quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Fábio de Sá e Silva: Vazamento de Moraes embala fantasia bolsonarista

Na semana passada, o jornal Folha de S. Paulo passou a divulgar reportagens baseadas em vazamento de conversas via WhatsApp de assessores do ministro Alexandre de Moraes (até agora foram mencionados nominalmente o juiz auxiliar, Airton Vieira, e o chefe do setor de combate à desinformação do TSE, Eduardo Tagliaferro), mantidas durante e logo após o período eleitoral.

As conversas foram vazadas aos jornalistas Glenn Greenwald e Fabio Serapião e, segundo consta, entregues por pessoa que teve acesso ao telefone de um dos envolvidos, não sendo produto de hackeamento ou interceptação ilegal.

A Folha trata as conversas em tom de escândalo. Dizem que Moraes atuou “fora do rito” ao requisitar provas eleitorais para utilizar em inquéritos (não são ações penais), nos quais  tomou decisões cautelares contra políticos e influencers bolsonaristas. Sugerem ainda que Moraes escolhia alvos, na medida em que encomendava relatórios de determinados  perfis .

·        Nada demais na esfera jurídica

Como foi objeto de rápida e ampla concordância entre especialistas, inclusive os ouvidos pela própria Folha, as conversas publicadas não demonstram que Moraes tenha agido fora dos marcos da legislação eleitoral, que dá poder de polícia ao TSE, e da interpretação do STF sobre o art. 43 do seu Regimento Interno, firmada pelo placar de 10 x 1, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 572.

Vou explicar com calma: o poder de polícia autoriza/obriga um juiz a agir imediatamente, sempre que encontre alguém violando as normas eleitorais, sem que precise ser provocado. Se, andando na rua, um juiz encontra uma placa colocada de forma irregular, pode e deve chamar sua assessoria e mandar remover. 

Já a decisão do STF atribuiu a Moraes o poder – na condução de inquéritos como o das fake news, das milícias digitais e dos ataques antidemocráticos – de produzir provas de crimes cometidos contra o Supremo ou seus ministros, devendo apenas dar ciência à Procuradoria Geral da República e garantir a esta a possibilidade de manifestação. 

Essa posição do STF é alvo de críticas, assim como o acúmulo de funções diferentes por um mesmo ministro. Mas até que seja revista, ela representa a “lei da terra”.

·        Lembrete ao bolsonarismo: no Brasil, a lei que vale é a lei brasileira

Politicamente, a história é diferente. Ainda mais depois que Elon Musk, o bilionário dono do Twitter/X, postou a informação de que a plataforma fechará seu escritório no Brasil, alegando que não pode mais operar num país onde um ministro do STF pratica “censura” e ameaçou de “prisão” os seus diretores, depois que se negaram a receber e acatar ordens judiciais. 

Nas redes, as reportagens e a decisão de Musk causaram furor entre extremistas de direita que, de forma coordenada, passaram a repetir dois argumentos furados: que Musk não poderia ficar no Brasil porque sua empresa “tem que obedecer as leis dos Estados Unidos” e que as leis brasileiras, porque “imorais”, não devem ser cumpridas.

Vale lembrar que nos Estados Unidos o influencer Alex Jones foi condenado a pagar mais de US$1 bilhão de dólares por contar mentiras e que Steve Bannon está preso por ter desobedecido ordens do Congresso na investigação do 6/1.

Cada país tem suas leis, mas em nenhum deles –– nem mesmo nos EUA –– a liberdade de expressão é absoluta e há licença poética para desobedecer as instituições porque não se concorda com a forma como operam.

Na defesa de que as leis brasileiras “não precisam ser cumpridas”, esses extremistas recorreram a uma comparação particularmente esdrúxula. Disseram que a escravidão, o Holocausto e o Apartheid estavam dentro da lei. Em alguns casos, recorreram ao exemplo de Martin Luther King Jr para justificar a desobediência de Musk às ordens do STF. 

Ou seja, trataram um bilionário branco como equivalente a um negro no Apartheid ou um judeu no Holocausto. Luther King desobedeceu, sim, leis que considerava injustas, mas o fez de forma civil (como oposto de incivilizada) e aceitou as consequências de ter violado a lei. Recebeu e cumpriu penas de detenção, sendo famosas as suas fotos na cadeia de Birmingham. 

A mesma dignidade falta a tais extremistas. Nas eleições de 2022, eles violaram a lei sem cerimônia. Sabendo que era juridicamente ilícito colocar dúvida sobre as urnas, conforme decisão do TSE, depois confirmada pelo STF, no caso Franceschini, faziam isso dia e noite, e inclusive montavam operações para invadir sistemas do judiciário visando desacreditá-lo.

Sabendo que o Brasil da constituição federal de 1988 não tem poder moderador, inventaram uma vulgata jurídica para pedir intervenção militar, “conduta que viola a lei do estado democrático de direito, sancionada pelo próprio Bolsonaro”, e subverter o processo eleitoral. 

Porque martelaram essas inverdades nas redes por meses a fio, conseguiram manter uma massa mobilizada após as eleições, disposta a montar acampamentos em quartéis e a cometer barbaridades como a invasão da Praça dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro.

Essa violação da lei era tão sistemática e escancarada que um dos áudios divulgados por Greenwald e Serapião traz a seguinte fala de Tagliaferro, indisposto que estava para alterar um dos relatórios que seriam enviados a Moraes, conforme pedido por Vieira:

“Então, mas tem coisas que fundamenta, ele quer que coloque mais ainda? … Eu altero, mas o que tem é mais que essencial pra isso”.

Mas não se pense que esses extremistas querem arcar com as consequências das próprias ações. Ao contrário, aproveitam a confusão causada pela Folha e por Musk para tentar empurrar goela abaixo do Supremo e da sociedade uma anistia (mais uma!). Cabe às instituições decidirem se se curvam ou não a esses movimentos igualmente acintosos.

·        Chegou a hora de Moraes concluir os inquéritos, não anulá-los

Para finalizar, volto a registrar que o retorno à normalidade no sistema de justiça é tarefa complexa, que vai requerer dois movimentos complementares.

Moraes precisa “pousar o avião” que pilota nesses inquéritos, relatando-os e enviando-os à PGR para que denuncie quem tiver que ser denunciado pelos crimes que tiverem cometido. 

Mas os democratas que restaram também precisam assumir a defesa do STF.

A interpretação que o Tribunal deu ao art. 43 do seu regimento interno incomoda, com razão, muita gente. Mas o Tribunal não recuará nessa interpretação a menos que perceba que há outras instituições comprometidas em afastar o golpismo e a radicalização que alimentam, desde 2019, os ataques de que é vítima.

Partidos, Congresso, veículos de mídia e plataformas de redes sociais todos devem dar sua contribuição para frear discurso de ódio contra essa importante instituição.

“Fabio, você só pode estar sonhando,” vão dizer alguns.

“Eu sei, mas aí é nossa escolha viver em sonho ou em um eterno pesadelo,” eu responderia.

 

¨      Há uma granada no colo da Folha. Por Moisés Mendes

A primeira informação publicada por Glenn Greenwald nas redes sociais, no dia em que a Folha produziu a manchete dos ritos contra Alexandre de Moraes, veio em tom de ameaça: “Tivemos acesso a mais de 6GB de mensagens trocadas por assessores diretos de Alexandre de Moraes no STF e no TSE”.

Foi no dia 13 de agosto. Jornais, sites e redes repicaram: a Folha tem arquivos com seis gigabytes contra o ministro. No dia 17, a ombudsman da Folha, Alexandra Moraes, fez uma pergunta que adolescentes não fariam no texto de domingo em que finge analisar as reportagens da Gangue do Santo Rito. 

A jornalista comenta sem muita convicção os textos da dupla Glenn Greenwald e Fabio Serapião e indaga: “Esgotaram-se os 6 gigabytes?” E ela mesma responde: “Ainda não sabemos”. 

O tamanho dos arquivos com as conversas entre 'assessores diretos' de Moraes no STF e no TSE, entregues por alguém aos jornalistas, é o detalhe a ser enfatizado. A Folha avisa que está manuseando uma granada de seis gigas, para ameaçar e tentar desqualificar Moraes e implodir o inquérito das fake news.

A pergunta da ombudsman, apresentando a falsa dúvida sobre o esgotamento do conteúdo dos arquivos, parece ingênua e pueril. Mas é apenas a repetição da advertência de Greenwald no X.

Qualquer jornalista sabe que um gigabyte pode arquivar um Boeing de mensagens. E sabe que em três dias, até o comentário da ombudsman e depois da publicação de meia dúzia de textos, a Folha não poderia ter esgotado todo o conteúdo vazado.

Alexandra Moraes fez uma pergunta retórica, que já responde o que indaga. Claro que a Folha tem muito mais material sobre as trocas de informações entre os servidores dos tribunais.

Mas o que fazer com isso? A ombudsman sugere que esse não é um assunto pra ela, no texto em que foge da análise das reportagens da Gangue do Santo Rito e que foi abordado por Mario Vitor dos Santos, no Brasil 247, com a autoridade de quem já ocupou o mesmo cargo de ombudsman da Folha.

Alexandra Moraes publica uma salada de opiniões de leitores, para terceirizar a crítica, diz que a Folha “cutuca o poder” e repete o clichê de que tudo ali é polêmica. E depois salta fora, como mostra Mario Vitor, para não se incomodar. 

Por que o melhor é não dizer nada, mesmo que a jornalista seja paga para que diga alguma coisa com fundamento? Porque é preciso insinuar que a granada pode ser maior do que parece. 

A ordem não escrita é: não mexam com a pauta dos ritos. A ombudsman amarelou porque a Folha ameaça com arquivos de seis gigabytes e quer usá-los para interromper as investigações sobre o golpismo.

A publicação intermitente, com dias de vazio, sem novidade no jornal, é do jogo desse tipo de pescaria. Até agora, acharam lambaris e bagres, mas estão atrás do peixão. 

Até estagiários desse jornalismo pretensamente investigativo sabem que arquivos de vazamentos são despejados em grandes compartimentos, para que ali aconteça a pescaria.

Buscas básicas por nomes, cargos, datas e episódios, com palavras-chaves, como estudantes fazem no Google, levarão aos personagens sob investigação. Até agora, apareceram Eduardo Bolsonaro, Allan dos Santos e outras sardinhas.

Daqui a pouco, podem aparecer trocas de mensagens dos 'assessores diretos' sobre Bolsonaro, Braga Netto, Anderson Torres, o véio da Havan e Augusto Heleno. É o que a força-tarefa da Folha faz nesse momento. Tenta encontrar algo que salve a manchete furada de 13 de agosto.

Completa-se uma semana da formação da Gangue do Santo Rito para fustigar Moraes e o Supremo. A ombudsman e o estagiário sabem que nada de impacto foi publicado até agora, mas que os conteúdos dos arquivos não se esgotaram. 

E até o estagiário também já sabe que uma granada pode explodir no colo de quem a carrega. E aí saltam restos de escrúpulos, cumplicidades e tripas pra todo lado.

 

¨      Moraes tomou medidas “céleres e assertivas” dentro do “devido processo legal”, diz Nelson Jobim

O ex-ministro Nelson Jobim emitiu nota em apoio ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que teve a sua isonomia questionada por reportagens da Folha de S.Paulo, que apontavam supostas irregularidades do ministro no STF e no TSE.

“Afirmo minha solidariedade ao Ministro Alexandre de Moraes, alvo de críticas  por sua atuação no TSE e no STF”, escreveu Jobim.

Segundo o ministro, os atos de Moraes foram medidas “céleres e assertivas para atenuar ou mesmo inibir conflitos” e “sempre nos termos do estado democrático de direito e com observância das regras do devido processo legal”.

Nelson Jobim elogiou a postura de Moraes, relembrando, ainda, que integraram juntos o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), período no qual o ex-ministro disse presenciar “a seriedade que lhe é peculiar” e que “suas atitudes pautadas pelo rigor comprovaram-se valorosas na manutenção do Estado de Direito no Brasil”.

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

Na nota, Nelson Jobim ainda ressaltou a importância da defesa da Suprema Corte como instância máxima da Justiça do país.

“O Supremo Tribunal Federal, instituição da qual fui membro e Presidente, é indispensável a defesa das liberdades democráticas e do Estado de Direito. As críticas impróprias à Corte ou aos seus membros só aproveita aos irresponsáveis ou a quem interessa a deterioração de sua autoridade e a sua deslegitimação social”, escreveu.

Além de Jobim, outros ex-ministros, juristas e atuais ministros da Corte saíram em defesa de Moraes após as divulgações das reportagens com mensagens privadas entre assessores do ministro do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em ambos os gabinetes, com pedidos do ministro, que solicitou demandas aos seus assessores diretos, para inquéritos nas Cortes dos quais ele têm competência.

O atual presidente do STF, Luis Roberto Barroso, afirmou na semana passada que as matérias são “tempestades fictícias”: “Todas as informações requisitadas referiam-se a pessoas que já estavam sendo investigadas e, portanto, em inquérito que já estava aberto perante o Supremo”.

Para Flávio Dino, também ministro da Corte, Moraes está sendo “acusado” de “cumprir o seu dever”. “Neste momento, ele é acusado de um crime gravíssimo, qual seja, cumpriu o seu dever”, pontuou, também na semana passada.

 

¨      Polícia Federal intima ex-assessor de Moraes e familiares por vazamento de mensagens

A Polícia Federal intimou nesta quarta-feira (21) Eduardo Tagliaferro, ex-auxiliar do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), sua esposa e seu cunhado, Celso Luiz de Oliveira, para depor na quinta-feira (22) sobre os vazamentos de mensagens de WhatsApp de Tagliaferro que apontam que Moraes teria agido “fora do rito” em investigações envolvendo Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados. A informação é do UOL.

A investigação foi aberta a pedido do ministro Alexandre de Moraes após a Folha de S. Paulo divulgar o teor das mensagens de Tagliaferro, que chefiou a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante a presidência de Moraes. Tagliaferro deixou o cargo após ser preso por violência doméstica em maio de 2023, e seu cunhado entregou seu aparelho telefônico à Polícia Civil de São Paulo dias depois. 

As mensagens reveladas pela Folha de S. Paulo mostram o que seria um 'uso informal' da estrutura do TSE para abastecer investigações no STF. No entanto, na visão de especialistas, nada de errado ou comprometedor foi comprovado pelas mensagens. Diálogos entre Tagliaferro e o juiz Airton Vieira, auxiliar do gabinete de Moraes no STF, indicam pedidos de produção de relatórios sobre postagens de pessoas investigadas no inquérito das Fake News. 

Após as revelações, ministros do STF, incluindo o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, e o decano Gilmar Mendes, saíram em defesa de Moraes. Em sessão no STF, Moraes afirmou que todos os alvos dos relatórios já eram investigados nos inquéritos das Fake News ou das milícias digitais, ambos sob sua relatoria. Ele também destacou que todos os documentos oficiais foram acompanhados pela Procuradoria e que os recursos contra suas decisões foram mantidos pelo plenário do STF.

 

Fonte: The Intercept/Brasil 247/Jornal GGN

 

Nenhum comentário: