Francisco,
o papa de hábitos simples que lutou para mudar a Igreja
Jorge
Mario Bergoglio, o papa Francisco, morreu aos 88 anos às 2h35 pelo horário
de Brasília, 7h35 pelo horário local, desta segunda-feira (21). As informações
foram confirmadas pelo Vaticano. O pontífice ocupou o cargo máximo da Igreja
Católica por 12 anos. "O Bispo de Roma, Francisco, retornou à casa do Pai.
Toda a sua vida foi dedicada ao serviço do Senhor e de Sua Igreja. Ele nos
ensinou a viver os valores do Evangelho com fidelidade, coragem e amor
universal, especialmente em favor dos mais pobres e marginalizados. Com imensa
gratidão por seu exemplo como verdadeiro discípulo do Senhor Jesus,
recomendamos a alma do Papa Francisco ao infinito amor misericordioso do Deus
Trino", diz comunicado oficial.
Nascido
em 17 de dezembro de 1936 em Buenos Aires, na Argentina, Francisco foi o
primeiro papa latino-americano da história. Ele também foi o primeiro
pontífice da era moderna a assumir o papado após a renúncia do seu antecessor
e, ainda, o primeiro jesuíta no posto. À frente da Igreja Católica por quase 12
anos, Francisco foi o papa número 266. Em 13 de março de 2013, durante o
segundo dia do conclave para eleger o substituto de Bento XVI, Bergoglio foi
escolhido como o novo líder – inclusive contra a sua própria vontade, segundo
ele mesmo admitiu. Relembre a carreira do papa mais abaixo.
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Alta após quadro de bronquite
Francisco se recuperava de uma
pneumonia nos dois pulmões, quadro que o manteve internado por cerca de 40
dias. Há
um mês, ele teve alta e estava sob cuidados médicos. A primeira hospitalização
foi no início de fevereiro. Nos dias seguintes, o papa começou a ter
dificuldades para discursar durante audiências religiosas. Ele admitiu
publicamente que estava com dificuldades respiratórias e chegou a pedir para um
auxiliar fazer a leitura do sermão.
No dia
14 de fevereiro, o papa foi internado no hospital Agostino Gemelli para fazer
exames e tratar a bronquite. Mesmo hospitalizado, ele continuou participando de
algumas atividades religiosas. No domingo (16), ele pediu desculpas por faltar
à oração semanal com fiéis na Praça de São Pedro. Já na segunda-feira (17), o
Vaticano informou que Francisco estava com uma infecção polimicrobiana —
causada por um ou mais microrganismos, como bactérias, vírus ou fungos. O
quadro de saúde do papa foi descrito como "complexo". No dia
seguinte, em um novo boletim, o Vaticano anunciou que o pontífice estava com
uma pneumonia bilateral. A infecção é mais grave do que uma pneumonia comum, já
que pode prejudicar a respiração e a circulação de oxigênio pelo organismo de
uma forma geral.
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Os desafios do papado de Francisco
Apesar
de ter sido eleito papa contra a própria vontade, a carreira de Francisco
no catolicismo foi uma escolha própria do argentino. Formado em Ciências
Químicas e professor de Literatura, o religioso filho de imigrantes italianos
acabou optando por se dedicar aos estudos eclesiásticos. Seu perfil jovial e
descontraído — ele gostava de fazer piadas e brincadeiras — o tornou uma opção
popular entre os colegas cardeais e uma escolha antes de mais nada conjuntural.
A
Igreja Católica vivia então um de seus momentos mais delicados. A popularidade
em baixa e os escândalos de pedofilia envolvendo padres em todo o mundo são
apenas alguns dos desafios que o pontífice enfrentaria durante seu papado. A
modernidade também levou Francisco a lidar com outros assuntos delicados para a
Igreja, como os direitos LGBTQIA+ e o sexismo. Ele foi elogiado por avanços
como o de permitir bênçãos de padres a casais do mesmo sexo, colocar mulheres
em cargos mais altos no Vaticano e permitir que elas votassem no Sínodo dos
Bispos — a reunião em que bispos debatem e decidem questões ideológicas e
regimentos internos. Mas também foi criticado por avançar menos do que o
esperado na questão feminina. Francisco terminou seu papado sem permitir
sacerdotes do sexo feminino, reivindicação histórica de parte das católicas. O
papa defendia que apenas cristãos do sexo masculino poderiam ser ordenados para
o sacerdócio, usando como base a premissa da Igreja Católica de que Jesus
escolheu homens como apóstolos.
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Discursos políticos e combate à pobreza
O
pontífice também ficou marcado por discursos políticos durantes
sermões. Não poupou críticas a líderes de países em guerra, como o russo
Vladimir Putin e o israelense Benjamin Netanyahu. Ele também apontou o dedo
para a União Europeia ao citar a crise dos refugiados, que começou durante seu
papado, em 2015.
Em uma
das imagens mais impressionantes e sem precedentes na Igreja Católica, rezou
sozinho na sempre lotada Praça São Pedro, no Vaticano, quando a Covid-19 se
espalhou pelo mundo e fez vários países decretarem quarentena. Mas o combate à
pobreza sempre foi sua prioridade. Ao ser apontado como o novo papa, ele
escolheu o nome de seu novo título em homenagem a São Francisco de Assis,
protetor dos pobres. O lema de seu papado foi "Miserando atque
eligendo" — "Olhou-o com misericórdia e o escolheu", em português.
As reformas da Igreja Católica também foram outra marca do papado de Francisco.
Ele iniciou um processo de reforma das estruturas da Cúria, que é o governo do
Vaticano, com atenção especial para a parte econômica e financeira.
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Francisco, ‘um grande reformador’
Aos 80
anos, com dores no quadril que, por vezes, o faziam perder o equilíbrio, ele
não falava de renúncia, como seu predecessor Bento XVI teve a audácia de fazer.
"Estou indo em frente", disse ele na ocasião, contrariando
declarações mais melancólicas feitas antes disso, em março de 2015: "Tenho
a sensação de que meu pontificado será breve, quatro ou cinco anos".
Francisco
parecia impulsionado por uma missão urgente: incentivar uma Igreja desertada em
alguns países a acompanhar com misericórdia os católicos em situações
irregulares. "Podemos falar de uma revolução, nos passos do Concílio
Vaticano II" (1962-1965), que abriu a Igreja ao mundo moderno, disse à AFP
o especialista em Vaticano Marco Politi, em 2016. Politi classifica Francisco
como "um grande reformador” que tentou fazer “com que a Igreja abandonasse
a sua obsessão histórica em tabus sexuais". Ele foi o primeiro papa a ter
convidado um transexual ao Vaticano e se recusou a julgar os homossexuais. Para
Francisco, a Igreja era um “hospital de campanha, não um posto
alfandegário", que separa os bons e maus cristãos, disse Politi.
O
argentino foi eleito, entre outros, para continuar a reestruturação econômica
da Santa Sé iniciada sob Bento XVI com, por exemplo, o fechamento de
contas suspeitas no banco do Vaticano, por muito tempo acusado de lavagem de
dinheiro. "Em termos de doutrina, ele [papa Francisco] não mudou nada.
Neste sentido, nunca fez parte dos progressistas", afirmou Politi. Segundo
o especialista, o papa não tinha a intenção de ordenar padres casados ou
mulheres, e se mostrou horrorizado com o aborto. Ele gostaria que seu trabalho
reformista tivesse "uma continuidade". O papa tinha um forte consenso
entre os fiéis e, também, entre alguns agnósticos e não-crentes. Mas ele
não agradava aos ultraconservadores, que tentavam desacreditá-lo.
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Bergoglio antes de ser papa
Francisco
nasceu em Buenos Aires, em 1936. Seus pais, ambos italianos, chegaram à
Argentina em 1929, junto de uma leva de imigrantes europeus em busca de
oportunidades de trabalho na América. Arcebispo da capital argentina, ele era
considerado um homem tímido e de poucas palavras, mas com grande prestígio
entre seus seguidores. O religioso era admirado pela sua total disponibilidade
e seu estilo de vida sem ostentação. O argentino também era reconhecido por
seus dotes intelectuais, por ser considerado dialogante e moderado, além de
ter paixões pelo tango e pelo time de futebol San Lorenzo.
Antes
de seguir carreira religiosa, Bergoglio formou-se técnico químico. Depois,
ingressou em um seminário no bairro de Villa Devoto. Em março de 1958, entrou
no noviciado da Companhia de Jesus, congregação religiosa dos jesuítas, fundada
no século 16. Em 1963, Bergoglio estudou humanidades no Chile e voltou à
Argentina no ano seguinte para ser professor de literatura e psicologia no
Colégio Imaculada Conceição de Santa Fé. Entre 1967 e 1970, foi estudar
teologia e acabou sendo ordenado sacerdote no dia 13 de dezembro de 1969. Em
menos de quatro anos chegou a liderar a congregação jesuíta local, um cargo que
exerceu de 1973 a 1979.
Foi
reitor da Faculdade de Filosofia e Teologia de San Miguel, entre 1980 e 1986,
e, depois de completar sua tese de doutorado na Alemanha, serviu como confessor
e diretor espiritual em Córdoba. Em 1992, Bergoglio foi nomeado bispo titular
de Auca e auxiliar de Buenos Aires. Em 1997, ele virou arcebispo titular de
Buenos Aires. Em 2001, foi nomeado cardeal e primaz da Argentina pelo papa João
Paulo II. Entre 2005 e 2011, ocupou a presidência da Conferência Episcopal do
país durante dois períodos, até que deixou o posto porque os estatutos o
impediam de continuar.
Na
Santa Sé, Bergoglio foi membro da Congregação para o Culto Divino e a
disciplina dos Sacramentos; da Congregação para o Clero; da Congregação para os
Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica; do
Pontifício Conselho para a Família e a Pontifícia Comissão para a América
Latina.
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Papa Francisco eterniza legado de reforma e simplicidade
na Igreja Católica
Francisco
foi um papa eleito para reformar a Igreja e há elementos de seu legado que
dificilmente serão revertidos por um sucessor imediato. Algumas das principais
mudanças realizadas em seus quase 12 anos de pontificado foram de tipo
estrutural e outras de conteúdo, no ensinamento ou no estilo da Igreja. Entre
elas:
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Simplicidade no papado
Francisco
quis reforçar a identidade original do papado: o papa é um sacerdote, um
pastor, o sucessor do apóstolo Pedro, e não apenas um monarca. A escolha do
nome “Francisco”, em referência ao santo pobre de Assis, era já um sinal. Sua
decisão de morar na Casa Santa Marta, uma hospedaria no Vaticano, em vez do
suntuoso Palácio Apostólico, foi o primeiro passo. Algo parecido com a decisão
do Papa Paulo VI, que, após ser entronado, deixou de usar a chamada “tiara
papal”, uma coroa típica dos pontífices, e passou a aparecer publicamente
somente com a “mitra”, um chapéu pontiagudo usado por todos os bispos durante
as celebrações litúrgicas.
Francisco
andou em carros populares, com a janela aberta e no banco da frente, e sempre
preferiu vestes pouco chamativas. Raramente trocava seus óculos e sapatos.
Quando começou a ter dificuldades para caminhar, normalizou o uso da cadeira de
rodas. Ele gostava de estar perto do povo e de tocá-lo com as próprias mãos.
Importou para Roma um estilo de padre conhecido na América Latina. Desde Buenos
Aires, o cardeal-arcebispo Jorge Mario Bergoglio era visto tomando o metrô,
como qualquer cidadão. À época, celebrava a missa diária em uma pequena capela,
aberta ao público, para estar com o povo e a “Virgem de Luján”. Nas favelas de
Buenos Aires, as “villas”, encontrava a gente mais simples e parava para tomar
mate.
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Nomeações duradouras
Papa
Francisco quis que esse estilo de pastor “com cheiro de ovelha”, como dizia,
fosse o modelo padrão. Nomeou para cargos de liderança bispos que, em sua
visão, tinham uma linha de atuação mais “pastoral”, humilde, atento às devoções
populares e pouco apegado a bens materiais. Ele nem sempre acertou, mas muitas
dioceses importantes hoje são governadas por bispos que vieram das bases,
alguns bastante jovens, e não só das universidades ou dos escritórios. São
líderes que, como ele, defendem uma “Igreja saída”, convidativa e aberta a
todos. Como disse Francisco na exortação apostólica Evangelii gaudium, “a
Igreja ‘em saída’ é a comunidade de discípulos missionários que tomam a
iniciativa, que se envolvem, que acompanham, que dão fruto e que celebram”. Ele
nomeou novos cardeais em partes do mundo que antes nunca haviam tido um, como
Cabo Verde, Tonga, Myanmar, Sudão do Sul, Mongólia, entre outros, e que
elegerão o novo papa. Muitos têm menos de 70 anos e tendem a permanecer ativos
por muito tempo. Seu sucessor será legitimado por um grupo muito mais
multicultural e internacional. A capilaridade de suas nomeações reorganizou as
estruturas de governo da Igreja.
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Nova Constituição da Cúria Romana
Antes
do conclave que elegeu Bergoglio, os cardeais sabiam que era preciso reformar a
Cúria Romana, a sede do governo central da Igreja no Vaticano. Atendendo à
demanda, Francisco criou o Conselho dos Cardeais, o “C-9”, formado por nove
deles, com o dever de propor uma reestruturação. O resultado de dez anos de
trabalho foi uma nova Constituição Apostólica, a Praedicate Evangelium
(“Proclamem o Evangelho”, em português), promulgada em 2022. Com ela, o
Vaticano adotou postura mais receptiva, atenta a ouvir os testemunhos das
igrejas locais do mundo todo, e com o dever de conectá-las entre si. É uma
administração menos centralizadora e mais distributiva. A nova constituição permite, por
exemplo, que qualquer pessoa batizada possa ser um colaborador direto do Papa –
e não só os padres e bispos – inclusive em cargos
de primeiro escalão no Vaticano. Em outras palavras, pode representar e
auxiliar o Papa em sua missão, em qualquer nível
de gestão e governo. “Todo o cristão, em virtude do Batismo, é um
discípulo-missionário na medida em que se encontrou com o amor de Deus em
Cristo Jesus. Não se pode deixar de ter isso em conta na atualização da Cúria,
pelo que a sua reforma deve prever o envolvimento de leigas e leigos, mesmo em
funções de governo e de responsabilidade”, diz o documento.
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O papel das mulheres
Francisco
foi o Papa que mais avançou na ideia de dar às
mulheres maior visibilidade e autoridade na Igreja. Nomeou uma dezena para
cargos de primeiro e segundo nível no Vaticano, duas
delas sucedendo cardeais – as religiosas italianas Simona Brambilla e Raffaella
Petrini. Do ponto de vista da fé, ele dizia: “A Igreja é mulher, as mulheres
são imagem e figura da Igreja mãe, expressam de modo especial a colaboração. Às
reclamações feministas, respondo que Maria é muito mais importante que os
apóstolos.” Ele também criou a festa litúrgica de Santa Maria Madalena,
discípula de Cristo, colocando-a no mesmo nível dos doze apóstolos. O Papa
Francisco temia, porém, a "clericalização" da mulher. Por isso, ele
não priorizou medidas mais drásticas, como a possibilidade de ordenar as
mulheres para o diaconado – os diáconos têm a função do serviço à caridade e,
nas celebrações, cuidam da Palavra e do altar. Permitiu, isso sim, que as
mulheres e meninas estejam entre os “acólitos” – no Brasil conhecidos como
“coroinhas” ou “cerimoniários” – e que participem da celebração do lava-pés, na
Quinta-feira Santa, como discípulas de Cristo.
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Sinodalidade como estilo da Igreja
A
partir de Francisco, o Sínodo dos Bispos jamais será o mesmo. O Sínodo, criado
pelo Papa Paulo VI após o Concílio Vaticano II, é um ambiente de encontro dos
bispos de todo o mundo com o bispo de Roma, o Papa. Reúnem-se para analisar as
necessidades da sociedade e da Igreja, com temas específicos. Mas, na prática,
por décadas o Sínodo não funcionou de maneira autêntica. As assembleias eram
engessadas por discursos longos, pouco interativos. Os documentos finais muitas
vezes já estavam rascunhados antes mesmo da reunião ocorrer. Com Francisco,
isso mudou. Para ele, a sinodalidade é o único “estilo de Igreja” possível em
nossos tempos. “O mundo em que vivemos, e que somos chamados a amar e servir
mesmo em suas contradições, exige que a Igreja fortaleça as sinergias em todas
as áreas de sua missão”, dizia Francisco. “O que o Senhor nos pede, em certo
sentido, já está todo contido na palavra ‘sínodo’. Caminhar juntos – Leigos,
Pastores, Bispo de Roma – é um conceito fácil de expressar em palavras, mas não
tão fácil de colocar em prática.” Não se trata de um mero instrumento de
pesquisa, nem de transformar a Igreja num “parlamento”, ele insistia. O Sínodo
é um modo de viver, de ouvir-se a si mesmos, uns aos outros e, juntos, a Deus,
continuamente. É invocar a ação do Espírito Santo na Igreja fundada por Jesus
Cristo – nisso ele acreditava. O processo sinodal faz essa dinâmica viva. Na
visão do Papa Francisco, todas as pessoas têm um lugar na Igreja. Ele
reorganizou o Sínodo, que, embora ainda seja “dos Bispos”, agora envolve todo
tipo de gente, de dentro e de fora do catolicismo.
O
Sínodo sobre a Sinodalidade, que convocou entre 2021 e 2024, foi um convite aos
1,4 bilhão de católicos a pensar na Igreja: como viver melhor a “comunhão, a
participação e a missão” a que ela se propõe? Ele colocou os participantes em
linha horizontal, às vezes em torno de mesas redondas, e não na vertical, em
linha hierárquica. Para Francisco, todos mereceriam ter voz.
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Pena de morte e meio ambiente
É
impossível definir o Papa Francisco como “progressista” ou “conservador”, pois
a única mudança que ele fez na doutrina da Igreja Católica foi uma atualização
no seu posicionamento oficial sobre a pena de morte. Desde João Paulo II e
Bento XVI, a Igreja era, em geral, contrária à pena capital, mas havia
situações abertas à interpretação. Em 2018, Francisco alterou o Catecismo,
documento que resume os ensinamentos da Igreja, para dizer que, a partir de
então, “a pena de morte é inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade
e dignidade da pessoa, e [a Igreja] se empenha com determinação a favor da sua
abolição em todo o mundo”. Isso é, provavelmente, definitivo. Fora isso,
Francisco adotou postura de diálogo com o mundo, com um olhar atento para fora
da Igreja. Inseriu no ensinamento da Igreja – o magistério – elementos
importantes.
Escreveu
a primeira encíclica, documento mais importante de um Papa, sobre a questão
ambiental, a Laudato si’ (Louvado seja) e afirmou que os problemas sociais e os
problemas ambientais têm a mesma raiz, um sistema econômico excludente,
individualista e desumano. “A violência, que está no coração humano ferido pelo
pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar
e nos seres vivos. Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados,
conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que «geme e sofre as dores do
parto» (Rm 8, 22)”, escreveu. O Papa se tornou uma referência para os encontros
globais sobre o clima (COP). Durante a pandemia da Covid-19, na encíclica
Fratelli tutti, lembrou ao mundo que “somos todos irmãos” e “estamos todos no
mesmo barco”.
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Sexualidade e gênero
Francisco
não mexeu em normas de moral sexual nem revisou a concepção da Igreja sobre
questões de gênero. Mas adotou abordagem mais acolhedora e menos normativa,
insistindo que na Igreja há lugar para “todos, todos, todos”. “Você é chamado
por Deus pelo nome. Você, você, você, todos nós que estamos aqui, eu, todos nós
fomos chamados pelo nosso nome. Não fomos chamados automaticamente, fomos
chamados pelo nome. Vamos pensar nisso: Jesus me chamou pelo meu nome”, disse
ele na Jornada Mundial da Juventude de Lisboa, em 2023. “Fomos chamados, por
quê? Porque somos amados. É lindo! Aos olhos de Deus somos filhos preciosos, a
quem Ele chama todos os dias para abraçar e encorajar; para fazer de cada um de
nós uma obra-prima única e original; cada um de nós é único, é original, e a
beleza de tudo isso não podemos vislumbrar”, refletiu.
Chamou
a Igreja de um “hospital de campanha”: é preciso cuidar das feridas do mundo, e
não abordar as pessoas com questionamentos ou imposição de regras. Foi um Papa
inimigo da rigidez.
Ele se
colocou à disposição para encontrar pessoas homossexuais e transgênero, e as
ouviu. O passo mais concreto e formal, nesse sentido, foi quando permitiu que
todos pudessem receber bênçãos dos padres, inclusive casais em situações
consideradas “irregulares”. Essas situações incluem homoafetivos, divorciados
em segunda união ou pessoas em união estável, sem se casar na Igreja, por
exemplo. As bênçãos são para todos, mas devem ser feitas em privado e
discretamente, e não confundidas com um matrimônio, que é um sacramento para um
casal formado por homem e mulher – observou a declaração Fiducia supplicans
(Confiança suplicante), do Dicastério para a Doutrina da Fé. Ainda assim, “Deus
nunca rejeita ninguém que se aproxima dele!”, diz o documento, aprovado pelo
Papa. “Em última análise, a bênção oferece às pessoas um meio de aumentar sua
confiança em Deus. Pedir uma bênção expressa e nutre a abertura à
transcendência, à piedade e à proximidade de Deus em mil circunstâncias
concretas da vida, e isso não é pouca coisa no mundo em que vivemos. É uma
semente do Espírito Santo que precisa ser nutrida, não impedida.”
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Abusos na Igreja
Em 12
anos de pontificado, Francisco também teve que lidar com as feridas abertas das
vítimas de abusos sexuais, morais e de poder, ocorridos dentro da Igreja ao
longo das últimas quatro ou cinco décadas. Com Bento XVI, a Igreja começou a
dar os primeiros passos para expor o problema e dar resolução, a ouvir e
encontrar as vítimas. Mas foi Francisco quem avançou mais em medidas
estruturais. Ele foi o Papa que permitiu à Igreja a tratar abertamente do
problema e deixou claro que a proteção dos menores e pessoas vulneráveis é uma
responsabilidade de todos. Entre 2018 e 2023, realizou uma série de reformas
normativas e organizacionais para que os abusos sejam prevenidos, punidos e
jamais acobertados. Francisco falava em “tolerância zero” com abusadores.
O
principal documento sobre o tema é o decreto Vox estis lux mundi (Vós sois a
luz do mundo), que estabelece normas processuais claras e garante que, além dos
abusadores, bispos e superiores religiosos respondam por omissão ou
cumplicidade.
“Os
crimes de abuso sexual ofendem Nosso Senhor, causam danos físicos, psicológicos
e espirituais às vítimas e lesam a comunidade dos fiéis”, diz o documento.
“Para que tais fenômenos, em todas as suas formas, não aconteçam mais, é
necessária uma conversão contínua e profunda dos corações, atestada por ações
concretas e eficazes que envolvam todos os membros da Igreja”, acrescenta.
Sobre
isso, dois fatos foram emblemáticos no seu pontificado. O primeiro, em 2018,
quando percebeu que a Igreja do Chile estava dominada por clérigos que não
levavam a sério o problema, convocou os bispos chilenos a Roma e pediu a
renúncia de todos – um gesto simbólico, mas, de fato, substituiu alguns. Isso
depois que ele mesmo teve que pedir desculpas publicamente após, em visita ao
Chile no mesmo ano, ter defendido a presunção de inocência de um bispo acusado
por vítimas de acobertar abusos. O segundo momento, quando convocou no
Vaticano, em 2019, um congresso sobre o problema dos abusos. O encontro reuniu
bispos de diferentes partes do mundo, entre eles os da Cúria Romana, com o
objetivo de aumentar a conscientização sobre o problema e incentivá-los a adotar
medidas. Ainda assim, Francisco continuou sendo demandado pelas organizações de
vítimas para que medidas mais duras fossem tomadas.
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Eleito para reformar a Igreja
Francisco
foi um Papa reformador. No conclave de 2013, após a renúncia de Bento XVI,
estava claro entre os cardeais eleitores que era preciso escolher alguém
dinâmico e sintonizado com as necessidades do mundo de hoje. Muitos foram
convencidos por um discurso de Jorge Mario Bergoglio, então arcebispo de Buenos
Aires, realizado dias antes do conclave. Na ocasião, ele defendeu a noção de
uma “Igreja em saída”, que não fica fechada nos templos mas que sai ao encontro
dos que estão fora. Ele acreditava que era preciso enxergar o “Cristo
encarnado” em cada pessoa, especialmente nas que mais sofrem. Essa foi a visão
de mundo que orientou toda a sua reforma.
Fonte:
g1

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