Reencarnação
na história: uma crença antiquíssima
O conceito
de reencarnação é tão antigo que não deixa de ser curiosa a demora da ciência
em começar a investigar o assunto a sério. Seus indícios remontam a pelo menos
12 mil anos atrás, em plena Idade da Pedra. O costume da época de enterrar
mortos em posição fetal levou arqueólogos a concluir que a prática se referia à
preparação dos corpos para o ingresso numa nova vida.
Os antigos
egípcios punham dentro dos esquifes textos que louvavam as qualidades dos
mortos – uma tentativa de convencer o deus Osíris a lhes conceder novas
encarnações. Segundo o historiador grego Heródoto, os egípcios consideravam que
o ciclo integral de vidas pelo qual cada pessoa deveria passar durava cerca de
3 mil anos.
• A perspectiva oriental
O Oriente
possui registros bem antigos da crença na reencarnação. A mais remota menção
formal a esse assunto é provavelmente a dos Upanixades, a parte final de um
conjunto de cânticos tradicionais (vedas) dos sacerdotes árias, povo que
invadiu a Índia por volta de 1500 a.C.
Os
Upanixades ensinam que na origem de cada ser há uma centelha de consciência
espiritual (atman); essa essência não morre e começa sua existência com um ser
ignorante. Seu aprendizado, até a conquista da maturidade espiritual, é feito
no revestimento temporário da matéria, por meio de uma sucessão de
renascimentos, provas e mortes. Cada vida é vivida na forma de um ser adequado
a sua aprendizagem, que pode ser vegetal, animal ou humano. O que vai
determinar isso é o conjunto de ações e reações a eles – o carma. Existências
marcadas por atos negativos, prejudiciais a outras criaturas, levam a um carma
de mais sofrimento; atos positivos funcionam no sentido contrário, elevando as
condições interiores do ser. O fim dessa trajetória é a união definitiva com o
mundo espiritual.
O budismo
assimilou muitos conceitos do hinduísmo sobre o tema, mas produziu algumas
diferenças importantes. Uma delas diz respeito à alma: para os budistas, ela
não permanece imutável entre uma vida e outra – mistura outras características
de caráter e personalidade, tal qual as mudanças que ocorrem no material
genético transmitido de geração em geração.
• A visão grega
No
Ocidente, vários filósofos gregos trabalharam com a ideia da reencarnação, a
começar por Orfeu e Pitágoras. Este último afirmava ter vivido antes como
guerreiro troiano, comerciante, agricultor e prostituta. Pitágoras aceitava a
ideia de que um humano reencarnasse como animal, e por isso impediu um homem de
surrar um cachorro: o filósofo alegou que havia reconhecido a alma de um amigo
no animal ao ouvi-lo ganir.
Platão
defendia que a alma é imortal, antecede o nascimento e reencarna diversas
vezes. Cada alma escolheria sua próxima vida, a partir de suas experiências nas
vidas anteriores. Em sua obra Fedro, ele apresentou uma curiosa classificação
em nove níveis de virtuosidade para a jornada da alma. Em vidas sucessivas, os
seres transitariam por esses níveis até atingir um grau evolutivo capaz de
levá-los a um reino celestial. No nível mais baixo estariam os tiranos; no
quarto, os médicos e atletas; no terceiro, os políticos; no segundo, os
guerreiros e reis virtuosos. Os filósofos, artistas e músicos ocupavam o topo
da escala.
Discípulo
de Platão, Aristóteles inicialmente adotou as ideias do mestre, mas
posteriormente passou a opor-se aos conceitos de imortalidade e de
reencarnação. Essa e outras concepções fizeram dele o precursor do materialismo
ocidental vigente até hoje, o que não impediu que grupos de crentes na
reencarnação se manifestassem desde então neste lado do mundo.
Um de seus
redutos foi o cristianismo primitivo. O influente teólogo e escritor
alexandrino Orígenes (c. 185 – c. 254), por exemplo, aceitava a reencarnação
sem meias palavras. Num de seus textos, ele disse: “Portanto, todos os que
descem à Terra, de acordo com seus merecimentos ou com a posição que ocuparam
nela, recebem ordens para nascer neste mundo, em um local diferente, ou em
outra nação, ou numa profissão diferente, ou com doenças diversas, ou como
descendentes de pais mais ou menos religiosos ou pios, de modo que às vezes
pode acontecer de um israelita retornar em pleno Egito e de um egípcio nascer
na Judeia.”
No ano
400, o papa Anastácio condenou Orígenes por suas “opiniões cheias de
blasfêmias”. Isso, porém, não bastou, e uma alternativa mais radical foi tomada
no século 6: o concílio de Constantinopla excomungou o teólogo e todos os que
partilhavam sua ideia de “monstruosa restauração”.
A heresia
das vidas sucessivas
Mas as
ideias reencarnacionistas continuaram a encontrar abrigo em numerosas seitas
cristãs. Uma delas, a dos cátaros (“purificados”), conquistou o sul da França
no século 11. Para os cátaros, as almas humanas eram espíritos caídos e as
encarnações serviam-lhes como prova e expiação – existências boas davam direito
a um corpo capaz de levar o ser a uma elevação ainda maior, enquanto
existências ruins eram refletidas num organismo doente e destinado a passar por
outras dificuldades. A Igreja moveu uma perseguição sem tréguas aos membros da
seita até conquistar seu último reduto, a fortaleza de Montségur, e levar à
fogueira os adeptos lá capturados. Depois disso, a reencarnação foi
definitivamente banida da Igreja cristã.
O tema
voltaria à tona no Ocidente na segunda metade do século 19, época do
florescimento do interesse por assuntos envolvendo espíritos. Em 1857, Allan
Kardec lançou a pedra fundamental do espiritismo, O Livro dos Espíritos; 18
anos depois, em 1875, Helena Blavatsky fundou em Nova York a Sociedade
Teosófica, que atraiu considerável interesse a partir de um ideário que incluía
os conceitos orientais de carma e de reencarnação.
Em 1882,
foi criada na Inglaterra a Sociedade de Pesquisa Psíquica, reunião de
importantes intelectuais da época para estudar fenômenos paranormais. Foi a
senha para o início do interesse científico pelo assunto, mas a reencarnação só
viria a despertar uma atenção maior a partir do início da segunda metade do
século passado, com a divulgação de experiências de regressão sob hipnose que
levariam os pacientes a descrever detalhes de vidas passadas. Alguns anos
depois, o professor de psiquiatria Ian Stevenson, da Universidade da Virgínia
(EUA), publicava o seu primeiro estudo na área, e a partir daí a reencarnação
deixou de ser encarada como um tema exclusivo do mundo religioso.
Fonte:
Planeta
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