravidão, o Holocausto e o Apartheid estavam dentro da lei. Em alguns
casos, recorreram ao exemplo de Martin Luther King Jr para justificar a
desobediência de Musk às ordens do STF.
Ou
seja, trataram um bilionário branco como equivalente a um negro no Apartheid ou
um judeu no Holocausto. Luther King desobedeceu, sim, leis que considerava
injustas, mas o fez de forma civil (como oposto de incivilizada) e aceitou as
consequências de ter violado a lei. Recebeu e cumpriu penas de detenção, sendo
famosas as suas fotos na cadeia de Birmingham.
A
mesma dignidade falta a tais extremistas. Nas eleições de 2022, eles violaram a
lei sem cerimônia. Sabendo que era juridicamente ilícito colocar dúvida sobre
as urnas, conforme decisão do TSE, depois confirmada pelo STF, no caso
Franceschini, faziam isso dia e noite, e inclusive montavam operações para invadir sistemas do judiciário visando desacreditá-lo.
Sabendo
que o Brasil da constituição federal de 1988 não tem poder moderador,
inventaram uma vulgata jurídica para pedir intervenção militar, “conduta que
viola a lei do estado democrático de direito, sancionada pelo próprio
Bolsonaro”, e subverter o processo eleitoral.
Porque
martelaram essas inverdades nas redes por meses a fio, conseguiram manter uma
massa mobilizada após as eleições, disposta a montar acampamentos em quartéis e
a cometer barbaridades como a invasão da Praça dos Três Poderes, no dia 8 de
janeiro.
Essa
violação da lei era tão sistemática e escancarada que um dos áudios divulgados
por Greenwald e Serapião traz a seguinte fala de Tagliaferro, indisposto que
estava para alterar um dos relatórios que seriam enviados a Moraes, conforme
pedido por Vieira:
“Então,
mas tem coisas que fundamenta, ele quer que coloque mais ainda? … Eu altero,
mas o que tem é mais que essencial pra isso”.
Mas
não se pense que esses extremistas querem arcar com as consequências das
próprias ações. Ao contrário, aproveitam a confusão causada pela Folha e por
Musk para tentar empurrar goela abaixo do Supremo e da sociedade uma anistia (mais uma!).
Cabe às instituições decidirem se se curvam ou não a esses movimentos
igualmente acintosos.
·
Chegou a hora de Moraes concluir os
inquéritos, não anulá-los
Para
finalizar, volto a registrar que
o retorno à normalidade no sistema de justiça é tarefa complexa, que vai
requerer dois movimentos complementares.
Moraes
precisa “pousar o avião” que pilota nesses inquéritos, relatando-os e
enviando-os à PGR para que denuncie quem tiver que ser denunciado pelos crimes
que tiverem cometido.
Mas
os democratas que restaram também precisam assumir a defesa do STF.
A
interpretação que o Tribunal deu ao art. 43 do seu regimento interno incomoda,
com razão, muita gente. Mas o Tribunal não recuará nessa interpretação a menos
que perceba que há outras instituições comprometidas em afastar o golpismo e a
radicalização que alimentam, desde 2019, os ataques de que é vítima.
Partidos,
Congresso, veículos de mídia e plataformas de redes sociais todos devem dar sua
contribuição para frear discurso de ódio contra essa importante instituição.
“Fabio,
você só pode estar sonhando,” vão dizer alguns.
“Eu
sei, mas aí é nossa escolha viver em sonho ou em um eterno pesadelo,” eu
responderia.
¨
Há uma granada no colo
da Folha. Por Moisés Mendes
A
primeira informação publicada por Glenn Greenwald nas redes sociais, no dia em
que a Folha produziu a manchete dos ritos contra Alexandre de Moraes, veio em
tom de ameaça: “Tivemos acesso a mais de 6GB de mensagens trocadas por
assessores diretos de Alexandre de Moraes no STF e no TSE”.
Foi
no dia 13 de agosto. Jornais, sites e redes repicaram: a Folha tem arquivos com
seis gigabytes contra o ministro. No dia 17, a ombudsman da Folha, Alexandra
Moraes, fez uma pergunta que adolescentes não fariam no texto de domingo em que
finge analisar as reportagens da Gangue do Santo Rito.
A
jornalista comenta sem muita convicção os textos da dupla Glenn Greenwald e
Fabio Serapião e indaga: “Esgotaram-se os 6 gigabytes?” E ela mesma responde:
“Ainda não sabemos”.
O
tamanho dos arquivos com as conversas entre 'assessores diretos' de Moraes no
STF e no TSE, entregues por alguém aos jornalistas, é o detalhe a ser
enfatizado. A Folha avisa que está manuseando uma granada de seis gigas, para
ameaçar e tentar desqualificar Moraes e implodir o inquérito das fake news.
A
pergunta da ombudsman, apresentando a falsa dúvida sobre o esgotamento do
conteúdo dos arquivos, parece ingênua e pueril. Mas é apenas a repetição da
advertência de Greenwald no X.
Qualquer
jornalista sabe que um gigabyte pode arquivar um Boeing de mensagens. E sabe
que em três dias, até o comentário da ombudsman e depois da publicação de meia
dúzia de textos, a Folha não poderia ter esgotado todo o conteúdo vazado.
Alexandra
Moraes fez uma pergunta retórica, que já responde o que indaga. Claro que a
Folha tem muito mais material sobre as trocas de informações entre os
servidores dos tribunais.
Mas
o que fazer com isso? A ombudsman sugere que esse não é um assunto pra ela, no
texto em que foge da análise das reportagens da Gangue do Santo Rito e que foi
abordado por Mario Vitor dos Santos, no Brasil 247, com a autoridade de quem já
ocupou o mesmo cargo de ombudsman da Folha.
Alexandra
Moraes publica uma salada de opiniões de leitores, para terceirizar a crítica,
diz que a Folha “cutuca o poder” e repete o clichê de que tudo ali é polêmica.
E depois salta fora, como mostra Mario Vitor, para não se incomodar.
Por
que o melhor é não dizer nada, mesmo que a jornalista seja paga para que diga
alguma coisa com fundamento? Porque é preciso insinuar que a granada pode ser
maior do que parece.
A
ordem não escrita é: não mexam com a pauta dos ritos. A ombudsman amarelou
porque a Folha ameaça com arquivos de seis gigabytes e quer usá-los para
interromper as investigações sobre o golpismo.
A
publicação intermitente, com dias de vazio, sem novidade no jornal, é do jogo
desse tipo de pescaria. Até agora, acharam lambaris e bagres, mas estão atrás
do peixão.
Até
estagiários desse jornalismo pretensamente investigativo sabem que arquivos de
vazamentos são despejados em grandes compartimentos, para que ali aconteça a
pescaria.
Buscas
básicas por nomes, cargos, datas e episódios, com palavras-chaves, como
estudantes fazem no Google, levarão aos personagens sob investigação. Até
agora, apareceram Eduardo Bolsonaro, Allan dos Santos e outras sardinhas.
Daqui
a pouco, podem aparecer trocas de mensagens dos 'assessores diretos' sobre
Bolsonaro, Braga Netto, Anderson Torres, o véio da Havan e Augusto Heleno. É o
que a força-tarefa da Folha faz nesse momento. Tenta encontrar algo que salve a
manchete furada de 13 de agosto.
Completa-se
uma semana da formação da Gangue do Santo Rito para fustigar Moraes e o
Supremo. A ombudsman e o estagiário sabem que nada de impacto foi publicado até
agora, mas que os conteúdos dos arquivos não se esgotaram.
E
até o estagiário também já sabe que uma granada pode explodir no colo de quem a
carrega. E aí saltam restos de escrúpulos, cumplicidades e tripas pra todo
lado.
¨
Moraes tomou medidas
“céleres e assertivas” dentro do “devido processo legal”, diz Nelson Jobim
O
ex-ministro Nelson Jobim emitiu nota em apoio ao ministro Alexandre de Moraes,
do Supremo Tribunal Federal (STF), que teve a sua isonomia questionada por
reportagens da Folha de S.Paulo, que apontavam supostas irregularidades do
ministro no STF e no TSE.
“Afirmo
minha solidariedade ao Ministro Alexandre de Moraes, alvo de críticas por
sua atuação no TSE e no STF”, escreveu Jobim.
Segundo
o ministro, os atos de Moraes foram medidas “céleres e assertivas para atenuar
ou mesmo inibir conflitos” e “sempre nos termos do estado democrático de
direito e com observância das regras do devido processo legal”.
Nelson
Jobim elogiou a postura de Moraes, relembrando, ainda, que integraram juntos o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), período no qual o ex-ministro disse
presenciar “a seriedade que lhe é peculiar” e que “suas atitudes pautadas pelo
rigor comprovaram-se valorosas na manutenção do Estado de Direito no Brasil”.
Na
nota, Nelson Jobim ainda ressaltou a importância da defesa da Suprema Corte
como instância máxima da Justiça do país.
“O
Supremo Tribunal Federal, instituição da qual fui membro e Presidente, é
indispensável a defesa das liberdades democráticas e do Estado de Direito. As
críticas impróprias à Corte ou aos seus membros só aproveita aos irresponsáveis
ou a quem interessa a deterioração de sua autoridade e a sua deslegitimação
social”, escreveu.
Além
de Jobim, outros ex-ministros, juristas e atuais ministros da Corte saíram em
defesa de Moraes após as divulgações das reportagens com mensagens privadas
entre assessores do ministro do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em
ambos os gabinetes, com pedidos do ministro, que solicitou demandas aos seus
assessores diretos, para inquéritos nas Cortes dos quais ele têm competência.
O
atual presidente do STF, Luis Roberto Barroso, afirmou na semana passada que as
matérias são “tempestades fictícias”: “Todas as informações requisitadas
referiam-se a pessoas que já estavam sendo investigadas e, portanto, em
inquérito que já estava aberto perante o Supremo”.
Para
Flávio Dino, também ministro da Corte, Moraes está sendo “acusado” de “cumprir
o seu dever”. “Neste momento, ele é acusado de um crime gravíssimo, qual seja,
cumpriu o seu dever”, pontuou, também na semana passada.
¨
Polícia Federal intima
ex-assessor de Moraes e familiares por vazamento de mensagens
A
Polícia Federal intimou nesta quarta-feira (21) Eduardo Tagliaferro,
ex-auxiliar do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF),
sua esposa e seu cunhado, Celso Luiz de Oliveira, para depor na quinta-feira
(22) sobre os vazamentos de mensagens de WhatsApp de Tagliaferro que apontam
que Moraes teria agido “fora do rito” em investigações envolvendo Jair
Bolsonaro (PL) e seus aliados. A informação é do UOL.
A
investigação foi aberta a pedido do ministro Alexandre de Moraes após a Folha
de S. Paulo divulgar o teor das mensagens de Tagliaferro, que chefiou a
Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) durante a presidência de Moraes. Tagliaferro deixou o
cargo após ser preso por violência doméstica em maio de 2023, e seu cunhado
entregou seu aparelho telefônico à Polícia Civil de São Paulo dias
depois.
As
mensagens reveladas pela Folha de S. Paulo mostram o que seria um 'uso
informal' da estrutura do TSE para abastecer investigações no STF. No entanto,
na visão de especialistas, nada de errado ou comprometedor foi comprovado pelas
mensagens. Diálogos entre Tagliaferro e o juiz Airton Vieira, auxiliar do
gabinete de Moraes no STF, indicam pedidos de produção de relatórios sobre
postagens de pessoas investigadas no inquérito das Fake News.
Após
as revelações, ministros do STF, incluindo o presidente da Corte, ministro Luís
Roberto Barroso, e o decano Gilmar Mendes, saíram em defesa de Moraes. Em
sessão no STF, Moraes afirmou que todos os alvos dos relatórios já eram
investigados nos inquéritos das Fake News ou das milícias digitais, ambos sob
sua relatoria. Ele também destacou que todos os documentos oficiais foram
acompanhados pela Procuradoria e que os recursos contra suas decisões foram
mantidos pelo plenário do STF.
Fonte:
The Intercept/Brasil 247/Jornal GGN
Nenhum comentário:
Postar um comentário